google.com, pub-3521758178363208, DIRECT, f08c47fec0942fa0 AUTOentusiastas Classic (2008-2014): MAO
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Fotos não creditadas: divulgação



Picapes originalmente foram criadas para serem veículos de trabalho, comerciais leves. Mas uma olhada nas ofertas disponíveis hoje nos mostra claramente que este objetivo inicial, embora ainda válido, já ficou em segundo plano. Já há algum tempo vem tomando a missão de carro de passeio, mesmo que a capacidade para trabalhar ainda exista.

Mas não é para menos. Picapes são veículos versáteis, que se prestam a um sem-fim de utilizações. Também podem ser configuradas de várias maneiras, sendo freqüentemente disponíveis em várias motorizações, cabines, transmissões...num mundo onde os carros tem cada vez menos variações possíveis, personalizar o seu veículo como acontece nas picapes é algo muito interessante.

Os americanos já perceberam isso há muito tempo, e com isso colocaram suas enormes picapes full-size (leia-se enormemente grandes) no topo dos gráficos de venda. Faz muito que tempo o carro mais vendido do mundo é a picape Ford, seguida de perto pelas Chevrolet/GMC. Na verdade, por mais que digam o contrário, o gosto dos americanos por carros enormes com motor V-8 nunca morreu, apenas migrou dos automóveis para as picapes.

Os EUA são realmente uma pátria de picapes, mas em muitos outros lugares elas são populares, na Ásia principalmente, se bem que em tamanho menor. No Brasil, temos picapes pequenas derivadas de automóveis, e que são até hoje bem populares. Os australianos tem suas utes — eles abreviam tudo, ute é abreviação de utility, utilitário), também derivadas de automóveis, mas com tração traseira e maiores.



Ford Pampa

Por causa desta imensa variedade, esta é uma lista difícil de fazer. Picapes já foram um pouco de tudo, de jipe a carro de luxo, de besta de carga até, pasmem, super-esportivo. Tentei colocar um pouquinho de tudo, mas muito ficou de fora. O leitor, é claro, pode mencionar nos comentários as minhas mais fragorosas omissões.
Fotos não creditadas: divulgação


 
No final de abril de 2009, bem no meio de um público e humilhante processo de falência, a General Motors Corporation se viu obrigada a matar uma série de marcas. Foi triste acabar com a Saturn e a Hummer, sem dúvida, como é sempre matar algo em que pessoas se dedicaram e trabalharam para acontecer por muito tempo. Mas, no frigir dos ovos, não fizeram falta alguma. A veneranda Oldsmobile já tinha desaparecido em 2004, basicamente uma marca sem lugar e significado no novo século. Posicionada bem no meio da famosa escadinha de marcas do conglomerado americano (Chevrolet-Pontiac-Oldsmobile-Buick-Cadillac, em crescente ordem de preço e prestígio), perdera-se em um mundo em que a própria escadinha perdera sentido. Hoje, você ainda precisa de uma marca de prestígio, uma Audi para a sua VW, uma Lexus para sua Toyota, para fazer os consumidores gastarem dinheiro de verdade num carro. Mas todo resto pode ser vendido em uma só marca, sem problema algum. O tempo da escadinha acabara.

Mas se a morte da Oldsmobile, e depois a da Saturn e a Hummer, foram pouco lamentadas, o mesmo não aconteceu com outra que morreu naquele fim de abril de 2009, em meio à falência, há quase exatos cinco anos: a Pontiac. Esta foi e ainda é lamentada. E a lista de hoje é minha humilde homenagem a ela.

O irônico é que, tal qual a Oldsmobile em 2004, no final dos anos 1950 praticamente todo mundo achava que a Pontiac ia desaparecer. Com carros bem menos interessantes que a sua então pujante irmã Chevrolet, pouca gente via motivo para comprar um carro da marca do índio. A Chevrolet estava em seu auge e a Pontiac, no ponto mais baixo de sua história.

Foi salva por um personagem hoje quase mitológico na indústria: o então jovem John Zachary DeLorean (abaixo). Vindo da Packard, onde criou a famosa caixa de câmbio automática “Twin-Ultramatic” pouco antes da empresa ser vendida à Studebaker (e fadada a desaparecer logo em seguida), foi contratado pelos caçadores de talento de Semon “Bunkie” Knudsen, então o chefe da Pontiac e louco para alavancar sua carreira revivendo a moribunda marca.

Um jovem John Z. De Lorean e seus Pontiacs

Fotos: autor



O meu andar é erótico
Com movimentos atômicos
Sou um amante robótico
Com direito a replay

Eu sempre me considerei um fã dos carros da marca francesa Citroën. Como já contei aqui, a marca tem uma longa tradição de pensamento independente que sempre admirei. Sim, depois que se tornou parte menor da Peugeot, esse pensamento independente foi podado, ajustado e reduzido a um tamanho mais agradável a seus novos donos. Mas ainda assim existe uma vontade, um desejo de ser diferente que é claramente visível a todos. Algo muito louvável, principalmente hoje em dia, onde a originalidade fica mais rara, pela simples razão de que a evolução do estado da arte automobilístico torna tudo similar.

