O carro tem 4 freios a tambor. Tem um motor de Fusca pendurado lá atrás do eixo traseiro. Seu desempenho não é grande coisa para os padrões modernos. É simples como um mineiro mascando mato, tecnologicamente um dinossauro sem sofisticação nenhuma.
Não é particularmente econômico em combustível também. É minúsculo, e meus 1,92 metro de altura só conseguem ser acomodados lá dentro adotando-se uma posição de dirigir extremamente deitada e com pouquíssimo espaço para se mover. Claustrofóbicos devem se manter a distância. A ergonomia é passável, mas para se ligar o carro, tem que se meter a chave pelo meio do volante, e por causa disso girá-la para ligar o motor é um movimento totalmente anti-natural: braço enfiado pelo volante, que por sua vez encontra-se na altura dos seus joelhos. É quase uma posição nova de Yoga!
Passa longe do que seria aceitável também em qualidade de construção. Peças pequenas emprestadas de Fusca, vidros difíceis de levantar, qualidade de materiais apenas um pouco melhor daquela presente no bugue que seu vizinho produzia no fundo do quintal.
Sabendo-se de tudo isso, alguém poderia por favor me explicar o porquê da inexplicável, mas completamente arrebatadora paixão que sinto pelo carrinho?
Hoje passei o dia todo pensando nisso, incapaz de tirar os olhos da foto abaixo, tirada terça passada no sambódromo.

O carro pertence a um grande amigo, que por algumas vezes deixou o carro comigo, e que portanto é um velho conhecido. Trata-se de um raríssimo Puma GT 1969, dos quais foram fabricados pouquíssimos, exatamente 272 deles.
O carrinho é a prova viva e mais exuberante da máxima de que um carro nunca é somente a soma de seus componentes. Ele pode ser melhor ou pior, mais belo ou menos atraente, mas nunca igual ao carro que lhe doou a mecânica. É sempre diferente porque quase sempre foi criado por outras pessoas, em outro tempo, e as vezes, como no caso da Puma, em outra empresa. Por consequência, a marca indelével do humano, um pequeno pedaço da alma de seus criadores se imprime na máquina de maneira clara e absoluta, tornando-a algo diferente e único. Inevitavelmente, para o bem ou para o mal.
É por isso que abomino a corrente fixação da imprensa em "plataforma", que quer simplificar a difícil tarefa de avaliar corretamente um automóvel, tornando-o uma mera derivação de algo já conhecido. Tal coisa pode ser um demérito para o antigo carro, bem como uma injustiça para o novo.
Este Puma, por exemplo, poderia ser desprezado como um reles Fusca travestido de Lamborghini Miura. Ou um Fusca piorado, se se considerar tudo o que eu disse nos primeiros parágrafos deste post. Mas nada podia estar mais longe da verdade...
E eu não consigo explicar totalmente o porquê. Talvez por, apesar de seu desenho ser inspirado pelo Lambo Miura, ter proporções e linhas perfeitas, tornando-se assim uma daquelas formas atemporais, belas mesmo se tivessem sido criadas ontem, e não 40 anos atrás.
Mas uma coisa é clara: por ser pequeno e leve, e ter um CG baixo, ele não se parece nada com um Fusca ao rodar. Senta-se baixíssimo, com a busanfa a milímetros do asfalto, e a sua comunicação com o veículo é total. A direção é direta, ajudando a ler o asfalto perfeitamente. Você praticamente veste o Puma, e embalado pelo valente ronco do motorzinho lá atrás tem a sensação exata de estar andando em Interlagos nos anos 60.
O bicho rosna e berra com vontade. Sentado baixinho e bem no meio do carro, cada movimento dele é como se fosse seu, cada reação sua é diretamente transformada em ação, e você e sua montaria são como um só. Em pouco tempo, buracos doem em você como nele, e acelerar até o limite de giros parece um orgasmo, se não fosse a aterradora sensação de que você está muito rápido, muito baixo, com muito pouco carro entre você e o resto do mundo lá fora. Você tem certeza que vai morrer, mas adora cada minuto da experiência.
É indubitavelmente, um carro esporte. Algo que lhe chama a andar rápido, a acelerar sempre, a andar para diversão, e não somente com a finalidade de transporte. Você se surpreende indo mais vezes à padaria, ao mercado, se oferece para buscar um dos filhos na escola (mais de um não cabe). É um carro para qual se inventam motivos para sair de casa, e isso não tem preço.
Mesmo tendo que adotar a famosa posição de Hata-Yoga "Puma invertido para frente, reverso", ou, como se diz na versão original em sânscrito, "Hatagamanesh Pumaviradolajh", toda vez que entra-se nele...
MAO