É como se as pessoas ligassem seus GPS e junto desligassem seus cérebros. Os números são assustadores.
Segundo o jornal inglês Mirror, uma pesquisa que levou em conta um universo de 14 milhões de usuários de GPS levantou fatos desconcertantes. Pelas estatísticas, estimou-se que:
- 300.000 motoristas sofreram ou quase sofreram algum tipo de acidente seguindo orientações do GPS;
- 1,5 milhões de motoristas mudaram repentinamente de direção, por indicação do aparelho;
- 5 milhões receberam indicações de conversão na contramão;
- 1 em cada 10 motoristas alega que cometeu infrações ou manobras perigosas seguindo as ordens do aparelho.
Estes números são graves, e indicam um aumento do número de acidentes com o crescimento do uso do GPS.
É difícil para nós compreender como acidentes aparentemente tão sem sentido possam acontecer, causados pelo GPS. Qual seria a origem deste fenômeno?
A resposta, por incrível que pareça, está na estrutura do nosso cérebro.
O cérebro é um órgão que se desenvolveu ao longo de milhões de anos, servindo para orientar o organismo dentro de um ambiente hostil e pouco previsível. Porém, diferente dos computadores a que estamos acostumados, o cérebro não seguiu uma linha lógica de evolução.
Um dos mecanismos-chave de qualquer cérebro de sucesso é a capacidade de resposta rápida a estímulos. Se um animal é atacado de surpresa por um predador, o cérebro não tem tempo para processar muita informação. Há um circuito cerebral elementar (e por isso de resposta muito rápida) que faz o animal dar um salto na direção oposta ao do predador.
Podemos estabelecer uma linha evolutiva do cérebro junto com a evolução das espécies. O cérebro dos peixes é bastante primitivo, reagindo de forma simples ao ambiente que o cerca. Não é um cérebro evoluído que resolva problemas muito complexos, mas que oferece grande diversidade de respostas rápidas a estímulos ambientais.
Já os répteis possuem um cérebro bem mais evoluído, mas que veio originalmente do cérebro dos peixes. A evolução do cérebro dos répteis não criou algo novo, mas adicionou camadas extras ao cérebro dos peixes, e a interação entre as camadas antigas e as mais recentes é complexa. Em algumas situações, os circuitos de resposta rápida da camada mais primitiva foi suprimida em favor de outro circuito na camada mais evoluída. Em outras situações, há dois circuitos, um primitivo e outro mais evoluído, trabalhando em paralelo para oferecer respostas ao mesmo estímulo.
O ser humano evoluiu de espécies de macacos que viviam em bandos. Estes bandos possuem uma estrutura social, e, o que talvez seja surpreendente, muitas estruturas do nosso cérebro são voltadas para facilitar este convívio social. Há vários circuitos de resposta rápida em nossos cérebros para situações sociais.
Podemos ver isto em ação em nossas vidas. Na escola ou no trabalho, nunca se forma um grupo único. Gostamos de formar vários grupos menores (também conhecidos como “panelinhas”).
O mesmo mecanismo explica a violência de torcidas. Num bando de predadores, quando um do grupo é atacado, a resposta rápida do cérebro é revidar a agressão contra o agressor, defendendo o membro atacado. Brigas de torcida começam entre poucos elementos, mas o clima de defesa e retaliação se propaga entre duas massas de pessoas que, fora dos estádios, são pacatos e honestos cidadãos. Este comportamento grupal tem paralelo direto no comportamento de matilhas de lobos que nossos cães herdaram.
Dentre estes comportamentos imediatos há um em particular. É a capacidade de seguir ordens de forma imediata e sem questionamentos.
Durante uma caçada, o risco sempre era enorme. Se desse algo errado, o perigo rondava a todos. Num grupo de caçadores, a coesão do grupo e o sincronismo de cada membro era fundamental para uma caçada ser feita com êxito e o mínimo risco. Não havia tempo para pensar ou questionar. Um líder dava as ordens e os demais obedeciam. Circuitos cerebrais de resposta rápida foram estabelecidos favorecendo este aspecto social.
No entanto, como a evolução humana foi muito rápida, estes mecanismos cerebrais não tiveram tempo de serem desarmados ou suprimidos. Ainda somos muito parecidos com nossos ancestrais trogloditas.
GPS possuem sintetizadores de voz com frases previamente gravadas. Elas são pronunciadas de maneira firme e compassada, e em nada carregando a entonação em sincronismo com a situação vivida pelo motorista.
Se o motorista estiver dirigindo “no automático” (usando circuitos cerebrais mais primitivos que guiam suas ações), então muitas de suas atitudes ao volante não passam pelo crivo da parte crítica racional que está no córtex, e interpretar e obedecer de forma imediata a voz do GPS como uma ordem dada por um líder é um passo. Esta é a razão para tantos desatinos ao volante na presença de um GPS-guia.
O uso de computadores tem agravado um aspecto da vida moderna. Há um limite de fluxo de informações com as quais o cérebro é capaz de lidar, e com os computadores esse volume cresceu muito nos últimos anos.
Antigamente, o motorista tinha apenas que dirigir e conversar com os passageiros. Hoje ele tem de dirigir, controlar a velocidade para não ser multado, atender ao celular (e ter de segurar o aparelho junto ao ouvido), seguir as indicações visuais e auditivas do GPS, com a pouca distância dos carros ao lado e o tempo perdido nos congestionamentos, informações do trânsito passadas pelo rádio.
Este fenômeno foi observado pelos militares quando entraram em serviço as aeronaves hoje em operação, como o F-15 e o F-14. A resposta à crescente carga de informações sobre o piloto direcionou muitos dos desenvolvimentos de substitutos, como o F-22 e o F-35, onde funções mais “prosaicas” como pilotar o avião são passadas do piloto para os computadores de bordo, permitindo ao piloto se concentrar na parte mais crítica da missão.
Hoje, a sobrecarga de informações e a resposta instintiva inapropriada a várias delas já vem sendo considerada como doença epidêmica pelos especialistas.
Fica a questão de quanto tempo irá demorar para que os computadores embarcados passem a agir por conta própria para evitar enganos cometidos pelo prodigioso cérebro humano.