Me peguei pensando nisso ao dirigir um dos mais interessantes carros da marca hoje em dia: o DS3. Por uma dessas agradáveis coincidências da vida, pouco depois de comprar meu primeiro Citroën (um Berlingo verde), acabei fazendo um passeio com um DS3 novinho, numa estradinha belíssima, truncada, mas de pouquíssimo tráfego.  Para você que acabou de voltar de uma viagem de dez anos a Urano, e portanto não sabe o que é um Citroën DS3, sugiro ler os posts do Bob a respeito, clicando aqui e aqui.

Mas o que significa a sigla DS3? O prefixo DS, herdado do mais revolucionário veículo dessa empresa acostumada a revoluções (o DS19/20/21/23 de 1955 a 1975), é uma recente novidade na marca, uma sub-linha diferenciada e mais cara que a linha “normal” da marca, esta facilmente identificada pelo prefixo “C”. Existe então um Citroën C3, um quatro portas familiar normal, e um Citroën DS3, um duas-portas de acabamento superior, decoração esmerada, e mais potente. Uma idéia original, sem dúvida alguma, mesmo que a pífia utilização do prefixo DS tente uma ligação que não existe com um carro do passado. O DS original era um carro do futuro, visto de 1955, e os DS de hoje são apenas carros do presente, sem nenhuma pretensão de mudar em nada o estado da arte do automóvel atual.

Mas de qualquer forma, como já disse, é uma boa idéia para os de nosso credo. Sim, preferia a criação de um novo nome no lugar do uso profano de um ícone sagrado como o DS, mas, tudo bem. Se é para trazer alguma pimenta ao árido panorama dos carros produzidos em massa, que assim seja.
Fotos não creditadas: MAO/AE

Divulgação

“I have walked through many lives,
some of them my own,
and I am not who I was,
though some principle of being abides,
from which I struggle not to stray.” - Stanley Kunitz


(Eu passei por muitas vidas,
algumas delas minhas,
e eu não sou quem eu era,
embora algum princípio de ser permaneça,
de qual me esforço para não desviar.)


Andy Warhol, e depois o Dr. House do seriado televisivo, diziam que, ao contrário do que diz o famoso ditado, o tempo não muda nada. Nós é que devemos mudar as coisas, e se deixarmos elas como estão, assim elas permanecerão. Apesar de ser uma grande verdade, pessoalmente acredito que o tempo muda tudo sim. Uma mudança não de substância, mas sim de perspectiva.

As coisas não mudam, permanecem iguais, mas somos nós que somos sempre diferentes, a cada dia que passa. Vemos as coisas de modo diferente do que víamos no passado, entendemos coisas que não entendíamos antes. Para nós, como pessoas, o tempo muda tudo.

E particularmente acredito que o tempo muda de forma definitiva a forma que vemos alguns carros. Coisas que eram desinteressantes e banais parecem agora incrivelmente legais, e coisas que eram interessantes, são esquecidas.

A prova disso é que, desde que escrevi sobre o que estava querendo comprar este ano, tudo mudou. Não poderia nem imaginar que ao invés de comprar algum daqueles carros zero-km, ia acabar vendendo o Cruze, sim, mas que ia substituí-lo por um Citroën Berlingo com 13 anos de idade. Na verdade, se em 2001 você me dissesse que um dia eu teria um Berlingo, ia rir até cair de minha cadeira. Ainda mais um Berlingo verde por fora E POR DENTRO.

Mas foi exatamente o que aconteceu. E isso não porque o Berlingo mudou nesses 13 anos, e sim porque, como disse o poeta, eu não sou mais quem eu era. Graças a Deus.

Fotos não creditadas: divulgação
Wikipedia


Esta lista apareceu naturalmente depois daquela da semana passada, a de Os 10 mais lendários motores de todos os tempos. Aquela lista era na verdade uma de motores que valem por eles mesmos, independentemente de onde estejam montados. Um carro equipado com qualquer um deles se torna imediatamente algo de interesse, não importando o quão ruim seja o resto dele. O oposto exato disso é esta lista, uma de carros que, mesmo com motores que não são lá grande coisa, ainda assim são interessantes e desejáveis.

Mesmo não sendo bons, os motores dos carros abaixo ainda assim são parte indelével de sua personalidade; intimamente ligados aos carros que movem, para o bem ou para o mal.

Talvez seja uma lista para provar que não existem verdades absolutas; um motor bom faz qualquer carro melhor, sim, mas não é condição imprescindível para a excelência.

A lista é só de coisa antiga, não de forma proposital, mas sim porque um motor ruim é algo do passado. Por mais que coçasse a cabeça tentando colocar algo moderno, nenhum motor moderno chega aos pés desses 10 aí embaixo... Até a Citroën, marca que tradicionalmente é emblemática deste tipo de carro, hoje usa motores desenvolvidos em conjunto com a BMW, que são simplesmente brilhantes.

E falando em Citroën, tive que limitar os modelos da marca a dois apenas, porque se poderia facilmente fazer uma lista apenas de Citroëns aqui. Antes de 1975, praticamente todo modelo da marca poderia entrar aqui. A exceção seria apenas o SM, que, claro, tinha motor Maserati.

