google.com, pub-3521758178363208, DIRECT, f08c47fec0942fa0 AUTOentusiastas Classic (2008-2014): Argentina
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Você acreditaria se lhe dissesse que a Renault, famosa por seus carros de personalidade eminentemente francesa, já produziu um legítimo Muscle Car?

Tal coisa só podia ter acontecido na América Latina, terra dos mais absurdos, e por isso mesmo mais interessantes, híbridos do planeta. Vejam o caso do carro em questão, o Torino.

Esta história começa em 1956 com a fundação da IKA (Indústrias Kaiser Argentina), produtora de automóveis sediada em Santa Isabel, na distante província de Córdoba. Após produzir Jeeps diversos, entra em acordo comercial, em 1959, com a estatal francesa de Paris, que se transforma em IKA-Renault para adicionar inicialmente o Renault 4 a sua gama.

Em 1962, outro acordo, com a então infante AMC americana, é o pavio para o desenvolvimento de um carro para combater o popularíssimo Ford Falcon, usando como base o Rambler American de 1964 (abaixo).



O engenheiro-chefe da empresa, George Harbert, não se contentou em apenas transplantar o Rambler para solo portenho. Não, queria mais, queria um carro especial que fosse entendido por seus compatriotas como algo de seu país, e não apenas mais um flácido americano nascido lá por azar (ou provavelmente sorte, pensariam os argentinos).

O carro é então levemente restilizado pela casa Pininfarina, ganhando também um painel de instrumentos de personalidade decididamente italiana. Além da dessa argentinização da aparência, toda a estrutura e suspensões do carro foram reprojetadas para a maneira de dirigir do povo de seu país, decididamente mais forte que a dos americanos, e em estradas infinitamente piores. O fato do Torino ter grande sucesso em "carreteras"e ralis posteriormente deve muito a este cuidado dos seus criadores.



Um belo logotipo, com um touro dos pampas estilizado, ajudou a completar a mudança de personalidade do carro, de um carro pequeno para senhoras americanas irem as compras para um luxuoso e esportivo sedã para aristocratas portenhos.

Por uma incrível sorte, o Torino acaba por ganhar em seu nascimento um propulsor interessantíssimo. Desenvolvido para ser usado em Jeeps pela Kaiser no início dos anos 60, o Tornado six de seis cilindros em linha teve vida curta nesses carros: era muito complexo, caro e comprido para os Jeeps. Quando a Buick americana desistiu de usar seus V-6 em meados da década de sessenta, a AMC habilmente, sentindo que o simples, ótimo e barato V-6 era perfeito para o CJ5 e seus derivados, comprou o ferramental e o projeto, e mandou o seis-em-linha para a Argentina.

A história desse V-6 Buick ainda precisa ser contada, porque é cheia de idas e vindas e drama e suspense como uma boa novela policial. Basta saber que a Buick acabou por comprá-lo de volta e fazer coisas absolutamente inesquecíveis com ele, como o Buick GNX e o primeiro Omega "australiano"que tivemos aqui no Brasil!

Mas estou divagando...De volta ao interior da Argentina no meio dos anos 60, e nosso amigo Harbert, que agora tinha em mãos um novo motor para seu novo carro. Como vocês podem imaginar, um motor que era complexo e caro para um Jeep só podia ser perfeito para o Torino. Seis cilindros em linha, sete mancais, e inusitadamente para um propulsor americano da época, comando de válvulas no cabeçote (OHC) e câmara de combustão hemisférica. Era oferecido em 3 versões: 300 (3,0 litros e carburador duplo Carter) , 380 (3,8 litros e carburador duplo Holley) e finalmente, o mítico 380 W com três gloriosos Weber horizontais duplos e 220 cv.



Lançado em 1966, o Torino era oferecido em várias versões de duas e quatro portas, e logo se tornou um símbolo de status em seu país. Infelizmente, Harbert não chega ver seu filho pronto, pois morre tragicamente em acidente automobilístico perto do lançamento.

O carro logo é adotado pelos corredores argentinos como seu melhor puro-sangue para las carreteras, e tem uma longa e gloriosa carreira em competições, invariavelmente com enormes pneus saindo de seus para-lamas cortados. Em 1975, a IKA era comprada pela Renault e o Torino ganha um logotipo da empresa e vira um RENAULT Torino, e assim permanece produzido até que os efeitos da segunda crise do petróleo o mata em 1982.



