google.com, pub-3521758178363208, DIRECT, f08c47fec0942fa0 AUTOentusiastas Classic (2008-2014): LJK Setright
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Fotos não creditadas: divulgação

Puma GT (foto O Globo)



Quem acabou com o automóvel foi o navio.” – LJK Setright


Leonard John Kensell Setright (1931-2005), historiador, músico, escritor, advogado, motociclista, piloto de testes e teólogo inglês, foi certamente o mais erudito autor que já escreveu sobre carros. A frase acima foi usada repetidas vezes por ele para defender uma teoria de que, ao invés dos famosos “carros mundiais”, o ideal é que cada povo e país pudesse projetar seus próprios automóveis. A antítese completa do mundo moderno, onde o caminho é claro para a padronização.

É claro que é algo impossível a completa proibição de exportação que a frase deixa implícita ser o ideal; o absurdo aqui é usado para nos fazer pensar apenas. Apesar de absurda, faz todo sentido, se é que me entendem. Nós adoramos a latinidade e a óbvia aura italiana de um Fiat ou um Ferrari dos anos 1960. Também preferimos, sem saber muito por que, um Charger 1969 ou um Buick GNX a qualquer outra coisa que tenha saído dos Estados Unidos de hoje. Até os japoneses são ainda mais japoneses em seus pequenos kei-cars. E certamente tenho saudades dos antigos Mercedes-Benz sóbrios e arrogantes em sua falta de decoração eminentemente teutônica. Mesmo que a Alemanha, de certa forma, tenha ditado com sua lógica e culto à engenharia, e por conseqüência a eficiência, o padrão básico do automóvel moderno, hoje mundial.

O que Setright dizia na verdade é que os carros deveriam ser um reflexo dos países e do povo que o criaram, e assim seriam adaptados totalmente ao seu ambiente. Quase como Darwin provou ser o caso com os seres vivos. O temperamento do povo, a topografia das estradas, e as características das cidades definiriam os automóveis de um país.


Um Alfa Romeo em sua terra natal: um completa o outro. (foto: villasanrafaello.com)


Ao contrário de meu amigo VR, que já dirigiu o Mercedes 2.3-16 e é dono de um gloriosamente belo M3 de primeira geração, eu nunca dirigi nenhum dos dois. Mas nem preciso para formar opinião; li o suficiente a respeito deles durante os anos para saber exatamente como são. O meu post sobre o Mercedes na verdade saiu de mais uma incursão aos sebos paulistanos na semana passada, onde comprei um bocado de revistas americanas e inglesas que, por pura coincidência, falavam dos dois carros das mais diversas formas.

Vamos rever o que disse o VR:

“...também brilhante 190 2.3. É um carro de fato também muito bacana. Dogleg, interior que transpira esportividade. Excelente. Mas eu já guiei o 2.3 e posso afirmar que perto do M3 o Mercedes é lento. Não em velocidade, em sensação. Os engates são mais lentos, o motor pede menos para girar, a suspensão é muito mais macia. Não parece te chamar pra brincar como o M3. É um outro bicho.”

Essa é exatamente a impressão geral de todo escriba gringo que já comparou os dois. O Mercedes é menos excitante, o M3 uma festa, e aparentemente bem mais veloz.

Mas olhando-se os números de desempenho, e os tempos em pista dos dois, aprende-se muito. Apesar do M3 ser realmente mais rápido, o é por uma margem ridiculamente baixa para um carro de passeio, quase irrelevante em minha opinião. O Mercedes, como bem disse Vic, parece mais lento que o BMW.

Mas é óbvio, caro leitor. Uma das coisas que me fazem gostar mais deste carro do que os novos e poderosíssimos AMG’s modernos é o fato de que o 190E podia ser esportivo, mas ainda era um Mercedes-Benz. De verdade, daqueles orgulhosos de sua tradição e de sua origem, e que a vestiam sem vergonha alguma. Ele parecia mais lento que o M3, mas na realidade, no mundo fora da pista, não era. Era menos excitante, mas menos cansativo também. O Mercedes 190, como todo Mercedes de verdade, não podia ser excitante no idioma BMW, aquela linguagem crua, sem vergonha, nervosa e orgulhosamente esportiva. Não, Mercedes dão a satisfação com uma linguagem mais madura e polida, que se revela somente quando se faz uma longa viagem a velocidades altíssimas, e com conforto suficiente para poder chegar ao destino e voltar se necessário. Carros de luxo velozes e seguros, Mercedes nas estradas, BMW’s nas pistas. Carros e caminhões, carros e motocas.

É lógico que o 190E parecia menos nervoso, era Mercedes. Volante grande, a tradicionalíssima direção de esferas recirculantes, relação de ride & handling mercediana tradicional.