Em ordem cronológica, são eles então:

(pelicanparts.com)

Power” é uma palavra da língua inglesa que para nós tem duplo sentido: poder e potência são traduções possíveis dela. Lembrem de Jeremy Clarkson gritando: More POWER!!!!” em seu programa Top Gear, um uso emblemático deste duplo sentido. Para eles, power é poder e é potência, é tudo a mesma palavra. O por quê dessa pífia aulinha de inglês, já vão entender, prometo.

As máquinas a vapor do inventor escocês James Watt (1736-1819) impulsionaram a revolução industrial inglesa e ajudaram a Grã-Bretanha a se tornar o país mais poderoso do mundo. Grande pesquisador e inventor, tornou o que era apenas uma idéia (a máquina a vapor) em algo prático, útil e vendável. Ele também foi nada menos que o inventor do conceito do cavalo-vapor, que conhecemos tão bem. Mas seu sucesso financeiro só veio quando se tornou sócio do industrial Mattew Boulton (1728-1809), formando uma fábrica de motores que se chamou Boulton & Watt.

Pois bem, diz a lenda que James Boswell, um nobre escocês que ficaria famoso como escritor de biografias (o famoso crítico americano Harold Blomm o considera o maior biografista da língua inglesa até hoje), estava visitando uma das fábricas de Boulton quando entrou em um galpão onde Watt trabalhava em alguma de suas evoluções do motor a vapor. Impressionado com o enorme, fumegante, barulhento e desconhecido artefato, Lord Boswell pergunta a Boulton o que era aquilo. O sócio de Watt olha o escritor bem nos olhos, e depois de uma pausa dramática, diz:

“I sell here, Sir, what the entire world desires to have: POWER!”
(Eu vendo aqui, meu senhor, o que todo o mundo deseja ter: PODER!)

E é este poder que experimentamos toda vez que apertamos o pedal do acelerador. O motor a combustão interna foi uma revolução tão grande como o vapor: pequeno, e extremamente frugal no consumo de combustíveis líquidos, fez quantidades prodigiosas de poder se tornarem extremamente portáteis. Existem motocicletas hoje que conseguem níveis de potência que outrora moveriam navios de carga.
Fotos não creditadas: divulgação

Puma GT (foto O Globo)



Quem acabou com o automóvel foi o navio.” – LJK Setright


Leonard John Kensell Setright (1931-2005), historiador, músico, escritor, advogado, motociclista, piloto de testes e teólogo inglês, foi certamente o mais erudito autor que já escreveu sobre carros. A frase acima foi usada repetidas vezes por ele para defender uma teoria de que, ao invés dos famosos “carros mundiais”, o ideal é que cada povo e país pudesse projetar seus próprios automóveis. A antítese completa do mundo moderno, onde o caminho é claro para a padronização.

É claro que é algo impossível a completa proibição de exportação que a frase deixa implícita ser o ideal; o absurdo aqui é usado para nos fazer pensar apenas. Apesar de absurda, faz todo sentido, se é que me entendem. Nós adoramos a latinidade e a óbvia aura italiana de um Fiat ou um Ferrari dos anos 1960. Também preferimos, sem saber muito por que, um Charger 1969 ou um Buick GNX a qualquer outra coisa que tenha saído dos Estados Unidos de hoje. Até os japoneses são ainda mais japoneses em seus pequenos kei-cars. E certamente tenho saudades dos antigos Mercedes-Benz sóbrios e arrogantes em sua falta de decoração eminentemente teutônica. Mesmo que a Alemanha, de certa forma, tenha ditado com sua lógica e culto à engenharia, e por conseqüência a eficiência, o padrão básico do automóvel moderno, hoje mundial.

O que Setright dizia na verdade é que os carros deveriam ser um reflexo dos países e do povo que o criaram, e assim seriam adaptados totalmente ao seu ambiente. Quase como Darwin provou ser o caso com os seres vivos. O temperamento do povo, a topografia das estradas, e as características das cidades definiriam os automóveis de um país.


Um Alfa Romeo em sua terra natal: um completa o outro. (foto: villasanrafaello.com)



Nélson Rodrigues certa vez disse que “Toda unanimidade é burra”. Embora seja uma frase genial e certamente aplicável a um monte de coisa, não acredito que seja uma verdade absoluta, aplicável a tudo. Porque afinal de contas existem verdades universais que são, bem, universais, aceitas por todos, e não necessariamente burras.

Mas este não é o caso da unanimidade que existe entre entusiastas quando se fala sobre tração dianteira. Parece que a vasta maioria de nós pensa que para realmente ser bom de andar, um carro tem que ter tração nas rodas traseiras, ou pelo menos nas quatro rodas. Os que rezam por esta cartilha até aceitam alguma coisa de tração dianteira, mas acreditam piamente que o nirvana existe somente quando as rodas traseiras impulsionam o veículo.

Não vou aqui elaborar muito neste assunto, porque apesar de ser vasto e tecnicamente interessante de discutir, é também cheio de controvérsias e preconceitos arraigados que sinceramente desejo evitar. Vou apenas dizer que acredito que tudo que é bem feito é bom, seja lá onde a tração e o motor estejam. E que apesar de adorar sobresterço controlado como qualquer um que tenha a cabeça no lugar, prefiro que ele apareça apenas quando provocado de propósito, e que um pouco de substerço no limite, sem exagero, seja a característica normal do carro. Seja lá onde o motor e a tração estejam. Não sou piloto de corrida e quase nunca ando em pista, afinal de contas, e portanto prefiro comportamento benigno e seguro em situações imprevistas. Amassar carro é algo extremamente desagradável, e as vezes dói.


