Esse post é meio nostálgico, meio pessoal, meio reconhecimento a pessoas que me ajudaram e me fizeram andar melhor e mais rápido para frente. Claro que é bagunçado e a linha do tempo não é contínua. Se eu fosse um cara sofisticado diria que fiz a narrativa em
flashback, mas não é o caso. É que é coisa demais para pôr em ordem. Foi do jeito que veio!
Quando eu era bem pequeno, me sentia meio peixe fora d'água. Nunca curti futebol, não gostava de samba, não era muito bagunceiro e amava ler. Lia tudo o que ma caía nas mãos.
Meu pai era mecânico de profissão, mas funcionário público de ocupação. Gostava de carros, embora não fosse assim um entusiasta. Nos anos 60 e 70 o automóvel era algo muito diferente do que é hoje. Não tive uma infância tão automotiva quanto gostava, apesar de ter aprendido a dirigir relativamente cedo, aos 11 anos, como era mais ou menos normal na época.
Havia duas revistas que eu costumava ler sempre que podia, e eram infinitamente mais legais que hoje em dia,
Quatro Rodas e
Autoesporte. A
Autoesporte era mais dedicada a automobilismo e eu curtia, mas preferia a
Quatro Rodas, sempre tinha matérias com carros bacanas, muitas informações técnicas, eu achava bem legal. Nessa época eu lia bastante sobre corridas nacionais, coisas do nosso automobilismo que me pareciam muito mais legais e perto de minha realidade que Fórmula 1 ou esporte-protótipo internacional.
Lógico que era impossível ignorar um Porsche 917, mas o Avallone-Chrysler e um certo protótipo para Divisão 4 com motor Ford 302 feito pelo Berta, que o Luiz Pereira Bueno pilotava e até bateu um recorde em Goiânia e que na época diziam que deveria permanecer por muito tempo, já que não corria F-1 lá, me pareciam muito, mas muito mais legais mesmo.
Nesses tempos aprendi que havia no Rio um certo Colégio Arte e Instrução, que possuía carros de corrida descabelantes como Ford GT40 e Lolas. Nessa época tinha a famosa equipe Hollywood, tinha a Divisão 3, tinha um cara do qual eu ouvia falar muito e que até alguns amigos conheciam em pessoa, mas eu não. Eu pensava que deveria ser um sujeito muito bacana e importante, porque corria com carros muito muito legais como Mavericks Quadrijets, a despeito de ter feito uma boa imagem andando com o carro que meu pai tanto amava, os Vemags. Sabia que ele tinha ligações com outro cara muito bacana que eu acabei conhecendo muitos anos após e que era, sim, um cara seriamente legal, o Jorge Lettry. Esse cara bacana é o Bob Sharp. Muito, muito tempo depois de eu ler sobre ele em resultados de competições nos idos anos 70, um dia fomos comer umas pizzas juntos em São Paulo.
Anos depois, comecei a ler outra revista nova que chegou ao mercado. Era a Motor 3. Era algo que se comprava e lia inteira. Nela comecei a ler muita coisa que muitos outros caras muito legais escreviam. Lá um cara gente boa pregava sobre a importância de se preservar a memória automotiva nacional. Esse cara acabou fazendo leis que proibiam que exportássemos partes de nossa história e ao mesmo tempo nos deu a oportunidade, através de outra lei que carrega seu nome, de termos carros antigos importados, coisa que sempre nos foi proibida. Esse Roberto Nasser é do barulho mesmo.
Vendo o post do Paulo sobre o museu dele, a Fundação Memória do Transporte, aqui em Brasília, me lembro que fiz alguns serviços para lá (bem, como ele até fez um editorial contando como e o que tínhamos feito nos motores do GTX e do Uirapuru dele, me sinto à vontade de comentar isso aqui), montei alguns motores, sempre muito planejados, discutidos com uma incrível dose de detalhamento, vontade de melhorar, de evoluir, mas sempre sem descaracterizar ou tentar transformar um motor representante de uma escola de engenharia de algumas décadas passadas em algo moderno e irreal.
