google.com, pub-3521758178363208, DIRECT, f08c47fec0942fa0 AUTOentusiastas Classic (2008-2014): Maserati
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Bob Wallace e mais um dia duro de trabalho (foto Jalopnik)

"Jornalista, revista Rolling Stone, 1976 a 1979 
Produtor, Atlantic Records, 1964 a 1971
Qualquer tipo de músico, exceto clássico ou rap 
Diretor de cinema, qualquer tipo exceto alemão ou mudo 
Arquiteto (trocar por dono de loja de discos)"

A certa altura do filme “Alta fidelidade”, o protagonista Rob Gordon (personagem do sempre ótimo ator John Cusack) chega em casa e encontra a ex-namorada lendo esta lista em voz alta, lista esta que ele mesmo tinha escrito em uma folha de papel e deixado em cima da mesa: os cinco melhores empregos de sonho.

Se você nunca viu este filme merece parar um pouco para fazê-lo; é uma grande história de encontro da liberdade por meio de um amadurecimento repentino, ainda que tardio. Uma fábula pop deliciosa sobre pessoas que, movidas por um interesse especial mútuo (no caso, a música, visto que Rob é dono de uma loja de discos raros) se encontram e firmam amizades duradouras mesmo aparentemente sem ter nada mais em comum. O apelo para os entusiastas de qualquer coisa, carros inclusive, me parece óbvio.

Mas enfim, contei isso porque sempre que o assisto novamente, penso nesta lista em particular entre as outras tantas que são feitas filme afora. A minha versão dela nunca tentei colocar em uma ordem definida, nem nunca completei os cinco. Mas existem três empregos que para mim estão claramente muito acima de todos os outros. Não nenhum deles pagava particularmente bem, mas isto, veremos, não importa. Em ordem cronológica:

Piloto de testes e competição, Maserati, ca. 1930-1969 
Piloto de testes, Lamborghini, 1963- 1975 
Editor, revista Car inglesa, 1975-1988

O fato de que no mundo real as pessoas que tiveram estes empregos tenham se conhecido, cada uma delas tendo alguma influência sobre a outra, não é mera coincidência. Nem o fato de que estas histórias convergem também para um lugar só, a cidade de Modena, na Itália. Nem, muito menos, a época em que existiram.



Recentemente passei um grande apuro ao perder todos os meus arquivos digitais. Simplesmente toda minha vida digital, incluindo todas as minhas fotos, ficou aprisionada num HD externo defeituoso. Até eu conseguir recuperar todos os arquivos, passei dias de tensão.

Com tudo recuperado é claro que já fiz um backup e agora aos poucos estou reorganizando tudo. Foi aí que cheguei na pasta chamada Diversas. É para essa pasta que vão algumas fotos avulsas ou pequenas séries de um mesmo tema que são interessantes para novos posts a serem feitos mais tarde. Só que esse "mais tarde" vai passando, outras prioridades aparecem e as fotos acabam não sendo usadas. 

Então, para não deixá-las no esquecimento, ou guardadas numa pasta genérica, fiz uma seleção das que poderiam ter gerados posts muito legais. E quem sabe alguns deles ainda surjam.



Uma das coisas mais legais de trabalhar neste blog é conviver com a turma que o faz. Este convívio pode ser eminentemente virtual, mas ainda assim é dos mais ricos. Um assunto sempre puxa outro, e os posts aparecem como uma conversa bem elaborada entre amigos que dedicam a vida em dissecar esta máquina hoje maldita chamada de automóvel. O leitor poderia imaginar que um dia acabariam os assuntos, mas depois de oito anos de conversas diárias, posso garantir que deste problema nunca vamos sofrer...



Quando o Maserati lançou seu Bora de motor central em 1971, todo mundo achou que ela estava apenas seguindo a moda vigente. Afinal de contas, a jovem Lamborghini causara sensação em 1966 com seu arrebatador Miura (abaixo), causando uma verdadeira febre de motor central. Era o assunto da época, e de uma hora para outra quem não tinha um supercarro com esta configuração era ultrapassado.

A Ferrari meteria os pés pelas mãos nessa onda, quando decidiu que além do motor central, seu mais veloz supercarro teria um doze cilindros contraposto, como os seus carros de Fórmula 1. Um contraposto é sempre uma excelente escolha porque o seu centro de gravidade é baixo, principalmente quando montado perto das rodas motrizes, como faz a Subaru e a Porsche, em extremidades opostas do carro. Mas a Ferrari, para manter o comprimento do seu carro em níveis aceitáveis, e um ponto H do motorista perto do solo, resolveu montar o motor EM CIMA do eixo traseiro e sua transmissão. O carro resultante, o Berlineta Boxer (inicialmente 365 GT4 BB, abaixo, depois 512BB), na verdade, como parte do motor está em cima do eixo, não tem motor central, e sim motor traseiro. Não traseiro como um Fusca ou 911, todo pendurado para trás do eixo, mas traseiro. E alto, ficando em cima do câmbio, eliminando a grande vantagem do motor contraposto. Os Ferraristas tiveram que conviver com esta configuração teoricamente ridícula (mas muito bem executada; as BB são carros decentes) até a morte da F512M em 1996, quando a Ferrari voltou a configuração anterior, com o magnífico 550 Maranello, que era em layout o mesmo carro que o 365 GTB/4 "Daytona" (corrente de 1968 a 1973), carro que foi substituido justamente pelo primeiro Berlinetta Boxer... Uma clara declaração de equívoco, se puder dar minha opinião.


