É o caos. Hora e meia pra cruzar pouco mais de uma dezena de quilômetros.
Chego em casa e ligo a TV. Logo algum canal mostra imagens de helicóptero, exibindo a longa e lenta corrente sobre a pista.
Espere um instante. Eu já vi isso em algum outro lugar. Será que aquilo não teria algo a ver com isto?
Estranhamente, a linha de tráfego lembra um caminho de formigas. E formigas podem formar caminhos tão ou mais densos de tráfego quanto nossas ruas. Mas com uma diferença.
Alguém já viu algum congestionamento de formigas? Alguém já viu um caminho abarrotado de formigas paradas pela simples densidade de tráfego? Eu pelo menos nunca vi, por mais denso que estivesse o caminho.
Haveria algo que as formigas sabem e que ainda nos falta aprender para ao menos aliviar o problema de tráfego? Sim, há.
Formigas, abelhas e cupins, entre outros, são insetos com uma característica marcante que durante anos intrigou os cientistas.
Cada indivíduo possui capacidades físicas e de inteligência bastante limitadas, até mesmo quando comparados com outros insetos de hábitos solitários, porém a massa da colônia se comporta como um organismo extremamente organizado e inteligente, capaz de resolver problemas extremamente complexos até para nós.
Os biólogos não conseguiam reconhecer quaisquer sinais de uma inteligência central que conseguisse guiar cada formiga ou abelha individualmente a grandes distâncias da colônia, mas o comportamento inteligente era inegável.
Eles não achavam porque estavam procurando no lugar errado.
Em 1986, Craig Reynolds, especialista em computação gráfica e inteligência artificial, publicou um trabalho que sintetizava um conjunto de observações que ele havia feito de revoadas de pássaros e grandes cardumes de pequenos peixes.
Ele propôs um modelo onde cada indivíduo do "enxame" seguia apenas três regras simples:
- Coesão: mover-se para uma posição média entre os indivíduos mais próximos;
- Separação: mover-se na direção oposta ao do indivíduo ou objeto com que se possa colidir, mantendo uma distância de segurança;
- Alinhamento: Alterar a direção e a velocidade até que elas concordem com as médias observadas dos indivíduos mais próximos.
Craig Reynolds criou uma simulação em três dimensões de um conjunto de seres animados que seguiam estas regras. Aos seres virtuais ele deu o nome de "boids".
Os boids são hoje considerados a primeira forma de vida artificial a ser criada. Aqui se pode ver algumas simulações destes boids:
http://www.dcs.shef.ac.uk/~paul/publications/boids/index.html
http://cmol.nbi.dk/models/boids/boids.html
As três regras básicas dos boids possuem uma sutileza não observável à primeira vista.
Como cada boid decide o que irá fazer baseado na média de seus semelhantes mais próximos, o sistema é altamente colaborativo e resistente a falhas.
A tecnologia boid tem sido palco de várias linhas avançadas de pesquisa em robótica e automação.
Alguns especialistas debatem se o controle de vôo baseado em comportamento boid não seria um modelo melhor do que o utilizado atualmente.
Formigas seguem regras de natureza boid enquanto caminham. Elas não seguem regras semelhantes às humanas, como faixas de rodagem, sinalizações de movimento (lanternas, setas, luz de freio). Seu modelo de movimentação é de um "caos organizado", e o modelo colaborativo permite a cada formiga se mover para onde decidir sem ser barrada pelas outras formigas. Isto cria um fluxo com menores atritos internos, e que por isso move-se com menor dificuldade.
Quando o fluxo de formigas encontra um estreitamento (passagem no meio das pedras, por exemplo), o estrangulamento do fluxo tende a aproximar as formigas, e a regra de separação obriga as formigas a andar mais rápido neste trecho, enquanto a regra de coesão as faz diminuir a velocidade quando saem dele. Assim o fluxo de formigas permanece constante apesar do estrangulamento. Por isso não vemos formigas paradas como num congestionamento humano.
Em comparação com as pouco inteligentes formigas, nós, humanos, temos que negociar mudanças de faixa e nem sempre o outro motorista abre o espaço necessário. Também diminuímos nossa velocidade num estrangulamento de um acidente por mera curiosidade.
Enfim, apesar de nossa maior inteligência, temos um comportamento muito menos colaborativo.
A lição que as formigas têm a nos dar é exatamente a de que se cada veículo apresentasse um comportamento altamente colaborativo, teríamos um trânsito muito melhor que o atual. Não dá para garantir um trânsito sem congestionamentos, mas pelo menos algo de melhor qualidade que a atual.
As regras boid poderão futuramente fazer parte da programação de carros totalmente autônomos (que dispensem os motoristas).
Como o modelo boid é altamente tolerante a falhas, carros autônomos com essa programação poderão se mesclar no trânsito junto com carros dirigidos por humanos, e o aumento da frota autônoma progressivamente melhorará as condições de tráfego.
Até lá, que fique a lição das formigas e dos pássaros.
Coopere com os carros que estão ao seu lado para um trânsito melhor e propague esta cultura, ou espere que um computador faça o trabalho de formiguinha por você num futuro talvez nem tão distante.
André,
ResponderExcluirmuito bom mesmo o texto, não havia ouvido falar dessa tecnologia. Inteligentes nós, só se for para outras coisas, nunca para o trânsito. Nessa atividade, a maioria é totalmente ignorante.