Como se não bastasse isso, o Nasser me fez um grande favor: um dia, logo que cheguei aqui em Brasília, conseguiu me apresentar ao José Luiz Vieira, o Capitão da Motor 3.
Aí vamos de volta a 1987. Meu pai estava bem doente e hospitalizado, e um enfermeiro dele, o Lécio, foi me visitar na oficina onde trabalhava, na Praça da Bandeira, no Rio de Janeiro, para me pedir que por favor ajudasse a ele a montar um Chepala. Ok, eu já tinha ouvido falar de Chepala, mas só ouvido falar. Por acaso eu nem conseguia mais ter muito tempo livre e de forma irresponsável perdi a série de reportagens em que o JLV descrevia a feitura do Chepala dele. O Lécio me trouxe as reportagens e uns tempos depois fiz meu primeiro Chepala.
O mais fantástico é que fiquei fascinado com o fato de alguém fazer alguma coisa legal, ter o desapego de dizer que quem pôs o ovo em pé não foi ele e ainda contar para todos como fazer, algo impensável em nosso cotidiano medíocre, de saber e não contar para ninguém fazer igual a você. Quando saquei isso, que não somos nada, donos de nada ou melhor que outros por saber fazer algo, comecei a ver as coisas de outra forma.
Fui morar em Sorocaba, depois voltei para o Rio em 1990. Em 1991, com uma boa dose de coragem e com a facilidade de importar inédita que tivemos por conta da liberdade comercial de então, comecei de verdade a mexer com trocas de motores. Como já tinha tido a experiência dos Chepalas, me senti muito à vontade para tentar outros voos, mais altos e longos. Também mais rápidos.
Soube, por meio de revistas, que a Opel vendeu na Alemanha um carro com motor Chevy V-8 327. Já era, aquela Caravan que meu pai de deu de presente de Natal em 1988 ia ser a cobaia. Ela nasceu com um anêmico 151, virou 250 e o 250 foi vendido para pagar uma passagem Rio-Nova York-Rio que me serviu de fonte de muita literatura técnica da melhor espécie. Na volta, Caravan com small block e peguei um Dart 78, metendo um 383 nele. Nessa época não existia internet, então fazer as coisas mais legais do mundo e contar ao vivo e em cores a todos que quisessem ouvir não era tão fácil.
Nessa época de morar em Sorocaba peguei o hábito de ler revistas americanas de preparação como Car Craft e Popular Hot Rodding. Até que num ensolarado dia de outubro do longíquo ano de 1988, ao entrar numa banca na Praça Saens Peña, vi uma revista que eu ainda não conhecia, uma tal de Hot Rod, e na capa a mensagem: "Dare to be different". Como eu já não aguentava mais umas besteiras como ter que pintar meu carro velho dos anos 60 e 70 com cores modernas de carros novos, essa revista foi só o último capítulo de uma novela que sabíamos que não ia terminar bem.
Lá, caras como Gary B'ville, David Freiburguer, Steve Magnante só deram uma forcinha a um cara que já estava quase que irremediavelmente perdido.
Nessa época eu já trabalhava há muito tempo meus motores no finado Auto Posto Retificadora, onde tinham um monte de outros caras legais, como o Sr. Silvio di Mico, um italianão muito gente boa que sempre fazia uma certa vista grossa para um certo cara maluco que, apesar de ser apenas um cliente, entrava na retífica, às vezes até usinava uma coisa ou outra, às vezes até ajudava soldando peças e outras coisas da própria retífica, e por aí vai. Isso tudo só acontecia porque o chefe da oficina, o Sr. Gabriel Moisés, um cara simplesmente fantástico, estava sempre por perto com o enforcador para o caso do certo maluco irresponsável passar dos limites (se é que tinha algum, haha) dentro da retifica. E se ocupando em me ensinar tudo o que podia e sabia.