Mas a imprensa internacional andava aquela época numa cruzada para que todos as carros se tornassem BMW’s, e colocava esse tipo de comportamento tradicional da Mercedes como coisa de velho, de ultrapassado e fora de moda. Não posso negar que para um entusiasta uma BMW era sempre a opção mais lógica, mas daí a colocar esta pecha nos carros de Stuttgart é demais. O único escriba a defender os Mercedes não podia ter sido outro: LJK Setright. Formando sua própria opinião, e não se importando com o que a voz uníssona da turba dizia, Setright defendia leveza nos comandos, conforto e transmissões automáticas, e apesar de parecer realmente fisicamente um velhinho ultrapassado, costumava ser o mais veloz repórter presente a qualquer lançamento, a ponto de ser sempre despachado sozinho nos carros por falta de alguém com coragem suficiente para acompanhá-lo.

Mas a turba conseguiu seu intento. A Mercedes-Benz hoje se dedica a frivolidades e marketices. O design de seus carros, antes sagrado em sua seriedade e sobriedade clássica, mas belíssima, hoje é um festival de infantilidades. Bruno Sacco, que por anos foi o guardião dessa tradição, e que costumava dizer que um Mercedes se desenhava sozinho, precisando apenas ser ajudado por seus designers, hoje deve desacreditar no que se vê. Me parece lamentável que a tradição, a aerodinâmica e a funcionalidade que antes ditavam a forma de um Mercedes-Benz tenham hoje sido jogadas no lixo para que a moda apenas dite a forma dos carros. Para mim, coisas como um CLS são uma afronta a tudo que representava a empresa de Stuttgart.

Hoje há uma horda de Mercedes-AMG que cospe fogo e enxofre, que é mais cheia de guelras e nadadeiras que um cardume de tubarões. Mais un-Mercedes, impossível.

E as coisas não andam melhores em Munique. A BMW também nunca foi uma empresa que desenhava carros com a moda em mente. Não, carros alemães, como o povo que os criava, tinham que ter sempre a função acima da forma. Mas aí veio aquele tal de Bangle...

E é por isso que a melhor coisa que aconteceu à Jaguar foi o XF: depois de anos presa ao desenho “tradicional” do XJ de 1968, a empresa notou que ela não é a Mercedes, que um Jaguar sempre representou um corpo belíssimo em primeiro lugar. Se existe uma empresa de carros de luxo e esporte que deve fazer coisas sempre mais belas, é ela. Dos SS de antes da guerra, passando pelo XK 120, E-type e XJ, a marca formou uma tradição de desenho belíssimo primeiro, carro e função em seguida. O oposto exato da Mercedes-Benz. O XF é então, independentemente de seus donos hindus, um Jaguar de verdade, de uma empresa que volta a entender o porque de sua existência.

O que nos leva a cena III, Ato I do clássico “Hamlet, o Príncipe da Dinamarca”, onde Polônio dá uma série de conselhos para seu filho, Laerte, que parte para tentar a vida longe do pai. É um texto maravilhoso, com conselhos tão úteis hoje quanto séculos atrás, quando foram colocados no papel por William Shakespeare.

Mas o conselho final é o que é relevante aqui, o que queria que os capitães da indústria entendessem como o mantra empresarial de um consultor inglês do século XVII:

“This above all: to thine ownself be true,
And it must follow, as the night the day,
Thou canst not then be false to any man.”

(Mas, sobretudo, sê a ti próprio fiel;
E segue-se disso, como o dia a noite,
que a ninguém poderás jamais ser falso.)

MAO
Parodiando O Radiador, o tradicional jornalzinho do Veteran Car Club do Brasil do Rio de Janeiro:
Nosso intrépido Marco Antônio Oliveira, alterado emocionalmente por acusações anônimas de que é um retrógrado ultrapassado, resolve vestir suas luvas de couro de canguru selvagem da Austrália (que LJK recomendava como sendo as melhores) e partir à procura do acusador com seu multicarburado Opala (1 carburador no motor, 2 guardadinhos em suas caixas no porta-malas) e, em suas palavras, "fazer o maldito comer minha poeira retrógrada".

Em segundos a poeira levantava debaixo de seus diagonais Firestone Wide Ovals e nosso Marco sumia no horizonte! Pobre anônimo....

Um de vocês certamente pensará "por que esse título?". Pensei um bocado sobre isso, depois de uma discussão onde eu defendia que um carro deve sempre ser visto pela ótica de seus criadores e ter lembrado de que, segundo Setright em sua grande obra, os navios mataram o automóvel.

O racional por trás de tão controversa frase é algo muito bem conhecido por antigomobilistas do mundo todo: carros eram criados cada qual ao seu jeito, pesadamente influenciados pela cultura de sua região de origem, coisa cada vez menos comum nesses dias de "engenharia globalizada" e de "carros mundiais" etc.

Não, não será esse texto um choro de saudades "dos velhos e bons tempos", mas apenas uma constatação dos motivos que nos levaram ao estado atual, triste até, da indústria automobilística.
Carros são desenhados por engenheiros, que, apesar de um pouco estranhos, são seres humanos. Extremamente racionais, mas humanos do mesmo jeito. Cheios de defeitos, com um olho no seu próprio umbigo e tudo o mais, como todo ser humano.