Logo na primeira semana que cheguei na Argentina, me deparei com um cupê saindo de um prédio. A primeira coisa que me chamou atenção foi como é pequeno; mesma sensação que tive após ver um Falcon depois de décadas. Tinha na cabeça que eram enormes carros americanos, mas na verdade são ridiculamente pequenos para os padrões americanos, e de tamanho apenas médio hoje em dia.

A outra foi o som do motor. Eu gostaria qu vocês pudessem ouvir a melodia exótica e embriagante daquele motor ao sair calmamente da garagem e depois ser acelerado com vontade. Mas na verdade, graças ao milagre do Youtube, vocês podem ouvir algo parecido sim:

http://www.youtube.com/watch?v=NbuvJMVGxHU&feature=related

Vejam também uma propaganda de época e um filme em que um Torino de corrida é protagonista:



O Torino, especialmente se equipado com o motor 380 W, é um carro especial; um muscle car portenho com comportamento decente, e a alma fincada em corridas de velocidade na terra, tal qual EVOs e WRX hoje.

É um Renault muito, mas muito diferente mesmo...

MAO


Nota adicional de Bob Sharp:

Nas 84 Horas de Nürburgring, em 1969, o Torino 380 W foi o carro que mais voltas deu, mas foi penalizado por perder parte do escapamento e ter de fazer o reparo. Ainda chegou em quarto, atrás de um Triumph TR6, BMW 2002 e Lancia Fulvia HF. Na época foi muito comentado. Nos, boxes, o chefe era ninguém menos que Juan Manuel Fangio. As duas fotos do fim do post, logo aí acima, são desta corrida, e o sujeito de boina na primeira foto é Fangio himself.

Para quem sentiu a minha falta, explico que fui sumariamente exilado por mais de um mês para terras portenhas, onde devo permanecer pela maior parte desse ano, não de uma só vez, mas em várias estadias curtas.

Alguém já disse que "time is the ultimate luxury", mas normalmente consigo achar um pouco dele para cumprir este agradabilíssimo compromisso que tenho com o blog, independentemente de quão atabalhoada esteja minha vida. Infelizmente não desta vez...

Pensei então, para vencer a inércia e aproveitar esse sábado tranquilo nos pampas, oferecer a vocês alguns pensamentos automotivos randômicos, assim do topo de minha cachola:


1) Dirige-se tranquilamente a mais de 150 km/h nas boas estradas. Limite existe, é de 130 km/h, mas é largamente ignorado. Os mais lentos normalmente ficam à direita (surpresa!!!). Tudo é muito plano, impressionavelmente plano.


2) Funileiro vai à falência na Argentina. Bateu? Se tá andando, deixa assim!!!

3) Muito carro velho. Muito. Mas fora o estado deplorável deles, é uma paisagem deveras interessante e variada. Torinos, Sierras, Taunus, Chevy Nova, Peugeots, Citroëns, Renaults, Valiants, Fairlanes, Fiats 600, and so on and so forth. Acho que uma hora dessas paro para contar algumas histórias dessa fauna toda com mais calma.

4) Já os carros mais novos, são quase idênticos aos que vemos no Brasil. Gol, Fox, Fiesta, Classics, Astras, Focus, Sanderos, 207... Em alguns anos, a paisagem automotiva será idêntica. Como o mundo moderno está ficando CHATO! Me lembro de quando tinha 10 anos e cruzei a fronteira pela primeira vez, colado ao vidro da Caravan de meu pai, hipnotizado por uma fauna automotiva completamente desconhecida e exótica...

5) Diesel: um Mégane da geração anterior do remise (instituição argentina: meio táxi, meio motorista particular) em que viajei outro dia nos carregou por 300 km de pampas a mais de 140 km/h sem vibração nem barulho perceptíveis do banco traseiro, gastando 1/4 de tanque.

Não sou fã de Diesel e pretendo rodar minha vida toda propelido por gasolina, mas é uma senhora idiotice ainda sermos privados no Brasil desta opção de motor. Para inveja de alguns brasileiros, eles aqui equipam Palios, Gols, Fox, Sanderos etc.,etc.,etc...

Bom, por hoje é só. Espero não ficar mais por tanto tempo longe!

Até breve!
MAO

PS: As duas fotos que ilustram este post são de um belíssimo monumento que achei por acidente, passeando pelo Puerto Madero em Buenos Aires. Fangio RULEZ!