Apresentado em 1998 na Europa, o Ford Focus veio com um pacote técnico bastante bom para a categoria. Precisamos lembrar que na Inglaterra, o país mãe para esse carro, a Ford liderava por anos a fio, e justamente com carros médios. Mas o Focus original é mais do que o sucessor do Escort, que durou 30 anos. É o resultado da lição aprendida mais dura pela qual a Ford Europa passou, após o lançamento do Escort de 1990, o CE14.
Em 29 de agosto de 1990, a revista Autocar, a de maior influência na Ilha, publicou uma matéria de capa que foi uma bomba dentro da Ford GB. Dizia a manchete:
Ford's new Escort meets its rivals....and loses. (Novo Escort enfrenta seus rivais...e perde).
Vários pontos foram mostrados como muito ruins no carro novo, que custou 1 bilhão de libras. Motor de respostas fracas, qualidade da troca de marchas, bancos, painel de instrumentos, estabilidade. Este ponto era bem visível, pois a rolagem de carroceria era demais para um carro pequeno e razoavelmente leve. O resultado foi tão forte dentro da Ford, que após o lançamento para a Imprensa, foi adicionada barra estabilizadora na dianteira.
Essa prática é um terror para qualquer fabricante. Ao se marcar um lançamento com a Imprensa, seja especializada ou não, é inadmissível precisar alterar algo no carro depois que as matérias começam a ser publicadas, mas foi o que aconteceu ao Escort inglês. Em três meses, o preço havia caído, os pacotes de opções haviam se enriquecido, e o marketing de vendas e a propaganda trabalhavam para manter o Escort como o mais vendido. As séries especiais e opcionais grátis eram adicionados. Em poucos anos, mudanças leves e outras mais profundas foram sendo apresentadas, e o carro melhorou muito.
Isso mostra o quanto a Imprensa séria e com base e formação técnica pode influenciar fabricantes também sérios. Na Inglaterra, país que deve ter a maior quantidade de autoentusiastas por metro quadrado no mundo, a Autocar é sempre muito bem vista, dada a tradição de ter sido fundada em 1895, e não testar carros por press-release, Internet ou telepatia. A equipe é grande e os carros são utilizados de verdade, muitos deles em testes de longa duração. Informação confiável, portanto.
O ponto em que a Ford chegou com esse Escort foi o pior na história da marca na Inglaterra, e o que se seguiu foi o início do conceito do carro que viria a ser seu sucessor, o Focus.
Já estávamos na fase em que os carros ficaram maiores e mais pesados, visando principalmente atender normas de segurança bastante restritivas, e mais conteúdo nessa área deveria ser adicionado. Em paralelo, o consumidor já demonstrava mais exigências quanto a espaço, conforto e a própria segurança. Partiu-se então para um novo projeto, já que melhorar o Escort seria mais caro do que fazer um carro novo.
Entra aqui uma figura conhecida pelos entusiastas mais radicais, apreciadores da moderna engenharia automotiva, Richard Parry-Jones, o RPJ. Esse engenheiro mecânico trabalhou 30 anos na Ford, e se declarou sempre um apaixonado por carros. Na Ford desde 1969, em 82 se tornou o principal responsável pelo Escort. Os Focus, Ka, Fiesta, Puma e Mondeo nasceram sob sua batuta. Percebemos que o Escort tão criticado, foi fruto do trabalho dele e de sua equipe.A evolução do homem trouxe a evolução do produto, e o que se seguiu foi o Focus, aclamado na Europa e nos outros mercados em que foi lançado, como um novo padrão de dirigibilidade, encontrado apenas em carros muito mais caros. O Focus foi tão melhor nesse quesito, tanto na Europa quanto nos EUA, que encontramos uma declaração de um executivo de Planejamento de Produto da Honda USA, que disse:
"The reason we notched up the '02 Civic Si's chassis dynamics is partly because of how damned good the Ford Focus ZX3 is. And the reason we believe the Focus, Escape, (Mazda) Tribute and the new Mondeo are so good -- and why Ford has surprised us with these vehicles -- is because of Richard Parry-Jones."
A característica principal, a nosso ver, é uma suspensão traseira independente com multi-braços, que permite estabilidade e conforto ao mesmo tempo, e funciona muito bem.
Passados menos de um ano do lançamento na Europa, vimos em São Paulo um Focus cinza-nublado-britânico com placa de fabricante, e tivemos a mesma sensação de irrealidade que se tem ao final de um filme espetacular no cinema. Seria possível que esse campeão já esteja sendo aprontado para ser vendido aqui ?
A resposta veio rápida, e no final de 1999 já tínhamos o Focus feito na Argentina, entre nós. De lá para cá, todo novo carro no mercado pode ser medido a partir do Focus, modelo original, que agora só possui o motor 1,6 litros e 8 válvulas. Basta andar com o novo modelo que se tem interesse, anotar o preço e equipamentos, e depois dirigir para valer o Focus velhinho, ver suas características e preço. Se o orçamento disponível for para um modelo usado, a covardia é mais marcante ainda, dada a qualidade de construção de carroceria, interior inclusive, do Ford. Difícil encontrar um exemplar usado que não tenha uma boa condição, passando a sensação de carro sólido.
Ainda não encontrei nada melhor em nosso mercado.
JJ
P.S. 1 - O modelo novo, apresentado no Brasil no Salão do Automóvel de 2008 é outro bicho. Ainda um pouco caro, já mais parelho com os concorrentes. Fontes desse blog nos afirmam que a dinâmica foi um pouco prejudicada devido ao maior peso, e que o modelo antigo é mais divertido de dirigir. Avaliarei em breve.
P.S. 2 - O Gino Brasil considera o Golf ainda melhor que o Focus, e combinamos dele contrapor o meu texto com um outro, sobre esse carro da VW.