A edição da semana passada da revista
Time resolveu colocar o dedo na ferida da Toyota ao abordar o problema de aceleração involuntária que envolve os modelos RAV4, Corolla, Matrix, Avalon, Camry, Highlander, Tundra e Sequoia. A polêmica em torno dos pedais não ficou restrita ao mercado norte-americano e chegou também ao Brasil, em diversas reportagens publicadas pelo jornal
Estado de Minas.
Para entender melhor o problema, é preciso salientar que a Toyota adquire seus pedais de dois fornecedores: a norte-americana CTS e a japonesa Denso. E não, isso não faz da Toyota uma simples "montadora": apesar de diferentes, ambos os pedais foram desenvolvidos pela Toyota, cabendo aos fornecedores apenas a tarefa de executar o projeto.
É justamente na diferença do mecanismo que reside o problema: até o presente momento, todos os modelos envolvidos no recall estão equipados com o pedal fornecido pelo fabricante norte-americano CTS e não há uma reclamação sequer envolvendo os modelos equipados com o pedal japonês Denso.
Os não iniciados podem achar que um pedal de acionamento by wire é um mecanismo simples, composto por um potenciômetro dentro de uma caixinha de plástico, acionado por um pedal com uma mola de retorno. O conceito básico do pedal está bem próximo disso, mas o pedal também esconde um mecanismo de fricção, que tem por objetivo simular a sensação natural do acelerador tradicional, acionado por um cabo de aço e seu respectivo conduite.
No pedal Denso (foto abaixo) a mola de retorno do pedal é revestida por um conduíte plástico, responsável pela fricção desejada. Pela própria natureza do desenho, teoricamente o desgaste do conduite deixa o pedal cada vez mais livre.
Fotos: The Truth About Cars
No pedal CTS (abaixo), o pedal apresenta duas guias (B), que se friccionam contra dois dentes de plástico (A) montados na carcaça do acelerador. O desgaste natural do sistema cria uma folga que aumenta a área de contato dos componentes, criando maior fricção e prejudicando o retorno do pedal à sua posição normal. Em certas ocasiões, o pedal pode simplesmente não retornar e o carro acelera involuntariamente.
A CTS (obviamente como o lado mais fraco de uma corda que estourou) se defende, dizendo que os problemas de aceleração involuntária em veículos Toyota começaram já em 2002 e que eles passaram a fornecer os pedais à Toyota apenas em 2005. A Toyota, ciente de sua responsabilidade, organizou o recall global para a instalação de um calço de metal, que elimina definitivamente a folga criada pelo desgaste dos componentes do pedal CTS, evitando assim que o problema se repita.
Fotos: Time Magazine
E no Brasil? Todos os produtos comercializados pela Toyota do Brasil envolvidos no recall global (Corolla, Camry e RAV4) são equipados com o pedal Denso e por isso estão fora da convocação, pois no mundo todo o pedal japonês não apresentou quaisquer problemas de aceleração involuntária.
E agora? Como saber quem tem razão?
Minha mãe é dona de um Corolla 2010 e fiz questão de tentar simular situações de pânico com o acelerador travado no fundo do assoalho. Em qualquer situação (baixa ou alta velocidade), a potência de frenagem era mais do que suficiente para conter o automóvel e o motor não superava a rotação de stall: nem mesmo a hipotética ausência de vácuo no coletor de admissão foi suficiente para endurecer o pedal.
Muitos dirão:
"Ah, mas o acelerador é eletrônico, nessas situações de pé esquerdo freando e direito acelerando ele não abre a borboleta totalmente...". Repeti o teste com mais dois Corollas de gerações anteriores (E110 e E120) equipados com transmissão automática e aceleradores comandados por cabo de aço: novamente, a força de frenagem é mais do que suficiente e estanca o carro com segurança, em qualquer hipótese (não só nos Corollas, mas em qualquer carro).
Tentei até mesmo enrolar o tapete de borracha original (Borcol) de diversas formas para prender o pedal do acelerador no assoalho, sem sucesso. Fica difícil imaginar uma forma do pedal ficar preso, a não ser com o espesso tapete de inverno utilizado nos EUA.
O que podemos concluir a respeito dos casos brasileiros? Eu digo que não se trata de uma situação inédita: em 1984 a Audi registrou um aumento de 48% nas vendas do seu novo modelo 5000 (uma variante do Audi 100 alemão), um aerodinâmico sedan familiar que agradou em cheio as famílias norte-americanas.
Dois anos depois, o programa de televisão 60 Minutes (do canal CBS) noticiou seis casos de aceleração involuntária envolvendo o Audi 5000, o mais trágico deles envolvendo o atropelamento de uma criança de apenas 6 anos. A apresentação do caso incluía uma demonstração fraudulenta do pedal do acelerador descendo até o assoalho, em uma clara falta de vergonha e ética por parte do jornalismo da CBS.
Da noite para o dia, todos os modelos da Audi tornaram-se um perigo sobre 4 rodas, suspeitos de estarem envolvidos em 700 acidentes (com seis mortes relacionadas). As vendas despencaram de 74mil unidades em 1984 para apenas 12 mil unidades em 1991, um impacto foi tão grande que a Audi considerou abandonar o mercado norte-americano já em 1993.
E o que aconteceu na verdade? Uma investigação da agência NHTSA (National Highway Traffic Safety Administration) isentou a Audi de qualquer responsabilidade, em um parecer que envolvia 50 outros modelos de 20 fabricantes presentes no mercado norte-americano, todos envolvidos em casos de aceleração involuntária. Constatou-se que a culpa era dos próprios consumidores, acostumados a pedais de freio e acelerador bem espaçados, típico dos carros norte-americanos.
E qual foi o posicionamento da CBS? Segundo a emissora, o parecer da NHTSA foi apenas "uma opinião", mesmo sabendo que os seis entrevistados no programa de 1986 perderam a causa na justiça norte-americana, conhecida pelas indenizações milionárias que concede. Não se retratou e não assumiu a irresponsabilidade. A Audi restabeleceu-se, mas não a tempo de brigar com a nova marca premium do mercado norte-americano, a Lexus.
O injustiçado Audi 5000 A lição que fica: a imprensa precisa evitar a celeuma irresponsável, aquela que desinforma, gera polêmicas vazias e vende manchetes, sob pena de cair em total descrédito. E precisa também parar de induzir o consumidor brasileiro ao complexo de gata-borralheira, dizendo que os produtos vendidos no mercado nacional pela Toyota devem fazer parte de um recall quando na verdade não devem, apenas pelo fato do recall ter atingido mercados "sérios", como o dos EUA.
A minha opinião é a que de cliente tem sempre razão, mesmo quando está errado, mas isso não justifica um recall de um pedal que em momento algum apresentou defeito. Só acho muito estranho esse papo vir à tona justo no momento em que o Corolla atinge a liderança do segmento aqui no Brasil.
Não estou insinuando nada, mas que é um papo muito estranho, isso é.
FB