Bons tempos, que infelizmente terminaram em 1999, com a falência da firma. Mas, rei morto, rei posto e aqui me lembro que de volta às viagens aos Estados Unidos veio muita informação técnica boa, eu queria de verdade que pudéssemos, por exemplo, balancear eixos de motores com a mesma facilidade com se faz lá. Então, de posse das informações e com a indicação de um amigo que é um grande apaixonado por Porsches e VWs, conheci outro sujeito bacana, o Sr. Antoinne, dono da Retífica Aksony, que viu e ouviu o que eu tinha a dizer e bancou fazermos os gabaritos e os procedimentos para termos com facilidade, lá no Rio de janeiro em pleno ano 2000, uma facilidade técnica na época indisponível. Concluída a fanfarra, no último dia de bagunça e instalação, recebi a notícia de minha transferência para cá, e uma nova etapa veio.
Mas aí a gente tem que voltar um pouquinho, porque em meados dos anos 90 veio a internet e o Alexandre Cruvinel, colega de trabalho, me apresentou e me fez dar os primeiros passos nessa nova e maravilhosa forma de me comunicar. Descubro os news groups, os mailing lists, conheci o André Dantas, conversamos muito em nossos botequins virtuais, trocamos ideias mil com muitos outros amigos, alguns que hoje fazem bastante barulho também, metem motor de Lotus em Ladas, e vamos que vamos.
Por conta desses novos ares comunicativos, conheci muitos outros sujeitos bacanas e numa dessas, um outro cara legal, o Fabrício Samahá, do Best Cars Web Site, que me escreveu perguntando se eu podia ajudar, pois um leitor havia perguntado sobre como pôr um 350 num Opala. Nesse momento me lembrei da importância do JLV e da história do Chepala para mim. A resposta foi a única possível: mandei um texto bem detalhado sobre como fazer um Opala V-8. Espero que a reportagem tenha ajudado algumas pessoas a realizar seus sonhos mecânicos.
Tem um "tubinha" preto com V-6 aqui quase pronto. Quando concluir ele, acho que vai ser hora de fazer mais um textinho bem detalhado com muitas e muitas fotos e pôr aqui no blog para que, quem quiser, tenha pelo menos uma fonte de inspiração.
Aqui vale lembrar da imagem da foto acima, onde eu posava, ainda com os cabelos todos pretos, ao lado do carro de um amigo (claro, muito normal, um Citroën 11 Légère 1949 com -- é evidente -- Chevy V-8 power e tração traseira), numa oficina em que eu tinha participação, que chamávamos meio sério, meio na bagunça, de Automecânica 171, tendo em vista o número do imóvel na rua. Minha primeira experiência como sócio de alguma empreitada. Tudo muito mais fácil por conta do cara que era meu sócio, o Roberto Grande. Grande sujeito! Depois que vim para o Planalto Central deixei um bom aprendiz de feiticeiro lá, o Eduardo, que da forma que pode e consegue não deixa a bagunça acabar!
Voltando ao Nasser e ao encontro com o JLV, quando pude finalmente chegar para o meu mentor e dizer: Cara, você foi bacana, me ajudou e me mostrou como ser um cara melhor e mais útil. Eu vim aqui para te mostrar a minha Caravan V-8, feita com a mesma simplicidade e objetivos que você usou no Chepala. Quer ir dar uma voltinha nela?
Claro que ele quis. Primeiro dirigi para que ele visse do que se tratava, porque o carro era meio áspero, não muito amigável assim ao primeiro contato, e depois de ele ver como era, passei o carro a ele, que com maestria desfrutou da minha obra mecânica. Foi o jeito de eu dizer a ele: Cara, valeu, muito obrigado.
E aqui, neste ponto, deixo um grande e sincero muito obrigado a todos os caras legais que aqui citei e a outros tantos anônimos, que tiveram paciência e boa vontade de me fazer pensar, me fazer evoluir e ver coisas novas e legais.
A todos os meus mentores, amigos, companheiros de trabalho e de afazeres, meu muito obrigado! Muito obrigado mesmo, a viagem tem sido muito mais legal com a companhia de todos vocês e as dificuldades do caminho são sempre muito, mas muito menores mesmo, por conta da ajuda de todos vocês!
Abração!
AG