Na verdade, tanto o Berlinetta Boxer quanto o mítico Miura eram maravilhosos carros esporte, mas ambos não eram um exemplo técnico a ser seguido. O Miura tinha problemas aerodinâmicos e de ergonomia sérios. E tanto ele como o Boxer tinham espaço zero para bagagens.
Espaço para as bagagens pode parecer irrelevante em carros deste tipo para muita gente. De fato, até hoje vemos carros perfeitos tanto em técnica como execução como o Audi R8 e o Ferrari Modena, sem nenhum espaço para bagagem de verdade. Para quem defende a irrelevância disso, o carro é para passeios curtos apenas, ou o dono tem um outro carro, dirigido por outra pessoa, para acompanhá-lo com as bagagens. Lembro de uma cena do filme "Homem de Ferro", em que o milionário Tony Stark vai até o aeroporto em seu R8, mas seguido do motorista, carregando as malas no Rolls-Royce.
Eu acho triste este tipo de coisa, porque acredito que viajar de automóvel é uma das melhores coisas que se pode fazer no mundo. Dirigir um carro como o R8, sozinho, em uma longa viagem deve ser um prazer que não deveria ser negado. E o fato de existir alguém me seguindo, com minhas malas, não sei, perde todo o romance de estar sozinho. E se eu resolver mudar o trajeto? E se resolver chegar no dia seguinte e passear por outro lugar? O motorista estaria acessível pelo celular, lógico, mas a idéia toda de se viajar sozinho (ou mesmo com a companheira) fica meio sem aquele "quê" de aventura e de liberdade absoluta, aquela simplicidade em decidir, aquele mundo simples de você, seu carro e a estrada. Nada é mais deliciosamente simples do que isso, e deixar de carregar seus itens básicos de vestuário no seu próprio carro nos leva de novo a planejamentos, telefonemas, cálculos de tempo, planos... Melhor deixar o R8 em casa e ir de Rolls mesmo.
E é triste porque faz o carro falhar no básico; se ele carrega duas pessoas apenas, pelo menos deve levar sua bagagem. Mas muitas vezes, carros deste tipo são comprados não porque são máquinas de transportar pessoas extremamente boas, mas porque são brinquedos. Ou pior, porque são símbolos de status. Cada um compra carro pelo motivo que bem entender, mas é uma tristeza carros tão bons desperdiçados assim.
O que nos leva de novo ao Bora. Giulio Alfieri dizia que este carro, que viria ser sua última e maior criação na Maserati, não era uma concessão à moda vigente, e que ele não era o tipo de pessoa que seguia bandinhas alegres pelas ruas. Não, Alfieri dizia que o Bora era a evolução natural de seus grã-turismos, um sucessor a altura para o Ghibli, e o 5000GT antes dele, carros que seguiam o esquema básico do 3500GT de 1957, mas usando o V-8 do 450/S, como contei aqui uma semana e pouco atrás.
Desde 1968, os Orsi (donos da Maserati desde 1937), temendo um mundo automobilístico sem futuro para pequenas marcas independentes, haviam vendido a pequena fábrica para o conglomerado francês Citroën, então ainda independente e orgulhosa, e comandada por engenheiros sem medo de inovação. Alfieri se deu muito bem com esta empresa focada em engenharia e tecnologia, e assim, com uma vasta e nova prateleira de componentes e tecnologias exclusivas disponível, e um novo fôlego financeiro, começou o desenvolvimento do Bora. O carro finalmente usaria um esquema mecânico diferente daquele do 3500GT, sendo um carro completamente novo. Fora o motor, é claro, que como em todo Maserati que mereça seu tridente, era um motor de carro de corrida dos anos 50: neste caso, o V-8 usado inicialmente no 450/S.


No Bora, este motor DOHC de alumínio já descrito no post do 5000GT contava com ignição simples, o onipresente quarteto de Weber duplos, e deslocaria entre 4,7 e 4,9 litros, com potência em torno de 310 cv. Ainda moderno em concepção, era ainda assim um certo anacronismo montado no novo e moderno Maserati de motor central-traseiro, mas um anacronismo deliciosamente correto, dando uma pitada de pedigree, de berço, ao Bora. Desenvolvido e lançado quase que exatamente ao mesmo tempo que o Chevrolet V-8 small block (em 1955), este motor foi quase tão longevo quanto ele, morrendo em 1990 com o último Quattroporte III. O que é realmente bom é quase atemporal.


Este motor foi acoplado a um transeixo ZF alemão de 5 marchas, para ser montado em posição central-traseira, em  um subhassi junto com a suspensão traseira, com coxins de borracha para isolá-los da carroceria. Uma rígida carroceria monobloco em chapa estampada e tubos retangulares de aço foi criada para o carro, partindo de um design de Giugiaro (já em sua própria empresa, a ItalDesign). Nos quatro cantos do carro, suspensão independente por meio de duplo A sobreposto, e freios a disco ventilados de 9,5 polegadas (depois 11) de diâmetro, com freio de estacionamento acionando as pinças traseiras. Rodas de alumínio de desenho exclusivo recebiam pneus Michelin XWX 215/70 R15 (a Michelin era a dona da Citroën, e por tabela então da Maserati), também iguais nos quatro cantos, diferente do Boxer e do Miura, que usavam pneus maiores atrás. Toda essa simetria nas quatro rodas era resultante da ótima distribuição de peso para um carro de motor traseiro, 45% dos 1.620 kg totais em ordem de marcha na frente, e 55% atrás. Sim, o carro era muito pesado, principalmente para 1971, mas pelo menos oferecia uma rigidez estrutural sensacional em troca. Um detalhe interessante era o teto, todo em aço inox escovado!