Triumph Spitfire Mk I, 1962 de semieixo oscilante atrás: horror!





"O automóvel particular comum é o mais importante mecanismo de transporte do mundo. Sua habilidade de mover pessoas e coisas é simplesmente inigualável. Mas o automóvel não é importante não somente pelo que é e poderá ainda ser, mas também porque ele traz para todas as pessoas a maior das liberdades, a de ir de qualquer lugar para qualquer lugar, no seu próprio tempo e conveniência. Isto é uma liberdade de movimento apenas sonhada através das eras, mas nunca atingida antes dele.

Como engenheiros de automóveis, mesmo admitindo meio que a contragosto a necessidade atual do transporte público, porque o congestionado desenho medieval das cidades supostamente modernas exige a aglomeração de pessoas em tais meios de transporte para levá-los para essas tocas de coelho no período da manhã e extraí-los à noite, acreditamos que, a não ser que que os padrões de vida do mundo sejam reduzidos de forma violenta, a continuação das condições insalubres e de humilhação pessoal de tais meios de transporte é impensável. As cidades devem ser abertas na textura até que eles possam absorver totalmente o transporte pessoal, sem superlotação. Por falta de um tal processo de abertura, os centros lotados de muitas cidades estão visivelmente decadentes, e tornando-se favelas. A estrutura interna de um país que não é construído em torno do uso de transporte pessoal deve ser considerado como obsoleto e ineficiente.”

O texto acima é a introdução a um dos mais influentes tratados técnicos da história do automóvel, “The Road Manners of the Modern Car”, escrito por Maurice Olley, um engenheiro inglês que iniciou sua carreira trabalhando com Sir Henry Royce, mas alcançou notoriedade como o teórico de suspensão da General Motors dos EUA. Este texto, apesar de nunca vendido ao público, teve uma influência vasta para o mundo do automóvel, distribuído de mão em mão, como já contei aqui.

Trata de explicar suspensão basicamente, e sua leitura foi ponto de partida para gente importantíssima: sabe-se com certeza que Colin Chapman (Lotus), Zora Arkus-Duntov (que foi subordinado de Olley na GM), Giulio Alfieri (Maserati) e Helmuth Bott (Porsche) foram influenciados fortemente por essas 30 páginas datilografadas. Sabe-se lá quantos engenheiros desconhecidos também o foram.

Fotos: divulgação do fabricante

Toda vez que fiz uma lista deste tipo (em 2010, 2012 e 2013), foi por que estava realmente comprando um carro. Desta vez, não sei se vou. Vontade com certeza tenho, mas não a certeza de que é a hora certa de fazê-lo, como foi nas outras listas. Certamente estou investigando o assunto com carinho, como vocês verão mais adiante. Mas penso que, vendo o sucesso inesperado que as outras listas tiveram, talvez seja a hora de torná-la um evento anual, e janeiro me parece um mês ótimo para isso.
Ou talvez seja realmente dinheiro, como dizem os americanos, queimando um furo no meu bolso. E uma vontade danada de mudar algo, de experimentar algo novo. O Cruze vermelho já está com quase dois anos e 26 mil km, e sinceramente ando com vontade de trocá-lo. Não que esteja insatisfeito, pelo contrário, mas sim pelo simples fato de que posso fazê-lo. Muitas vezes nós, obcecados que somos por essa máquina maravilhosa, pensamos demais sobre compra, inventamos teorias e motivos, e agonizamos na escolha. Mas na verdade, o bom mesmo não é listar motivos para trocar de carro, e sim, se perguntar: por que não?
Carros são coisas extremamente caras para gente como eu, parte da classe média assalariada brasileira. São, depois da casa, a coisa mais cara que temos. Não deveria gastar tanto dinheiro só porque posso. Mas só se vive uma vez aqui neste plano então... Quando compro em carro penso em dinheiro, lógico, faço as contas, vejo seguro etc, mas é preocupação secundária. O principal é quanto eu quero o novo carro, e se posso pagá-lo. Nada mais.

foto: Paulo Keller/AE

Tudo começou com um e-mail do Bill Egan. O amigo e ex-colaborador deste blog estava maravilhado com o novo carro na sua garagem eclética: um vermelhíssimo Alfa Romeo Duetto 1300 Junior. Queria que a gente o experimentasse, queria conversar sobre ele, queria mais. Pensou até em voltar a escrever para o blog, algo que o incentivei a fazer veementemente. Um talento desperdiçado é um dos maiores pecados que se pode cometer usando roupas, afinal de contas.

Marcamos um dia então, um domingo de manhã em um posto de gasolina no caminho para minha casa, já fora de São Paulo para facilitar para mim, e tirar o trânsito do encontro. Andando por ali acabamos por encontrar, quase por acidente, uma estradinha maravilhosa: longa, mão dupla, vazia, cheia de curvas legais, e belíssima naquele dia de sol. Encontrar algo tão bom de andar tão perto de São Paulo já valeu o dia.

