Já faz alguns dias que estou ensaiando esse post. Pra falar a verdade, desde o post
"Mopar Rules" em que nos comentários houve alguma discussão sobre as qualidades dos carros americanos. Então o Juliano "Kowalski" Barata sugeriu que admirássemos os frutos de cada cultura. Na mesma hora me lembrei de um fruto transgênico entre a América e a Europa: o 300C.
Mais precisamente o 300C Hemi, que foi praticamente o único sucesso da que nasceu da “fusão” entre a Daimler e a Chrysler. Se é que ainda não sabem o 300C utiliza muitos componentes do Mercedes Série E como suspensão traseira multibraço e sistema de direção. Eu diria que o 300C tem um corpo europeu com um coração americano. No melhor estilo americano, um 5,7-litros
there is no substitute for cubic inches. Hemi!
Quando peguei o carro, intuitivamente eu esperava por uma banheira americana, mole e instável com uma certa brutalidade vinda dos 340 cv de potência e 53 kgfm de torque. Também pensei que o consumo seria por volta de 4 km/l.
Felizmente minha expectativa não se realizou completamente. O carrão de gângster, com seus 5 metros de comprimento e quase 1.900 kg de peso tem a suspensão bem firme e gruda no chão com uma pegada bem européia. Prioriza um melhor comportamento dinâmico. No teste da
Road & Track a aceleração lateral atingiu 0,79 g, o que não o torna um esportivo, mas é um bom número. A linha de cintura alta, bem alta, faz os vidros laterais ficarem bem pequenos e nos sentirmos encaixados nos bancos. A sensação de segurara aumenta e a vontade de aproveitar a brutalidade do Hemi fica quase incontrolável.
Aproveitei na medida do possível todo o curso do pedal direito. A brutalidade superou as expectativas. A caixa, também do Série E, de 5 marchas, responde à altura e ajuda a catapultar a barca nos
kickdowns (pisadas fortes no acelerador). Aí lembrei do consumo! Entre as muitas brincadeiras com o acelerador e uma direção mais comportada, veio a surpresa: o computador de bordo marcou 7,3 km/l. Absolutamente incrível. Isso graças aos avanços do gerenciamento do motor. Esse Hemi tem o MDS (Multi Displacement System), um sistema de desativação de 4 cilindros quando o motor opera em baixa carga. Ou seja, enquanto eu andava no estilo tiozão só utilizava 4 cilindros. Argh!!
Pra falar um pouco sobre Hemis convidei o meu amigo Alexandre Garcia. Com um amigo assim nem me atrevo muito a falar de motores. Vejam mais abaixo.
Realmente o 300C uniu as melhores qualidades da Daimler com a Chrysler. Os Dodges Charger e Challenger, assim como a extinta perua Magnum e a 300C Touring também usam a mesma arquitetura. Desses aí, acho que minha preferência seria a Magnum SRT8, com o Hemi 6.1.
O que me deixa irritado é que a união entre Chrysler e Fiat não dá muita margem para um substituto a altura do 300C. Pra falar a verdade, ainda não consegui imaginar algo muito empolgante dessa união. Se alguém tiver uma ideia, por favor, divida-a conosco.
HEMI, UMA BREVE HISTÓRIA
Alexandre Garcia
O motor Hemi dos 300C é a reencarnação de um motor que teve duas vidas anteriores bem distintas.
Na sua primeira aparição, nos anos 50, era a grande aposta da Chrysler para fazer seus carros serem rápidos e confiáveis. Um motor tradicional no conceito americano, um motor V-8 sólido e bem construído, com a vantagem de ter um cabeçote que oferecia a oportunidade de usar a gasolina disponível na época e tirar dela um proveito maior que nos modelos convencionais.
Essa primeira série, tratada genericamente como early Hemi, era bastante complexa e cara de ser produzida, mas haviam versões mais simples com apenas um único eixo de balancins e câmaras de combustão convencionais.
Em 1958, com a chegada do motor maior, o big-block Chrysler, o early Hemi saiu de cena, não sendo mais oferecido como uma opção nos carros novos de 1959 em diante. O novo motor big-block era muito mais simples e barato de ser construído e tinha inicialmente tanta potência como o early Hemi, e ainda era melhor de se usar normalmente.
Mas em drag races o early Hemi continuou firme e forte, dominando as categorias top. Para que se tenha uma ideia, Don Garlits usou uma versão do early Hemi 392 alterado para deslocar 417 polegadas cúbicas até 1971, por acaso o ano em que a segunda versão do Hemi, o 426, parou de ser fabricado.
Em 1964, a Chrysler relançou o Hemi, mas desta vez nada tinha a ver como anterior, usado até 1958. Era uma versão nova, baseada no motor 426 wedge, bastante modificado, que veio a suprir uma lacuna importante na área das competições automobilísticas, onde fez milagres pela imagem da companhia. Vale comentar que este novo motor, produzido por apenas 7 anos, de 1964 a 1971, é usado até hoje e ainda é possível se comprar um exemplar novo, zero-km, devidamente montado pela própria Chrysler.
Os novos tempos demandaram um novo motor para os novos carros produzidos com tração traseira, como os 300C e os Chargers e Challengers dessa última geração com cilindradas de 5,7 e 6,1 litros. Esta nova versão do Hemi tem dimensões comparáveis aos small-blocks LA como os usados desde os nossos saudosos Darts e Chargers e os motores Magnum usados nas Cherokees, Dakotas e Rams.
Nos anos 90 foi lançado um motor 4,7 que tinha comando no cabeçote e apesar de ser o primeiro novo motor Chrysler em 41 anos, não foi exatamente um sucesso e não teve a possibilidade de oferecer toda a potência que se precisava, além de ser complexo de se fabricar e também caro. Logo, abandonaram o desenho com comandos nos cabeçotes, voltaram ao comando central e as válvulas acionadas através de balancins e varetas e ao modelo com câmaras hemisféricas.
Na verdade, não são realmente hemisféricas e nem tem pistões com cabeças arredondadas como os anteriores. Dispõem de um arranjo com as válvulas dispostas em diagonal que aumentam muito o fluxo de gases e permitem um desempenho excepcional, com um projeto que permite que o motor seja simples e leve. Não existe distribuidor, a ignição é estática e tem 8 bobinas que trabalham simultaneamente em cilindros simétricos na ordem de ignição com duas velas por cilindro.
Uma coincidência interessante é que a parte traseira dos novos Hemis é a mesma usada tanto nos Magnums, nos LA e nos modulares 4,7-litros, tornando mais fácil a vida futura do motor em aplicações de performance ou retrofit em veículos antigos.