google.com, pub-3521758178363208, DIRECT, f08c47fec0942fa0 AUTOentusiastas Classic (2008-2014): cliente
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Fugindo um pouco do meu tema habitual, viagens, abro um espaço aqui para uma reflexão devido a um acontecimento recente com uma conhecida minha. Ela, como muitos, teve problemas com um carro praticamente novo, levou-o a uma concessionária e ficou extremamente desapontada com o atendimento.

Como administrador por formação, me assusta como algumas coisas são tão mal resolvidas no mercado automotivo, quando outros setores já avançaram muito. Um bem de alto valor como um carro tem um processo de decisão bastante complexo, combinando motivações racionais e emocionais e, não raro, carrega opções familiares de longa data. Ou seja, não é um bem qualquer e há uma fidelização muito alta quando comparado com outros bens de consumo. Isso não quer dizer que um consumidor Ford sempre será Ford, nem um Chevrolet sempre Chevrolet. Mas pode ter certeza que o consumidor fiel tende a relevar defeitos da marca preferida e enaltecer as qualidades mesmo sem real motivo pra isso.

O motivo está na nossa mente, é um processo psicológico, objeto dos mais variados estudos e certamente acompanhado pelo departamento de Marketing dos fabricantes de veículos. Ter conquistado o cliente e recebido o cheque em troca da mercadoria NÃO É o fim da história no mercado automobilístico. A relação acompanha todo o período de propriedade do veículo e a futura decisão de compra do substituto desse automóvel. Por que negligenciar o cliente já cativo?

No caso em questão, minha amiga havia reportado alguns irritantes problemas no veículo, que se aproximava da revisão de 20.000 km, com pouco mais de um ano de uso. Dificuldades de partida a frio (mais de 10 tentativas até o motor parar de morrer após acionado) e falhas em velocidade constante. Algo no sistema de alimentação ou algum sensor que o influencie. De fato, era uma reclamação trivial e aparentemente frequente pelo diagnóstico feito nas concessionárias sem ao menos precisar avaliar o carro. O TPS (Throttle Position Sensor – sensor de posição da borboleta) apresentava um defeito crônico nas unidades desse veículo e era comum sua troca pela rede de concessionários nas revisões. Até aí, tudo certo. É sempre desagradável ter um defeito em um carro novo, mas acontece. O que se seguiu é que me surpreendeu.

Ela ligou para a concessionária, reportou o problema e agendou uma data alguns dias à frente para resolver esse problema e já realizar a revisão dos 20.000 km (não é gratuita para esse veículo). Quando levou o carro à concessionária, foi dito que não sabiam se o fabricante trocaria a peça em garantia, que vencera há 1 dia. Um dia! Para alguém que ligou e reportou o problema dias antes, em garantia, portanto.

Depois de alguma discussão, disseram que iam "ver o que poderia ser feito" e ligariam de volta. Muito aborrecida, ela levou na mesma hora em outra concessionária que não mencionou a garantia vencida há 1 dia, mas questionou a falta de carimbo de uma revisão anterior. Mesmo ela tendo garantido que havia feito (a concessionária esqueceu de registrar), novamente a condicional "se todos os carimbos das revisões anteriores estivessem aqui, não teria problema. Mas vamos ver o que podemos fazer com o fabricante". Interessante que jamais alguém comentou em ligar para a concessionária que havia feito a revisão. Além disso, um orçamento inacreditável de serviços para a revisão de 20.000 km foi apresentado. No final da história, o veículo foi consertado em garantia, o óleo foi trocado e o restante do orçamento foi rejeitado. Sim, a famigerada limpeza de bicos estava lá, também.

Minha visão do incidente é simples: uma consumidora que recentemente decidiu por um produto da marca teve um problema simples e foi desacreditada por duas vezes e ameaçada de ter que bancar o conserto de um produto com claro defeito de fabricação. Teve seu veículo consertado mas saiu extremamente desapontada com o caso.

Essa consumidora é fã da marca desde que se lembra por gente, trabalhou na empresa que fabrica o veículo, possui um carro antigo da marca e hoje está completamente desiludida com ela. Note que não é fácil "conseguir" tal decepção de alguém tão ligada à marca. Espero que a crise mundial que vivemos sirva, pelo menos, para colocar alguns pingos nos is. A venda fácil pelo crédito abundante e perspectivas otimistas do futuro parecem ter influenciado o comportamento desses agentes. Estava tudo fácil demais. Mesmo que os volumes tenham se recuperado com os incentivos governamentais, o final do ano passado mostrou que a crise pode chegar forte. Infelizmente a crise traz também avareza a esse agente, que tende a se tornar mais resistente em aceitar reclamações e novamente provoca desapontamento no seu cliente.