Um monte de amigos resolveu vir junto, o que tornou o encontro ainda mais legal. O Paulo Keller, renovando sua vontade de trabalhar no blog que ele mesmo fundou, apareceu com seu maquinário retratista para registrar tudo. Mas o que Egan não esperava era a horda de viaturas bávaras que apareceu para mudar totalmente o foco do negócio: eu obviamente fui com minha perua 328i de câmbio manual, porque ela é meu carro de uso diário, meu meio de transporte primário. O Rafael Tedesco também veio com o seu E36 de uso diário, um bem surradinho cupê 325i, também com o raro e desejável câmbio manual. Mas a estrela do passeio prometia ser outra: O M3 de primeira geração (E30) de nosso amigo e ex-colaborador VR.


Foto: Paulo Keller/AE


Fotos: MAO/AE


A sabedoria popular nos ensina: “Nunca conheça seus heróis.” Uma sábia frase com certeza. Afinal de contas, somos todos humanos, e bem de pertinho, bem esquisitos. De longe, a uma distância segura, uma pessoa pode parecer extremamente inteligente e articulada, pode parecer um gênio, seus ensinamentos e escritos podem ter mudado sua vida e sua forma de pensar de forma definitiva. Mas tenha certeza que de pertinho ele é esquisito. Até Steve Jobs, este ícone moderníssimo da modernidade moderna, aparentemente não era muito amigo de um banho, e fedia para caramba.

O Bob certa vez me contou em um dos nossos saudosos encontros no Bar do Juarez, em Moema, que andar com um Mercedes-Benz 300SL roadster 1957, décadas depois de curtir uma paixão platônica danada por este supercarro nos anos 1950, foi uma decepção completa. Não que fosse ruim, mas talvez a expectativa fosse muito alta para algo que tinha ficado velho já. De qualquer maneira, o fato é que, conhecer o seu ídolo foi, para o Bob, decepcionante.

Dois BMs se encontram, o M5 e a perua 328i

Foi com isso em mente que recebi com certa angústia um telefonema de um amigo sábado passado. Este amigo, que prefere se manter anônimo, comprou recentemente um BMW M5 de 1990 (E34, para irritar os aversos a códigos), e ao ler meu post recente sobre o carro (veja aqui), resolveu adiantar a visita para o domingo. “Amanhã cedo estou aí para a gente andar no bicho! Você PRECISA andar nele.”

Bob Wallace e mais um dia duro de trabalho (foto Jalopnik)

"Jornalista, revista Rolling Stone, 1976 a 1979 
Produtor, Atlantic Records, 1964 a 1971
Qualquer tipo de músico, exceto clássico ou rap 
Diretor de cinema, qualquer tipo exceto alemão ou mudo 
Arquiteto (trocar por dono de loja de discos)"

A certa altura do filme “Alta fidelidade”, o protagonista Rob Gordon (personagem do sempre ótimo ator John Cusack) chega em casa e encontra a ex-namorada lendo esta lista em voz alta, lista esta que ele mesmo tinha escrito em uma folha de papel e deixado em cima da mesa: os cinco melhores empregos de sonho.

Se você nunca viu este filme merece parar um pouco para fazê-lo; é uma grande história de encontro da liberdade por meio de um amadurecimento repentino, ainda que tardio. Uma fábula pop deliciosa sobre pessoas que, movidas por um interesse especial mútuo (no caso, a música, visto que Rob é dono de uma loja de discos raros) se encontram e firmam amizades duradouras mesmo aparentemente sem ter nada mais em comum. O apelo para os entusiastas de qualquer coisa, carros inclusive, me parece óbvio.

Mas enfim, contei isso porque sempre que o assisto novamente, penso nesta lista em particular entre as outras tantas que são feitas filme afora. A minha versão dela nunca tentei colocar em uma ordem definida, nem nunca completei os cinco. Mas existem três empregos que para mim estão claramente muito acima de todos os outros. Não nenhum deles pagava particularmente bem, mas isto, veremos, não importa. Em ordem cronológica:

Piloto de testes e competição, Maserati, ca. 1930-1969 
Piloto de testes, Lamborghini, 1963- 1975 
Editor, revista Car inglesa, 1975-1988

O fato de que no mundo real as pessoas que tiveram estes empregos tenham se conhecido, cada uma delas tendo alguma influência sobre a outra, não é mera coincidência. Nem o fato de que estas histórias convergem também para um lugar só, a cidade de Modena, na Itália. Nem, muito menos, a época em que existiram.

Fotos: NetCarShow.com, BMW

A M5 E34 e seus antecessores

"Nós sempre nos tratávamos como bons companheiros. Era como a gente dizia sobre um cara: você vai gostar dele. Ele é legal. É um bom companheiro. Ele é um de nós. Sacou? Éramos bons amigos. Mafiosos.
Mas o Jimmy nunca poderia entrar realmente para a máfia, porque tinha sangue irlandês. E no meu caso, nada importava que minha mãe era siciliana. Para se tornar realmente um membro da máfia, você tem que ser 100 por cento italiano. Entrar para a máfia, porém, é a maior honra que a gente podia ter. Isso significa que você faz parte de uma família, um grupo. Significa que ninguém pode mexer com você, e que você pode mexer com qualquer um, desde que ele também não fosse um membro, lógico. É como uma licença para roubar. Uma licença para fazer qualquer coisa. E até onde o Jimmy se importava, se o Tommy entrasse, todos nós estávamos entrando. Nós agora teríamos um de nós como um membro.”