Todo este peso afetava negativamente o desempenho, e o Bora perderia uma arrancada contra o Ferrari e o Lambo. O que não quer dizer que era lento: a primeira marcha chegava a 80 km/h em 4,5 segundos; uma troca para a segunda marcha era necessária para atingir 100 km/h, em 6,9 segundos, nas mãos do veterano piloto da marca Guerino Bertocchi. A velocidade máxima era de 270 km/h. Não tão rápido quanto um nervoso Ferrari, mas rápido o suficiente.

Jan P. Norbye, que estava presente quando Bertocchi conseguiu estes números, fala do comportamento do carro em seu livro sobre o Bora (e sua variante V-6, o Merak):
É suficiente dizer que Alfieri tinha o tempo necessário para fazer o carro corretamente, e ele gastou esse tempo. Colocou um comportamento de carro com motor dianteiro num carro de motor traseiro. Enquanto o motorista entusiasmado e inexperiente que tirar o pé numa curva na qual entrou rápido demais estará protegido, um piloto experiente poderá esterçar o carro com o acelerador sem problema algum.”

Mas onde Alfieri (com grande ajuda de Giugiaro) se excedeu mesmo foi no empacotamento do carro. Comparado com o Ghibli, o Bora tinha 254 mm a menos no comprimento (num total de 4.330 mm), distribuídos num entre-eixos 50 mm menor (rodas mais próximas das extremidades). O espaço interno era realmente generoso, mesmo para pessoas altas. Um circuito hidráulico Citroën foi utilizado no carro, usado para acionar os freios (o pedal, como um Citroën DS-19, respondia à pressão no pedal, e não ao movimento), levantar os vidros e os faróis, e o ajuste do volante e pedais, que andavam para frente e para trás. O banco, por isso, era fixo, apenas pivotado na frente para ajuste do ângulo do encosto. O banco em si era um exemplo, com bom suporte lateral e nas coxas.

Na frente do carro, um porta malas generoso tinha capacidade para duas malas enormes. A bateria ficava escondida numa gaveta, que tomava um pouco do espaço dos pés do passageiro, mas não do porta-malas. Como se isso não bastasse, existia outro porta-malas na traseira.


Hoje o Audi R8 e os Ferraris usam a traseira envidraçada como uma vitrine para o motor; até iluminação existe lá atrás (algo extremamente cool, admito) para mostrar o treco. O Bora podia muito bem exibir o seu belíssimo V-8 de corrida, mas ao invés disso era coberto por uma tampa acarpetada. Cabia mais um bocado de coisa lá atrás. Atrás do motor, também coberto pela tampa, estava o estepe.

Num carro relativamente pequeno e com motor central, Alfieri fez um carro de verdade, para viagens longas e duas pessoas. E malas! De novo, como todos os Maserati de rua de Alfieri, um GT por definição. Um carro usável, com comportamento benigno, e mais civilizado do que Ferraris (embora mais lento em acelerações), e ainda por cima com espaço para bagagens. O Bora tinha tudo para ser um sucesso, mas como o que todos esperam de um supercarro italiano na verdade é um brinquedo extravagante, acaba sempre sendo lembrado como menos apaixonante que seus rivais.


Um supercarro civilizado e usável é uma das coisas que faz o 911 eterno. Mas a Maserati dos anos 70 não era como a Porsche: o carro era mal construído, e lendo os testes das revistas de época, é simplesmente inacreditável a quantidade de coisas que davam erradas em carros novinhos!

Se o Bora fosse confiável como um Mercedes, talvez a história fosse outra. Mas na verdade seu destino estava selado por realidades maiores: a Citroën faliu e foi comprada pela Peugeot. A Maserati então, sem dono, faliu também, e graças a ajuda do governo italiano, sobreviveu nas mãos do argentino Alejandro de Tomaso, que demitiu Alfieri, e tornou a Maserati algo muito diferente do que fora até ali. A última coisa que sobrava dos tempos de Giulio Alfieri era o V-8, que permaneceu na Quattroporte III (feita por De Tomaso na plataforma de seu Longchamp, história para outro dia) até 1990.

Quando aquele motor parou de ser feito, a Maserati perdia a sua ligação com um passado de glórias, e efetivamente morreu. A outra Maserati, a de Tomaso, permanecia, e é a que hoje usa motores Ferrari e age como a coadjuvante de seu dono.

E o Bora permanece como o melhor exemplo daquilo que se foi para sempre.

MAO

Hoje em dia estamos inundados de informação por todos os lados, mesmo que poucos saibam o que fazer com ela. Não vejo nenhum problema nesta facilidade de se encontrar informações, muito pelo contrário, acho realmente saudável. Mas existem alguns efeitos colaterais: a história que vou contar hoje é de um carro fantástico, mas desconhecido a seu tempo; um carro criado para pessoas que detestam publicidade e portanto não teve propaganda ou divulgação alguma; uma verdadeira lenda sussurrada pelos entusiastas mais bem informados daquele tempo, como se fosse um segredo maçônico reservado aos mestres do mais alto grau; uma lenda. Coisa impossível hoje em dia...