E quem tem noção, por menor que seja, já ajuda muito.
André,
ResponderExcluirAcho que se os motoristas fossem mais educados, a coisa já iria melhorar muito. Essa curiosidade é que mata nesse tipo de situação que você citou. Já vi coisa parecida, sendo que o acidente é na pista vizinha. O pior é que todo mundo está com a cara fechada porque está com pressa de chegar ao destino. Contudo, na hora de acelerar e dar fluidez ao trânsito, não conseguem.
André,
ResponderExcluirAcho que se os motoristas fossem mais educados, a coisa já iria melhorar muito. Essa curiosidade é que mata nesse tipo de situação que você citou. Já vi coisa parecida, sendo que o acidente é na pista vizinha. O pior é que todo mundo está com a cara fechada porque está com pressa de chegar ao destino. Contudo, na hora de acelerar e dar fluidez ao trânsito, não conseguem.
O que vem atrapalhando a fluidez há decádas no Brasil é a noção equivocada de que a velocidade em absoluto pura e simples é que mata. Agora com a dissiminação dos radares piorou, radar de 60 km/h onde pode-se passar a 70 indicados no velocímetro sem problemas, mas todo mundo passa a 50... Em rodovias é uma baderna, policias frustrados que não passaram no concurso público (só pode ser esta a explicação) alugam a faixa da esquerda a 120 indicados e ainda apontam para o radar... Saidas de faról muito lentas, total desrrespeito, mesmo num carro 1-litro com ar ligado e 5 pessoas é preciso ser muito grosso para ser lento como esse pessoal. Vias que de plano passam a leve aclive, pronto, ninguém acelera para manter a velocidade. Será que o brasileiro é apaixonado por carros mesmo? Nunca vi um povo para ter tanto pânico de rotações e carga na aceleração do que nós.
ResponderExcluirEsse video mostra bem o que apenas um veículo lento faz com toda uma cidade: http://www.youtube.com/watch?v=Suugn-p5C1M
Não sei não... Lendo seu post me lembrei de como é o trânsito na cidade do Cairo, capital do Egito. E mais ou menos esse caos organizado aí citado.
ResponderExcluirTexto fantástico! Me espanta como as pessoas e as autoridades não raciocinam de modo a colaborar com a fluidez no transito. Quem mora em Brasília sabe o quanto os limites das vias são forçadamente baixos e a quantidade de sinais recentemente instalados. O problema é quando vem uma mula dum motorista e onde é 60 passa a 40. O que vem atrás atola o pé no freio e passa a 30. Pronto: o engarrafamento está feito. E assim vamos...
ResponderExcluirAbraços
Lucas
André,
ResponderExcluirAplaudindo de pé! Que texto, que explicação, que lógica! Você nos prestou um enorme serviço.
Se as pessoas não conseguem andar sequer a pé de forma organizada, o que dizer dirigindo um veículo... Triste realidade, com tamanha capacidade lógica e boa parte dos seres humanos ainda não a usa para o bem comum.
ResponderExcluiro que prova que somos piores que formigas, que decepção, hahahaha
ResponderExcluirAinda não fui esclarecido do motivo de muitos se acharem inferiorizados ou desonrados em dar passagem a outro carro. Outros, mesmo trafegando mais lentamente, se irritam ao serem ultrapassados, como se isso fosse “feio” ou depreciativo.
ResponderExcluirA olhadinha para ver o que aconteceu chega se tornar mórbida em casos de acidentes com vítimas ou atropelamentos. No fim de ano de 2007, na Penha/RJ, o motorista que estava à minha frente desceu do carro (deixando o mesmo no meio da pista e uma longa fila de veículos esperando) para ver uma mulher que fora atropelada, pediu para levantarem o plástico que estava sobre o corpo e depois quis barganhar a bolsa de compras de uma loja eletrônicos que a mulher levava, sendo repreendido pelos homens do Corpo de Bombeiros. Talvez uma formiga não procure se beneficiar com a tragédia ocorrida com seu semelhante...
André,
Brilhante texto, parabéns! Explicação legível e emprego de uma comparação com elementos da vida cotidiana, que podemos ver no jardim das nossas casas, mas que nem sempre observamos sua devida importância e profundidade.
Abraços.
Obrigado a todos pelos comentários e pelo apoio.
ResponderExcluirA educação e a atitude do motorista é o foco motivador do texto. Se o motorista fosse tão colaborativo com aqueles que o cercam, não haveria motivo para escrever este artigo.
É estranho quando falamos de uma solução tecnológica para resolver um problema causado pela má educação no trânsito.
As autoridades não ajudam, porque não educam, e ainda burocratizam o trânsito ao estabelecer velocidades sem flexibilidade.
Numa via de 60 km/h monitorada por radar, se o motorista anda a 67 km/h está dentro da lei, mas se for pego a 68 km/h já é pesadamente penalizado, como se a diferença de 1 km/h representasse um enorme perigo a todos.
Como gato escaldado tem medo de água fria, vários motoristas passam a andar abaixo do limite de velocidade como margem pra não serem multados numa cochilada com o acelerador. E o trânsito como um todo sofre.
Que fique o alerta.
Sem uma otimização do uso das nossas ruas e avenidas, de pouco vai valer grandes obras viárias.
Um pouco de educação no trânsito valeria por muitas obras de bilhões de dólares.