Esta semana não podia deixar de lembrar desse trecho acima, dito pelo protagonista do filme de Scorcese “Os Bons Companheiros”, de 1990. Henry Hill, o personagem interpretado por Ray Liotta, nos explica o por que era tão importante que seu melhor amigo, o violento Tommy DeVitto (Joe Pesci) ter oficialmente entrado na Mafia nova-iorquina como membro. Para ele e o mentor de ambos (Jimmy Conway, interpretado por Robert de Niro), era impossível por uma série de motivos, mas somente o fato do companheiro receber a honra os deixava felizes e realizados. Era como de, de alguma forma, sendo a amigo tão próximo promovido, eles também o fossem.



E esta semana algo parecido aconteceu comigo. Primeiro um bom amigo foi finalmente promovido em uma empresa em que trabalhei; é o primeiro entre os quatro que entraram juntos quase vinte anos atrás a receber uma promoção. Já me senti bem pacas por ele, mas isto foi apenas um prelúdio do que estava por vir. Afinal de contas uma banal promoção não me empurraria de volta ao teclado para lhes escrever algo, queridos leitores, não com a incrivelmente complicada vida que arrumei para mim. Não, o que me fez sentir exatamente igual a este cara aí do início foi algo muito mais legal...

Sabe como é, vai ter gente que vai ler este post e falar: só por isso? Vai achar muito barulho por nada, tenho certeza. Mas fazer o que, eu me senti assim, e só porque um amigo comprou um carro.

Não qualquer carro, lógico. É na verdade um daqueles que se convencionou chamar de supercarro, aqueles que conseguem transcender a mera qualidade de transporte para, desde novo, se transformar em algo especial. Um daqueles carros cujo desempenho e comportamento são tão memoráveis que fazem os profissionais abandonarem a fria análise e adotarem um lirismo e paixão normalmente reservados a formas mais tradicionais de literatura. Um BMW M5 1990.

Fotos: Bill Egan, Rafael Tedesco, PK e MAO (AE)



Eu estava realmente me divertindo. Em qualquer marcha que estivesse, era só pisar para ouvir aquele sofisticado, discreto, mas rasgante berro do pequeno seis em linha, acompanhado de um empurrão gostoso nas costas. Com aquele câmbio de relações longas, a aceleração é comprida, esticada, um longo passeio até a faixa vermelha que é demais de bom, e extremamente viciante. E quase completamente livre de vibrações indesejadas, apenas o suficiente para se sentir aquela gostosa impressão de algo vivo, pulsante e real que só um motor de combustão interna nos dá. O oposto completo do tão falado motor elétrico, que de tão perfeito chega a ser inerte, insosso e virtual como um videogame.

O tráfego não deixava atingirmos as altas velocidades de cruzeiro nas quais a peruinha está feliz e em casa; mas mesmo assim, era uma delícia o modo com que, em qualquer marcha que estivesse, a resposta  satisfazia. O carro na estrada é simplesmente sensacional; a direção, pesada a baixas velocidades, fica perfeita, a estabilidade direcional é incrível, a aerodinâmica bem cuidada mantendo baixo ruído interno. O incrivelmente preciso e multifuncional computador de bordo, apelidado por meu amigo RT de HAL9000 (o computador inteligente que dizia "bom dia, Dave" mas secretamente plotava seu assassinato no famoso filme de Stanley Kubrick "2001, uma odisséia no espaço"), marcava bem razoáveis 10 l/100km, e agradáveis 24 graus Celsius de temperatura lá fora. A minha peruinha BMW 328i pode já ter passado dos 15 anos de idade (aos 17, está bem perto dos 20 na realidade), mas ainda tem uma saúde de ferro, e me deixa feliz como nenhum outro veículo que tive.  



Foto:supercars.net

Rebel rebel, you’ve torn your dress
Rebel rebel, your face is a mess
Rebel rebel, how could they know? 

Hot tramp, I love you so!
(David Bowie)

(Rebelde, rebelde, você rasgou seu vestido
Rebelde, rebelde, seu rosto é uma bagunça
Rebelde, rebelde, como eles poderiam saber?
Vagabunda gostosa, eu te amo tanto!)

Era um dia ensolarado no verão de 1964. As montanhas da Riviera francesa brilhavam pacificamente, banhadas por um sol magnífico. Mas o silêncio tranqüilo daquelas montanhas então pouco povoadas era quebrado naquela manhã pelo inconfundível som de um motor de competição. Já de longe podia se reconhecer o som como um Ferrari de 12 cilindros, aquela inconfundível seda rasgando, aquele magnífico "rumore dei dodici cilindri" de que os modeneses falam com tanto orgulho. E não qualquer Ferrari de doze cilindros, um Colombo, o pequeno três litros que praticamente sozinho, com sua força, suavidade e seu inconfundível e divino som, fez a fama da Ferrari. E não qualquer V-12 Colombo, mas uma versão de competição, o volume e o tom visceral do berro não deixando qualquer dúvida a respeito disso.