O 5000GT criado por Frua para o Agha-Kahn

Tudo começou quando, no início dos anos 50, a Maserati resolveu desenvolver um novo V-8 para usar em competições de carros esporte, a ser lançado em 1955 ou 1956. Mas a catástrofe de Le Mans em 1955 (quando o Mercedes SLR de Pierre Levegh voou sobre as arquibancadas matando mais de 80 pessoas numa verdadeira carnificina nunca mais vista) fez que o grande V-8 fosse abandonado. Foi necessário que o milionário americano (na verdade um siciliano naturalizado) Tony Parravano demonstrasse interesse no V-8 para uso em Indianápolis para que o desenvolvimento fosse retomado.

O motor acabou por ficar fora do famoso oval de Indiana, mas apareceu no que se tornaria o mais brutal e ameaçador carro esporte de competição dos anos 50: o Maserati 450/S.



Criado pelo simples expediente de trocar o seis em linha de três litros do 300/S pelo novo V-8, o 450/S simplesmente era o mais veloz carro de sua época por uma boa margem, e só não teve mais sucesso porque quebrava muito (o pobre 300/S não estava acostumado com tanta força bruta). Interessante notar que até alguns Panoz aparecerem nos anos 90, este Maserati permanecia como o mais potente carro esporte de competição com motor dianteiro.

O motor é uma das obras primas desenhadas sob Giulio Alfieri: um V-8 todo em alumínio (fora as camisas semi-molhadas de ferro fundido, como o seis em linha do do 3500GT), duplo comando de válvulas no cabeçote acionado por um sofisticado trem de engrenagens, duas válvulas e duas velas por cilindro, em uma câmara de combustão hemisférica. Com quatro Webers de duplo corpo, e girando até 7.000 rpm, o motor debitava algo entre 400 e 450 cv em competição.



No ano de 1957, a empresa fez um cupê aerodinâmico baseado no 450/S, para competir na famosa (e veloz) prova de Le Mans. Desenhado pelo famoso aerodinamicista Frank Costin (depois famoso por ser o “COS” de MarCOS) e fabricado por Zagato, o carro teve atuação irrelevante na prova e foi aposentado.

Mas, numa daquelas interessantes reviravoltas do destino, foi avistado, encostado num canto da fábrica em Modena, pelo americano Byron Staver, em uma visita no ano de 1958. Staver pediu à fábrica que o convertesse para uso nas ruas, o que foi feito. O carro resultante era totalmente intratável e mal-resolvido como carro de rua, mas obviamente mais divertido que 10 supermodelos bêbadas num quarto de motel...



O primeiro 5000GT, de Touring, conhecido como "Xá da Persia"



Entra em cena então Sua Majestade Imperial Mohammad Reza Pahlavi, o Xá da Pérsia (país hoje conhecido como Irã). Para quem não sabe, o Xá, que seria deposto nos anos 80 pela revolução radical islâmica do Aiatolá Khomeini (criando um regime que perdura até hoje), era um entusiasta do automóvel de muito bom gosto, que amealhou uma das maiores e mais interessantes coleções automobilísticas de todos os tempos.

Pois bem, Sua Majestade era um dos primeiros compradores do Maserati 3500GT, e gostou muito da personalidade digna e civilizada deste primeiro carro da empresa desenvolvido para as ruas. Conversando com Alfieri, o assunto acabou passando pelo carro de Staver, cuja descrição muito interessou o Xá. Uma coisa leva a outra, veio uma ideia do monarca persa: seria possível colocar este motor, acalmado para o uso civilizado, num refinado 3500GT?

Nascia então o primeiro Maserati 5000GT. Dois carros foram inicialmente construídos, ambos com carroceria de Touring, um para ser mostrado no Salão de Turim em 1959, e outro para o Xá. Mesmo sendo esta primeira carroceria de Touring controversa (para dizer o mínimo, causou grande interesse no salão, e começou a se espalhar a lenda).

O modelo nunca esteve em catálogo, sendo fabricado somente sobre encomenda. Quase nunca apareceu na imprensa, especializada ou não, e nenhum comercial ou propaganda foi feita com ele. Apenas 34 carros foram fabricados em cinco anos a partir de 1959, e lista de compradores é impressionante: O dono da Lambretta, Fernando Innocenti (depois dono de uma marca de automóveis com seu nome), Briggs Cunningham, o Agha-Khan, Basil Read (dono do circuito sul-africano de Kyalami, que ficou com o carro do salão), Giovanni Agnelli (da Fiat), o presidente Adolfo Lopez Mateos do México e muitos outros.

Era simplesmente o mais veloz e mais caro carro de rua durante o tempo em que esteve em “produção”: chegava, com a relação de diferencial mais longa disponível, a 280 km/h, naquele longínquo ano de 1959. Cada um deles era virtualmente exclusivo, e mais de 11 carrocerias diferentes foram montadas nos 34 chassis.

