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Ford Pampa |

Vejam por exemplo a contínua e inexorável fixação da indústria por peruas off-road altas, que hoje atendem pelo pomposo e ridiculamente incompreensível nome de Sport Utility Vehicles, ou SUVs. Hoje em dia esta moda se expandiu a tal ponto que se pode comprar uma dúzia dessas peruas com motores de mais de 400 cv, e que prometem ser excelentes também em asfalto. Existem até algumas delas misturadas com cupês e hatches, em uma aberração genética que seria repelida como grotesca demais até pelo famoso Dr. Moreau.

Nunca tive a vida "ativa" apregoada pelos marketeiros que tentam vender estes carros. Nunca pulei de paraquedas de um penhasco, nunca fiz bungee jump, não ando em trilhas de bicicleta desde que saí da adolescência, e também parei de ir a praia com pranchas e/ou equipamento de mergulho quando fiz 18 anos. Mas já fui fazendeiro, tipo de pessoa que supostamente originou o gênero quando pediu à Willys americana uma perua baseada no Jeep que conhecemos como Rural, no pós-guerra americano. E desta bucólica aventura rural do MAO vem uma história automotiva bem interessante e reveladora, que gostaria de dividir com vocês.
Minha família produziu leite com vacas holandesas "breeded" lá mesmo em nossa fazenda perto de Juiz de Fora, por 15 anos. Meu pai na realidade ainda mora lá, mas a fazenda não produz mais e foi arrendada, já faz alguns anos, restando apenas os troféus de produção de leite expostos com orgulho pelo velho na sala. Durante o tempo que ela estava ativa, utilizávamos para trabalhos gerais uma Pampa 1,8-litro a álcool, produzida em 1992 e comprada zero-km para este fim. A Pampa foi na realidade meu único carro por alguns anos, quando estava às voltas com aquele empreendimento.

Uma vez, no Natal, fui até um chiqueiro no fundo de um morro enlameado para buscar nossa ceia (dois leitões e um porco adulto de mais de 100 kg), em que pensei não fosse possível sair novamente, mas consegui. Meu primo, homem de cidade, ficou impressionado com a valentia da picape e com o fato de que não foi necessária tração total para entrar e sair dali. Uma coisa me deixava tranquilo ao ir naquele chiqueiro: o dono dele tinha um Fusca, com o qual fazia entregas de porcos na região. Not a pretty sight...
Houve situações em que sabia que a Pampa não poderia se safar. Eram raras, mas existiram. Nessas situações, em que de qualquer forma nenhuma pessoa normal entraria com um automóvel, apelava para aquele acessório indispensável em toda propriedade rural: nosso velho trator Massey-Ferguson. Mas só para coisa braba, como ajudar vaca atolada a sair da lama ou coisa assim.
Como posso eu então levar a sério toda esta horda de aventureiros do asfalto, de adoradores de falsos ídolos, que rodam por aí aboletados em suas peruas sobre o asfalto liso? Para mim simplesmente não existe utilidade alguma para um SUV moderno. Meu pai neste tempo morava no Rio e ia todo fim de semana para o sítio. No início usou uma Blazer, mas estupefato com o desconforto dela nas estradas ruins (principalmente se comparada à minha genial Pampinha) acabou por trocá-la por uma Scénic, e ficar infinitamente mais satisfeito. A Scénic era mais confortável, econômica, veloz, espaçosa, durável...
Estas grandes peruas são apenas promessa. São a venda de uma ideia de mobilidade e liberdade que na realidade tem muito pouca utilidade, se não nula. Talvez se você quiser atravessar o Saara, ou as florestas da Papua-Nova Guiné com sua mulher e seus filhos, elas sejam úteis. Como se isso fosse acontecer de verdade... De novo, acho que é a idade, mas as coisas costumavam ser deliciosamente mais simples, e as pessoas não costumavam a sentir a necessidade repentina de andar por aí carregando 4 toneladas de perua preparada para situações que nunca irá enfrentar.
Existe gente para quem tração 4x4 tem utilidade, mas por necessidade profissional, coisa como busca e salvamento, militares, mineradores. E existe gente que, por esporte e diversão, se embrenha em caminhos impossíveis com seus jipes, e então precisam de sua extrema capacidade para tal coisa. São como meus amigos que participam de track-days: esportistas, gente com um hobby movido a motor. Nada contra eles, mas seus carros são como track-weapons: muito bons para a função que se destinam, mas quase sempre tem seu uso reservado aos tais eventos de fim de semana.
A Pampa, ainda por cima, se comportava muito bem no asfalto. O AP 1,8 a álcool era forte, e ela era extremamente rápida para a sua época, me dando alegria por ter escolhido esta versão porque, como já expliquei, nunca precisei do 4x4 (que era oferecido como opcional na época, com motor CHT 1,6-litro). Os excepcionais pneus Pirelli M+S eram realmente de uso misto, e faziam o máximo para dar aderência suficiente no asfalto, algo surpreendente mesmo. Certa vez, descendo para o Rio pela BR 040, tive um embate memorável com um XR3, seu piloto incrédulo que aquela picape toda suja de barro pudesse acompanhá-lo. Dentro da Pampa o jovem MAO, faca entre os dentes, se divertia horrores apesar da horrível posição de dirigir, muito próxima do volante.
E hoje penso, lembrando disso: quem precisa de um Cayenne? O enorme Porsche é infinitamente melhor no asfalto, mas duvido que mais divertido que aquela Pampinha. E não seria a melhor escolha para carregar enormes porcos abatidos para fora de chiqueiros de difícil acesso...
MAO