Mas o carro que trazia consigo esse divino caos e desordem era diferente dos belíssimos e reluzentes Ferrari de passeio com os quais aquelas estradas estavam acostumadas. O carro que devorava aquelas estradinhas deliciosas, banhado pelo sol do sul da França, era tudo menos reluzente. O som e a cor vermelha denunciavam que só podia ter vindo de Maranello, mas o vermelho era quase fosco, sua carroceria cheia de cicatrizes e marcas de batalha. Por fora, nada, nenhum logotipo ou letreiro dizia a marca do carro, e apenas uma bandeira estampada seus pára-lamas dianteiros, com os dizeres "Scuderia Serenissima - Repubblica di Venezia" dava alguma pista de sua origem. E aquela carroceria definitivamente não se parecia com qualquer coisa que tinha saído de Maranello até então, e se pensarmos bem, mesmo desde então.


Foto:supercars.net

Fotos: Lotus/Caterham, exceto mencionado



Simplesmente não há nada comparável a ele.

Feio, antiquado, não aerodinâmico, parece um inseto, um minúsculo alienígena de pernas finas e olhos grandes e esbugalhados, que anda por aí arrastando a barriga no chão feito uma lagartixa. Mas ao mesmo tempo, para o entusiasta, um sem-fim de detalhes visuais chama a atenção e acionam as sinapses do desejo de nossas pobres mentes deturpadas por anos inalando cheiro da gasolina de alta octanagem: pequeno, baixo, obviamente leve, expõe suas belíssimas partes íntimas de suspensão sem pudor algum. As rodas e pneus parecem mais altos que a carroceria. Na lateral do capô, os filtros de ar da dupla de Webers frequentemente ficam para fora, sobrando, saltando para fora, feito o decote de Sophia Loren, coitado, sempre tentando inutilmente conter toda aquela voluptuosidade. Seu volante pequeno e sua posição de dirigir rente ao solo prometem, mesmo com o carro imóvel, prazer supremo.

É realmente algo de outro mundo, um alienígena entre mastodontes modernos. Que outro automóvel despreza tão completamente a necessidade de uma carroceria e de um desenho bonitinho? Que abandona moda se mantendo idêntico por 60 anos, e usando apenas a quantidade mínima de roupa para cobrir suas partes mais pudentas? Que outro carro, destituído de toda e qualquer gordura no corpo, tão comum desde tempos imemoriais na forma de cromados, frisos, guelras, barbatanas e outros adornos inúteis, se assemelha tanto a um atleta? Que outro carro destila tão perfeitamente o prazer ao dirigir a sua forma mais básica, essencial e perfeita?

Nenhum outro. O Seven é a expressão máxima do espírito entusiasta, um carro que carrega a simplicidade e a inteligência acima da glória, da fama, e do status. Um carro onde todo excesso, todo o supérfluo, é deixado de fora de propósito, por um motivo, e não para ganhar um troco. Que não se importa em ser desconhecido e desprovido de glamour. Um carro que põe o prazer e a velocidade acima até daquela que é a função básica de todo automóvel, o transporte de pessoas, subvertendo assim a sua própria lógica básica.



Fotos: Alpina



“Com a aprovação oficial da BMW, adaptamos a nossa gama de automóveis para as demandas dos conhecedores de carros esportivos – pilotos altamente experientes, que combinam o desejo de potência e desempenho com um gosto pelo luxo e qualidade de vida. Muitas vezes, ao se graduar como dono de ALPINA, depois de uma sucessão de outros carros emocionantes e famosos, esta minoria privilegiada – menos de 2.000 Alpinas são produzidas anualmente – descobre que requinte, conforto, linhas deslumbrantes e velocidade podem sim ser combinados com toda a praticidade no uso diário. Na maioria das vezes, estamos felizes em dizer, é um caminho sem volta, e estas pessoas se tornam nossos amigos para uma vida inteira. ” - (Literatura de divulgação da marca)

Não há como negar que uma tradição seguida com afinco, ainda mais nos dias de hoje, é algo extremamente reconfortante. Esta pequena empresa perdida em uma vilazinha bávara chamada Buchloe permanece fiel a seus princípios por quase 50 anos, feliz em manter seu tamanho e seu volume de negócio inalterado, para não comprometer uma tradição. Parece algo simples dito assim, mas hoje em dia, onde qualquer empresa que não cresça anualmente é tabu, é uma raridade. Que diferença faz um dono mais preocupado com o que construiu, e na sua continuidade, do que em aumentar sua fortuna. E Burkard Bovensiepen, o fundador da Alpina, é este tipo de pessoa.

Herr Bovensiepen parece ser uma pessoa no mínimo interessante. No porão da instalação industrial que produz seus carros está uma das mais famosas adegas de vinho da Europa; um hobby que se tornou um negócio altamente lucrativo. A Alpina Wein é o maior distribuidor de vinhos de qualidade para os restaurantes alemães, e para os amigos de Baco daquele país, claro.