E foi um carro relativamente fácil para se fazer: partindo do 3500GT, o chassi foi encompridado e reforçado, e ajustes em freios e suspensão foram feitos, mas era produzido largamente com os mesmos componentes do carro menor, inclusive o câmbio ZF e o eixo traseiro Salisbury. A única coisa realmente diferente era o glorioso motor de corrida.



Os primeiros dois carros receberam um motor pouquíssimo alterado em relação ao 450/S (acima). Basicamente, baixou-se a taxa de compressão de 9,5:1 para 8,5:1, e usou-se um comando menos agressivo, em conjunto a um diâmetro maior dos pistões (de 93,8 mm para 98,5 mm) resultando em 4.935 cm³ contra 4.477.9 cm³ do carro de competição. Debitava 340 cv a 5.500 rpm.

Os carros subsequentes foram ainda mais civilizados por um motor extensamente alterado (abaixo). Sumia a o trem de engrenagens que acionava os comandos, substituído por corrente. O diâmetro dos cilindros fora reduzido e o curso aumentado, para 94 x 89 mm, resultando em 4.941,1 cm³. Mas a mais importante modificação era a injeção de combustível: um equipamento multiponto Lucas inglês, mecânico. A potência baixou para 325 cv a 5.800 rpm, mas num motor bem mais civilizado e tratável.


As carrocerias são normalmente associadas aos donos dos carros: O primeiro, com carroceria Touring, é hoje conhecido como “Xá da Persia”. Três deles foram fabricados. O segundo, e mais comum (22 carros), é a carroceria de Allemano. Frua fez uma belíssima carroceria para o Agha-Khan, que acabou por ser a base estilística do Maserati Quattroporte de 1963. Dois 5000GT “Agha-Khan” foram fabricados, um para o próprio e o outro para seu arquiteto particular. O mais belo é talvez a criação de Ghia para Innocenti e Cunningham, abaixo.



Mas tudo isto sabemos hoje apenas; durante a sua época somente uns poucos sabiam da sua existência. Uma das poucas vezes em que apareceu numa revista especializada foi na Autocar inglesa de 30 de março de 1962, onde o repórter Bernard Cahier conseguia um passeio no carro destinado ao Sr. Innocenti. Ele atingiu 152 milhas por hora (243 km/h), e ficou absolutamente estupefato com o carro. A reportagem se chamava: “Maserati de 5 litros e injeção, somente por encomenda”.



Nas fotos acima e na primeira do post, o mais comum 5000GT: carroceria Allemano


Mas a mais interessante reportagem da época foi a breve descrição de um passeio ao volante de um “Xá da Persia” (talvez o terceiro carro produzido), escrito por Hans Tanner e publicado na revista inglesa Motor Racing, em fevereiro de 1960. É interessante porque além de descrever o carro, dá uma idéia para gente de como as coisas eram diferentes em 1960. Alta velocidade não era ilegal nem imoral, e o estado da arte do automóvel ainda era ditado por pequenas empresas perdidas no interior da Itália... E que um Maserati de rua é desde sempre um grã-turismo, como gostava Alfieri e seus aristocráticos clientes: veloz, mas sempre seguro, silencioso e tranquilo. Tanner andou com o lendário piloto de testes da Maserati, Guerino Bertocchi, uma pessoa que trabalhou com os irmãos Maserati antes da guerra, e permaneceu no mesmo posto por toda sua vida. Dizem que num 250F, o único mais rápido que Bertocchi era Fangio. Vejam que legal:

“- Devagar agora, ein Signor Bertocchi!! – disse o sorridente guarda no portão.
- Não se preocupe! - foi a resposta, e lá fomos nós, imediatamente atingindo 128 km/h em primeira marcha. Logo, o cinco-litros lá na frente estava quente o suficiente, e resolvemos tomar alguns tempos com o carro. Eu cronometrei o primeiro quilômetro a exatos 270 km/h, e o segundo a 278. Com um bocado de tráfego na estrada, e tendo que reduzir a velocidade para ultrapassar, nós fizemos uma média de 246 km/h de Modena até Bolonha, levando apenas seis minutos e cinquenta segundos para cobrir os 28 km. Lembrei que antes da Autostrada Del Sole, pela antiga Via Emiglia, eram 30 minutos em um carro normal...

Na volta, Bertocchi me avisou que ia tentar algo especial: existe na pista uma curva longa desenhada para ser feita a 200 km/h. Entramos nela a bem mais que isto, e ele acelerou ainda mais. Na saída da curva, chequei a velocidade: 250 km/h.

Se existe mais alguma coisa para falar sobre este fantástico carro, é que a estas velocidades são muito fáceis, tudo acontece na maior suavidade e silêncio. A 270 km/h o carro parece estar a 150. Meu único medo é que, nas mãos de um motorista menos habilidoso, isto se torne perigoso...”



O 5000GT com carroceria Bertone


O 5000GT, além de ser um grande carro, fabricado exclusivamente sob encomenda de milionários e nobres, selou definitivamente a personalidade da marca Maserati, intimamente ligada a seu engenheiro-chefe, o grande Giulio Alfieri.

Sob Alfieri, a Maserati se consolidou como uma marca diferente de supercarro italiano: enquanto Ferraris (e mais tarde Lamborghinis) eram para garotos, um Maserari é um Gran Routier por definição, um carro para adultos. Não é a toa que sempre foi mais caro que todos, e mesmo tendo desempenho inferior, sempre foi preferido por sua clientela exclusiva. Silenciosos, confortáveis, espaçosos, e com espaço para malas: adjetivos poucas vezes usados para um Ferrari, mas sempre num Maserati.