Repare, também, que o fabricante provavelmente nem sabe que houve tamanha desilusão. Não foi necessário recorrer ao SAC ou tomar medidas mais graves. Onde está o erro, então? Fácil, nas concessionárias. Elas são o elo do fabricante com o consumidor, elas o representam na argumentação de venda e depois, na manutenção e solução de problemas. Devem, portanto, ter uma relação saudável e devem ser fiscalizadas em sua atuação por serem a cara da empresa, mesmo sendo "um mal necessário". É comum em vários setores o "consumidor espião", alguém contratado para se passar por consumidor e avaliar a qualidade do atendimento. Carros podem ser pesquisados ou até comprados pela internet, mas a entrega é em uma concessionária e o calendário de revisões ou a solução de problemas novamente coloca a concessionária na vida dos consumidores. Parece que falta vestir a camisa ao elo final da cadeia.

A relação entre as concessionárias e os fabricantes obviamente não é fácil. Lembro de ter tido problema no painel do meu Vectra (a primeira versão fabricada no Brasil, a que era vendida na Europa com o mesmo nome). O ponteiro de velocidade voltava a zero, ocasionalmente. A "solução" da concessionária: trocar o painel inteiro! Acabei não fazendo o serviço, temendo ganhar inúmeros novos ruídos e, por outros motivos, pouco tempo depois vendi o carro para um amigo, ex-funcionário da GM. Ele levou em um mecânico de bairro, próximo à fábrica da GM e um relê de poucos reais foi trocado. Ou seja, economizei um valor razoável para a GM não trocando o painel. Por outro lado, como é difícil para a empresa ter que arcar com uma despesa dessas, vinda de um diagnóstico errado de um representante seu! A troca do painel certamente geraria algumas horas de oficina e a peça viria da GM, sem custo para a concessionária. Assim fica complicado.

Em um caso envolvendo a Fiat, um amigo reportou que, no seu carro 0-km, a cera protetora permanecia, próxima às bordas do para-brisa, deixando uma aparência péssima. Ele deixou o carro para uma cristalização na concessionária e, ao retirar o veículo, notou o para-brisa riscado, obviamente fruto de uma descuidada tentativa de retirar a cera. Os próprios funcionários da concessionária rechaçaram a reclamação e indicaram o SAC da Fiat. Incrível, não, um cliente que acabara de comprar um produto de mais de 60 mil reais! Ele reclamou, a regional foi acionada e a concessionária trocou o para-brisa. Nesse retorno, ele foi recebido como rei (agora pelo gerente da oficina) que lamentou o ocorrido e nunca imaginou que outros funcionários da própria concessionária pudessem ter falado dessa forma com o cliente. Neste caso, ao menos, o cliente manteve-se fiel à marca, pois percebeu que o fabricante abriu um canal de reclamações que funciona. Sentiu-se atendido e manteve-se cliente.

A ideia aqui não era montar um compêndio de casos e reclamações específicas com relação a uma ou outra marca de fabricantes de veículos, mas notar, primeiro, que a relação concessionária-fabricante é complexa e ainda tem um longo caminho para se tornar satisfatória (não apenas para ambos, mas principalmente para o consumidor, motivo da existência de ambas). Em segundo lugar, como o esforço de vendas, de captação, de convencimento do consumidor ANTES de comprar não encontra paralelo no esforço de manutenção e fidelização de quem já é cliente. Por último, há que se perceber notória evolução nos canais de reclamações abertos pelos fabricantes que tentam fechar a lacuna nessa relação "com intermediários" que elas mantêm com seus consumidores.

Pelo que tenho de experiência recente com concessionárias de marcas japonesas, percebo um cuidado maior com esse relacionamento. Menos empurroterapia e maior transparência. Na Honda, há uma lista de serviços opcionais oferecidos nas revisões. Mas percebe-se que são realmente opcionais, há banners e um discurso de propaganda desses serviços para convencer (e não coagir) o consumidor e, finalmente, preço justo. Simples, mas passa confiança ao consumidor, que frequentemente opta pelos extras "bem vendidos", mas não se sente coagido a isso nem se sente enganado ou ameaçado. Provavelmente fará propaganda boca-a-boca desse procedimento quando ouvir um parente ou amigo reclamar de mau atendimento na concessionária da marca do seu carro. Não estou dizendo que não existam ótimas concessionárias das 4 marcas tradicionais do nosso mercado, mas esse caso que relatei claramente é algo preparado pelo fabricante para garantir unicidade do discurso em sua rede.

Claro, marcas que entram em um mercado precisam oferecer algo de novo. As revisões de preço fixo começaram com as francesas, já foram adotadas por praticamente todos, como exemplo de transparência e para combater a imagem de carro com manutenção cara. Por outro lado, a fragilidade dos coxins de motor de alguns carros franceses, provavelmente criados para vias muito menos esburacadas que as nossas, manchou a imagem de uma marca e até dos carros franceses em geral. Menos pelo defeito e mais pela atitude das concessionárias, que insistiam em caracterizar isso como "normal", ou a cara substituição regular desse elemento como algo esperado. Ou seja, por pior que seja o defeito, arrisco dizer que a fixação na memória das pessoas depende mais do tratamento recebido do que do fato em si.

Para nós, entusiastas, essa relação homem-máquina (e homem-marca) carrega muito mais carga emocional do que simplesmente "reclamar de um produto defeituoso". Uma situação dessas soa mais como "traição" do que um mero deslize. Como amor e ódio são muito próximos...