Antes dos navios matarem os carros, automóveis eram criados a partir de algumas regras simples, criadas por uma única cabeça pensante, ou, no máximo, meia dúzia delas. Regras SIMPLES, vamos registrar isso. Deve atingir tal velocidade, transportar tantas pessoas, ser belo, ser pequeno, dar prazer ou só cumprir a função básica de transportar uma família.

E nesse momento, devemos olhar para o primeiro dos problemas, esse ingrown, como um câncer. Não bastava um bom produto, era necessário dominar o mercado. E não só o seu mercado, todos eles. Sem problema para um bom produto, certo? Mas um bom produto para nós não é um bom produto para os norte-americanos, ou para os japoneses. Os requerimentos são muito diferentes. As condições são diferentes. E isso é cultural, no denying it.

Temos então nossa primeira verdade, carros são produtos culturais e não só industriais. Mostram muito da personalidade de seus criadores, sejam eles um homem só ou um grupo deles (mesmo em coisas simples, por exemplo: nenhum Lotus antigo comporta um homem de mais de 1,70 m - Colin Chapman tinha por volta de 1,65 m de altura apenas). Mostram muito daquilo em que as pessoas envolvidas acreditavam, muito daquilo que se passava à época do projeto, as condições econômicas do período e tudo mais.

O segundo problema é mais profundo e enraizado. Sem entrar em méritos políticos, legisladores, de um modo mais do que geral, não entendem lhufas dos assuntos sobre os quais escrevem leis. Agem "em nome do povo" - ok, mas quem disse que o povo sabe o que quer? Ou o que é o melhor para ele? O problema não nasceu tão tarde, mas podemos traçar um início nominal, ou um crescimento significativo, a partir da segunda metade da década de 60, quando surgiram as primeiras preocupações com segurança veicular.

O problema não é a segurança veicular em si, mas sim o modo que isso foi imposto. Pergunto a você, leitor, se dado a opção de bater um carro bastante "seguro", com cintos de segurança e inúmeros airbags, ou a opção de simplesmente não bater, conseguindo evitar o acidente através de um comportamento dinâmico perfeitamente controlável, qual opção tomaria?

Óbvio, não? Pois os legisladores escolheram, como sempre, a escolha paliativa. E a têm feito desde sempre, para todos as absurdas (e desnecessárias, em muitos casos) legislações propostas em diversos países e regiões. Legislações trazem novos requisitos, absurdos que sejam, guiando os novos projetos. Sejam de "segurança veicular", sejam de "proteção ao meio ambiente", sejam o que for.

Agora temos então dois problemas, matando nossos carros: atender necessidades de pessoas completamente díspares e com necessidades incompatíveis, e tudo isso atendendo inúmeros requisitos criados por pessoas que realmente não têm muito o que fazer nem fazem a mínima idéia de com o que estão mexendo, e dos impactos disso tudo. Como piorar tudo isso? Que tal tornar o automóvel o bode expiatório dos problemas do mundo? Parafraseando Lennon, Cars are the nigger of the world, é o que tentam mostrar.

Setright (sim, de novo ele -- isso significa que quem não o conhece, precisa conhecer) dizia que não sabia o que era o pior caso de egocentrismo do Homem: acreditar ser responsável pelas mudanças climáticas globais, ou acreditar ser capaz de fazer algo sobre o assunto. O so called aquecimento global, creditado à poluição e à ação do homem nesse planeta, nada mais é do que uma simples alteração das condições climáticas desse planetinha em que vivemos. O Homem está aqui há menos de 100 mil anos, registrou bem menos de 10.000 desses anos (e a maioria deles, talvez um único registro de o ano ter se passado...), e registrou a temperatura dos últimos 100 ou 150 anos. E alguém tem a pachorra de dizer que o automóvel, usado em larga escala há pouco mais de 100 anos é o responsável pela mudança climática? Bullshit! Por um acaso a última era glacial terminou por que os ratos e lagartos soltavam muitos gases? O clima da Terra varia, e nossa influência nessa variação é ínfima.

Mas o automóvel é visto como grande culpado por isso e será crucificado como tal, apesar de todo o seu significado libertador e pelo fato de ser responsável por uma porcentagem ínfima de toda a poluição global. Um Hummer por acaso polui mais do que um simples vulcão? Ok, ok, para cada vulcão há milhares de Hummers. Mas cada erupção vulcânica joga na atmosfera mais gases tóxicos e "gases efeito-estufa" do que todos os carros (incluindo aí todos os tipos de esporte-motor) nos EUA num período de tempo infinitamente superior à duração da erupção! Vamos propor uma legislação para que todos vulcões então sejam redesenhados com catalisadores etc.! Deixem a democracia agir e colocar catalisadores nos fiofós das vacas!

Não entremos tanto nesse assunto, afinal o tema aqui é outro. Ponto é que o automóvel, como conhecemos, está morto. Vive em nossas lembranças, mas está fadado a ser enterrado pela nossa ignorância em reconhecê-lo como instrumento cultural e libertador, em todas as esferas, que realmente é.

Triste realidade: O mundo vai acabar, a gente não pode fazer nada sobre isso, e não nos deixarão dirigir até lá!
aaaaaaaaaaaaaaaahhhhhhhhhhhhh!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!