O 5000GT com carroceria Pininfarina

E o motor, o principal (e às vezes único, como já contei aqui) componente fabricado em casa, tem que ser um motor de corrida. O seis em linha (3500GT, Sebring, Mistral) tem suas origens no motor do 250F, um dos maiores carros de F-1 de todos os tempos, e com o qual Fangio se tornou imortal. E o V-8 do 5000GT, sem a dupla ignição, se tornaria o coração de todo Maserati de verdade. Quattroporte, Ghibli, Indy, Mexico, e finalmente a obra prima de Alfieri, o Bora. Até meados dos anos 80, você ainda podia comprar um Quattroporte com este V-8. Não era uma balela de algum publicitário sobre origens nas pistas, mas sim um autêntico motor de corrida dos anos 50 ali debaixo do capô. Se você olhasse de perto, provavelmente poderia ver até a marca no cabeçote, no lugar onde iam as segundas velas do 450/S...Quem mais poderia oferecer isso?


MAO

Já que engrenei neste assunto, em breve conto para vocês a história do Bora, e o motivo porque a Maserati morreu com este incrível V-8. Até lá!



Acho muito engraçado quando as pessoas reclamam que os fabricantes de automóvel reutilizam os subsistemas mecânicos principais de seus carros (o que preferem chamar erroneamente de “plataforma”) indefinidamente, e/ou acham que as marcas perderam identidade por usar componentes comprados de fornecedores.

Mais engraçado é que gente muito boa por aí tende a corroborar com esta tese. E alguns vão além: os departamentos de engenharia dos fabricantes de automóveis estariam se tornando meros juntadores de peças compradas de terceiros, algo como crianças crescidas brincando de Lego. Esta teoria cita como exemplo a planta da GM de Gravataí e a da VW (hoje MAN) em Resende, onde fornecedores montam e produzem carros que ajudaram a projetar, e a GM e a VW (MAN) “apenas administra” a traquitana toda.

Tem tanta desinformação nessa história que é difícil saber por onde começar a explicar. Resolvi tentar contando para vocês uma historinha do passado, de um carro que gosto muito, para que vocês tirem suas próprias conclusões. Afinal de contas, a teoria acima coloca as grandes marcas do passado, os míticos fabricantes de GT’s do pós-guerra, fora deste vil comportamento industrial que diluirá permanentemente as identidades dos fabricantes, não? Uma Maserati, por exemplo, nunca faria isso quando ainda era independente e famosa, não é mesmo?

Os leitores mais assíduos deste blog devem lembrar como sempre apregoo que um carro é muito mais que a soma de seus componentes, e que o mais importante não é quais são os componentes, mas como foram reunidos, por quem, com que fim, e o mais importante, de longe: com quais resultados. No mundo do automóvel é perfeitamente possível transformar chumbo em ouro, basta para isto um bom alquimista. As marcas tem perdido sua identidade sim, mas definitivamente não por estes motivos.
Mas estou divagando; vamos voltar à história que me propus a contar:

A Maserati, fundada em 1927 pelos irmãos Maserati, fora desta data até 1957 uma marca de carros de competição apenas, como foi a McLaren, por exemplo, antes de seu F-1 e o mais recente MP12. Sim, existiram alguns Maserati “de rua” antes disso, mas eram basicamente chassis de competição encarroçados para particulares. O pós-guerra veria a empresa se mudando para a fábrica de mecânica pesada da família Orsi, donos da empresa desde 1937, em Modena. No início dos anos 50, os irmãos Maserati já não estavam na empresa que levava seu nome, e o engenheiro-chefe da empresa já era um dos mais geniais criadores de automóveis de todos os tempos: Giulio Alfieri.

No meio da década de 50, encarando uma crise financeira das bravas na pequena empresa, o Conde Orsi resolve criar um grã-turismo para produzir em pequena série, e para tal dá carta branca, mas um orçamento apertado, ao seu engenheiro-chefe.

Alfieri resolveu que não valia a pena competir com os Ferraris produzidos do outro lado da cidade, ali perto, em Maranello: Enzo já tinha para si a clientela interessada em carros de corrida intratáveis disfarçados em carros de rua. Àquele tempo, Ferraris eram os mais fantásticos carros de rua existentes para andar rápido, mas totalmente recalcitrantes a baixa velocidade, capazes de superaquecer facilmente no trânsito e propensos a deixar velas sujas se mantidos em marcha-lenta por algum tempo.

Ao invés disso Alfieri resolveu criar algo que seria sua marca: um carro completo, funcional como um todo, um conjunto coeso e super-eficiente, marca de uma engenharia bem feita. O objetivo era um GT clássico: espaço para duas pessoas e bagagem farta, potência suficiente para médias de viagem superiores a 200 km/h, estabilidade e freios impecáveis para tal, e conforto total. Nada de marcha-lenta irregular e barulho excessivo; enquanto um Ferrari era para ser levado as pistas para competir, o dono da equipe iria até ela de Maserati, com sua bela companhia ao lado, bem mais confortável.