Apesar de bávaro, Bovensiepen não fala o dialeto da região (que os alemães do norte descrevem como sendo “uma doença de garganta, não uma língua”), e sim apenas o rigoroso Hochdeutsch. Além de manter o controle, e um profundo conhecimento de todos os aspectos da sua empresa, ainda tem tempo de perseguir seus outros interesses em um nível quase profissional: a fotografia e a cozinha gourmet. Obviamente uma pessoa que sabe apreciar as coisas boas da vida, e de um viés mais artístico que industrial.

E assim é, como seu fundador, já há quase 50 anos, esta maravilhosa casa bávara, este verdadeiro ateliê de alta costura para gente que entende e gosta tudo que faz os BMW tão especiais, mas tem os meios financeiros para poder levar esta experiência até seu ápice. Uma empresa que consegue melhorar todas as qualidades dos BMW, aparentemente sem compromissos visíveis.

O logotipo da Alpina parece adequadamente heráldico, mas de perto pode-se ver um virabrequim e um carburador
Mais que uma empresa de preparação, a Alpina é reconhecida pelo governo alemão (desde 1983) como um produtor de automóveis, e os carros têm número de chassis (VIN) próprio, diferente dos BMW. Desenvolvidos profissionalmente, as alterações dos carros funcionam como um todo coeso. Um exemplo é a cooperação com a Michelin, que desde o fim dos anos 1980 desenvolve pneus exclusivos para as especificações da marca, garantindo exclusividade desses pneus por dois anos depois do lançamento dos carros.

Hoje, a cooperação que sempre existiu entre a Alpina e a BMW é muito mais estreita, com os engenheiros da Alpina tendo acesso aos novos desenvolvimentos da BMW muito antes deles aparecerem nas ruas, e muitos componentes Alpina sendo montados nos veículos doadores na linha de montagem da BMW. Mas no âmago, apesar das várias fases que a BMW e por consequência a Alpina passaram nesse tempo todo, os objetivos e a personalidade de seus carros permanece, visível desde o primeiro BMW 1500 com kit Alpina, até um moderno B3 Biturbo de 400 cv. E como isso aconteceu é essa história que vamos contar hoje.
Fotos: Rafael Tedesco (AE)



Lá pelo meio dos anos 1980, quando era um adolescente imberbe, o mundo era bem mais simples do que é hoje. As escolhas de automóveis eram poucas e fáceis de entender, a ponto de sabermos de cor as sutis diferenças entre ano-modelo de todo carro à venda, e a potência e configuração básica de tudo. Para um jovem de hoje, acostumado a escolhas praticamente infinitas, pode parecer chato, mas garanto que nos divertíamos muito mesmo assim, e nunca faltava assunto também.

Neste tempo de Brasil isolado e ainda sob ditadura militar, as discussões sobre carro dos adolescentes como eu sempre acabavam desaguando em um momento definitivo, onde as posições se acirravam e polarizavam como é hoje numa conversa entre corinthianos, palmeirenses e são-paulinos. Isso acontecia no momento em que tentávamos decidir qual era o mais legal: Dodges, Mavericks ou Opalas.

Aqui no Brasil, nessa época, eram os mais potentes e velozes carros disponíveis, os reis das ruas e estradas. Tirando um raríssimo encontro com um Mercedes qualquer trazido por uma “otoridade” (como este aqui), se você tinha um carro desses você tinha certeza que podia encarar qualquer um que lhe desafiasse, sem medo. Colabora para isso o fato que as multas por alta velocidade eram tão raras que chegavam a ser irrelevantes. E as ruas e estradas eram bem mais vazias.
fotos: GM



Hey, there you are! She's down there. Plain Jane boring, just like you asked for, but I dropped in three hundred horses on the inside. She is gonna fly!
There she is. Chevy Impala, most popular car in the state of California. No one will be looking at you.
(Aí está você! Vamos lá, ela está aqui embaixo. Discreta, chata, sem graça, como você pediu, mas eu coloquei trezentos cavalos debaixo do capô. Esse negócio vai voar!
Olha ela aí: Chevy Impala, o carro mais popular no estado da Califórnia. Ninguém vai olhar duas vezes para você.)

No filme “Drive!, recentemente lançado em vídeo, o ator Ryan Goslin interpreta um misterioso e jovem piloto que ganha a vida um pouco como motorista de assaltos, e um pouco como stunt doublé para a indústria de Hollywood, mas se declara a todos um mecânico apenas, que trabalha na oficina de seu chefe e mentor, o personagem Shannon, interpretado pelo experiente ator Bryan Cranston. É de Shannon a fala acima, dita enquanto ele entrega o carro para o mais novo trabalho do protagonista (um assalto), bem ao início do filme.

Ryan Gosling dentro do Impala, esperando os comparsas, no início do filme "Drive!"

O filme é interessantíssimo. Começa todo tranqüilo e contido, mas do meio para frente explode em uma violência tremenda que nos deixa decididamente incomodados. Além disso, é filmado com um virtuosismo que está ficando cada vez mais raro. As imagens dizem quase tudo, e o silêncio diz mais que mil palavras; uma verdadeira lição de cinema para quem ama a Sétima Arte. Fora que a história é original e nos prende de ponta a ponta. Altamente recomendado.

Mas apesar do tema aparentemente automobilístico, os carros aqui são meros coadjuvantes; quase irrelevantes para a história, fazendo com que mesmo um maníaco como eu os esqueça e preste atenção nos personagens de carne e osso do filme.