O motor para o novo carro seria o mais fácil, visto que sempre fora o forte da casa de Modena: partindo do propulsor de competição do Maserati 300/S (3,0 litros, acima, com Fangio ao volante), aumentou-se um pouco o deslocamento para que, com uma regulagem mais tranqüula de rua, a potência permanecesse excepcional. Lançado em 1957, o carro seria o primeiro Maserati de rua e produção seriada, ainda que a série aqui seja pequena: ao redor de um carro por dia.
O tamanho do motor e a missão do carro, juntos, fizeram o nome dele (que tempo mais lógico era aquele...): Maserati 3500GT. O motor era um seis em linha relativamente grande para a época, principalmente sob a luz do fato que a maioria dos Ferrari V-12 deslocavam três litros: exatos 3.485 cm³ a partir de uma relação de diâmetro e curso subquadrada, 86 x 100 mm. Totalmente em alumínio exceto pelas camisas de cilindro em ferro fundido, o motor tinha ainda duplo comando de válvulas no cabeçote acionados por corrente tripla,e duas válvulas inclinadas por cilindro, para uma câmara de combustão hemisférica.

Duas velas por cilindro faziam a ignição, e para isto a Marelli, que inicialmente especificou dois distribuidores, acabou por criar um distribuidor de “dois andares”, bastante complexo e grande, mas eficiente. Não havia uma junta para o cabeçote, apenas um pequeno canal usinado no “deck” do bloco, dando a volta em todo ele, onde se montava uma vedação que, comprimida no torqueamento do cabeçote, selava a junta cabeçote-bloco. O cárter também era em alumínio e amplamente aletado para refrigeração, mas ainda assim contava com um radiador externo de óleo. A bomba d'água era acionada por correia de borracha, e na frente da bomba era montado o ventilador de arrefecimento, solidário a ela.


Equipado com três Weber 42 DCOE duplos horizontais de um lado, e coletores seis em dois de ferro fundido do outro, e uma taxa de compressão alta (para a época) de 8,5:1, debitava algo em torno de 240 cv a relativamente baixas 5.500 rpm. O torque máximo, de 36 mkgf, aparecia às 4.000 rpm, mas era muito bem distribuído por todas as faixas de rotação, característica que se tornaria tradição da marca.

Resolvida a parte do motor, sobrava para Alfieri pouco (na verdade quase nenhum) dinheiro para investimento, e o resto do carro inteiro ainda tinha que ser feito. E é aqui que essa história começa a ficar interessante, pois quem não tem dinheiro tem que usar mais a cabeça, e assim fez nosso herói.

Alfieri sabia que tinha que comprar todo o resto do carro, e fabricar apenas o que fosse ao mesmo tempo inexistente no mercado de autopeças e indispensável para o comportamento pretendido. Assim, tratou de fazer o layout básico de seu GT de forma exemplar: espaço interno generoso para duas pessoas na frente, dois assentos ocasionais atrás (2+2), amplo espaço para as malas, motor central-dianteiro e tração traseira, entre-eixos de 2.590 mm num comprimento total de 4.445 mm, com balanço traseiro grande e dianteiro pequeno, para melhor distribuição de peso, que acabou sendo de 1.240 kg, distribuídos de forma perfeita: 48% na frente, 52% atrás.


Para o câmbio, foi escolhida uma moderna caixa alemã ZF totalmente sincronizada de quatro marchas. A embreagem, uma unidade inglesa Borg&Beck, com acionamento hidráulico via pedal Girling, também inglês. Atrás do câmbio, de novo vindo da Inglaterra, uma árvore cardã Spicer, e um eixo traseiro rígido Salisbury, idêntico ao usado no Jaguar XK. Cinco relações finais eram disponíveis.

A suspensão traseira de eixo rígido foi o maior dos compromissos que Alfieri teve que fazer pela falta de dinheiro. Mas ele não deixou que isto se tornasse desculpa por trabalho malfeito – as molas semi-elípticas eram longas e o eixo era fixado por cima, para dentro da semi-elipse. Contava ainda com amortecedores Girling hidráulicos de dupla ação, e um braço de reação. Baixa, bem localizada e ajustada, esta suspensão nunca recebeu crítica alguma em seu comportamento exemplar, mesmo quando experimentada por jornalistas críticos que entravam no carro lamentando o layout ultrapassado, mas que emergiam de volta dizendo para não mudar nada na suspensão traseira, por favor.

A suspensão dianteira, independente por duplo braço triangular sobreposto, era um componente da Alford & Alder inglesa, com braços em aço forjado, molas helicoidais e amortecedores hidráulicos Girling. A direção era uma caixa de pinhão e cremalheira ZF alemã.

Os freios a tambor nas quatro rodas foram desenhados pela Girling, e usavam componentes desta empresa (do cilindro-mestre até as sapatas), exceto os tambores de alumínio de competição da Maserati. Rodas exclusivas em aço estampado de 16 polegadas para uso de pneus radiais Pirelli foram desenvolvidas pela Borrani, a pedido do engenheiro Alfieri, que abominava as mais comuns rodas raiadas da marca. O chassi era multitubular em aço, e era fabricado por duas pequenas empresas diferentes, ali mesmo em Modena.



Na carroceria as coisas seriam simples: os famosos encarroçadores italianos ainda existiam em plena atividade, e criavam carrocerias inteiras e completas sem cobrar ferramental. Como? Ora, cobrando muito caro por cada uma delas, e usando muito, mas muito trabalho braçal. Vejam por exemplo o caso da famosa Touring, selecionada como encarroçadora da versão Cupê do 3500GT, acima (a conversível seria da Vignale, abaixo): sua famosa técnica de construção Superleggera (super leve) era basicamente construir um “esqueleto” de tubinhos finos soldados para toda a carroceria, toda mesmo, a ponto de se poder “ver” o carro mesmo sem nenhuma chapa sobre ele.

Sobre esse esqueleto, são soldadas as chapas de alumínio que fazem a carroceria visível, todas essas chapas moldadas a mão. As junções de chapa são soldadas e depois lixadas (!!!) até que desapareçam por completo, e a carroceria pareça ter sido feita de uma peça só. Um trabalho tão imenso que é totalmente inviável sem mão de obra barata, e mesmo com mão de obra barata, caro. Como o esqueleto é soldado em cima do chassi do carro, tudo junto se torna um conjunto rígido e relativamente leve, se extremamente complexo para reparar...



Alfieri criara um dos mais perfeitos exemplos de grã-rurismo: desempenho entusiasmante mas silencioso, estabilidade exemplar, freios fortes e sem fading, e um conforto de suspensão perfeito, mesmo com eixo rígido traseiro. Tudo isto, produzindo apenas o motor em casa (se descontarmos a alimentação e ignição, também de fornecedores). E o carro evoluiu ainda mais, com ajuda dos fornecedores: em 1963, tinha uma quinta marcha overdrive, freios a disco Girling de 12 polegadas na dianteira, e injeção multiponto indireta Lucas, mecânica.

Apesar de largamente “desenvolvido por fornecedores”, tem a mão de Alfieri em cada detalhe, em cada porca e parafuso e em cada milímetro da carroceria. E se falarmos no tal repugnante reaproveitamento de plataformas, vejam só: em 1959 a Maserati estende o entre-eixos, coloca o V-8 do 450/S de competição e cria o mais lendário carro italiano de todos os tempos, o 5000GT (história para outro dia...). Reduzindo o entre-eixos, vem os 3500 Sebring e Mistral, de dois lugares. Com o caixa mais cheio de dinheiro em 1963, troca o chassi multitubular por um de chapa de aço estampada (para carrocerias monobloco, como hoje em dia) e cria a partir do 5000GT o primeiro Quattroporte. Dele deriva um duas-portas e quatro lugares: o Maserati Mexico. Aparece também derivado do chassi tubular do 3500, de novo encurtado e remodelado para dois lugares, o belíssimo supercarro Ghibli em 1968. Depois, alongaram o Ghibli e criaram o Indy, um 2+2.

Na verdade, o eixo traseiro rígido Salisbury permaneceu firme e forte até o aparecimento do Khamsin (tive um encontro memorável com um certa vez; leia AQUI) em 1976, e ainda assim apenas para calar um sem-fim de críticas infundadas sobre a suspensão traseira. Como muito bem disse David E. Davis Jr. da Car and Driver americana sobre ele em 1970, testando um Maserati Indy:
A Maserati é freqüentemente criticada por usar eixo rígido na traseira, suspenso pelo “ultrapassado” feixe de molas semi-elípticas. Não dê nenhuma atenção a estes críticos. O sistema simplesmente funciona.”

Innes Ireland da Autocar inglesa em 1968, testando um Ghibli:

Uma coisa que me impressionou profundamente foi o funcionamento do eixo traseiro, um teoricamente ultrapassado eixo rígido traseiro com molas semi-elípticas. Mesmo acelerando forte em piso irregular, não há nenhum traço de que há um eixo pesado e rígido lá atrás, e o seu funcionamento está acima de qualquer crítica.”


Como vocês podem ver, a mítica Maserati criou sua fama e sua glória como fabricante baseada num passado de glória nas pistas, e de carros baseados no seu primeiro carro de rua, o 3500GT de 1957, que usava apenas o motor feito na Maserati.

Reprojetar e referramentar um componente que já existe e funciona bem para a nova aplicação é uma coisa completamente idiota, que ninguém faz. Um projeto de automóvel consiste em achar as peças corretas para sua nova aplicação, e criar novas apenas onde não é possível usar as existentes. Não há compromisso nenhum nisso, apenas inteligência. O que interessa é o resultado.

E por mais que os fornecedores sejam os detentores da tecnologia de seu componente, eles são incapazes de projetar algo sozinhos, sem a supervisão do engenheiro do carro. É o engenheiro do carro que decide que tipo vai usar, como vai testar, analisa os resultados, faz modificações, pede alterações em processo e produto, acompanha a montagem na linha, assiste os testes em bancada, e finalmente assina a validação do componente em sua aplicação. Às vezes, se o componente não cumpre o prometido e o fornecedor não consegue resolver o problema, decreta até a troca do fornecedor, em detrimento a contratos comerciais firmados! Ele coloca os interesses do carro em primeiro lugar, e faz seu componente “de fornecedor” funcionar no seu carro. Sempre, seja em Gravataí, Resende, Detroit ou Tóquio.

Ou em Modena. Tanto hoje quanto 53 anos atrás.

MAO


É, o tempo passa... Eu ainda fumava nessa época! Ah, saudades de um Marlboro Lights....

http://www2.uol.com.br/bestcars/classicos/khamsin-1.htm

MAO