Fotos: autor
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A imagem tem clima californiano, mas é no Brasil, em Santa Catarina |
Meu destino era a pequena cidade de Tijucas, em Santa Catarina, para ser preciso o Celeiro do Carro Antigo, uma oficina de restauração especializada em carrocerias de madeira, as populares woodies. Eu já havia produzido algumas matérias envolvendo os automóveis que saíam de lá, também já tinha visto ao vivo algumas das máquinas do Gilberto Rufino, um homem que vem se dedicando a estudar a marcenaria dos carros.
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Em frente ao Celeiro do Carro Antigo uma dupla de Fords à minha espera |
Por mais que já tenha visto coleções e oficinas diversas, nunca poderia imaginar que encontraria naquela pequena cidade do interior catarinense algo que — para mim — seria referência. Teria a minha disposição dois automóveis, um Ford 1948 original, sem restauração (apenas alguns retoques ao longo da vida) e também um Ford 1946, automóvel completamente restaurado pela equipe da empresa. Seria o suficiente admirar aqueles belos automóveis, mas "quis o destino" que o dono da oficina, em sua tamanha hospitalidade, me reconhecendo com um verdadeiro irmão, me ofertou a direção dos carros. Ora, o que mais eu poderia querer? Escolhi o modelo de 1948 por ser o mais curioso, a versão standard dos Ford, conhecida como Super 6.
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O centro histórico de Tijucas combina com os automóveis, que formam um "diorama natural" |
Girei a chave no contato, liberei a energia na pequena alavanca e apertei o botão de partida. O motor de arranque, ainda girando na base dos 6 volts, pegou de primeira e o motor seis cilindros em linha se pôs a trabalhar. Foi inevitável soltar a frase "esse pega de estalo, hein!". Carro firme, estável e bonito, boa parte da estrutura de madeira ainda é original e só é possível descobrir os pedaços que foram reparados porque o próprio Gilberto me mostrou onde houve trocas dos painéis. Era de se supor "nhecos-nhecos" e demais rangidos, mas lhe garanto que o veterano do pós-guerra é mais silencioso que muitos dos carros de testes 0-km que tenho pego das frotas de imprensa dos fabricantes. Resultado de uma boa conservação e muita dedicação.
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O Ford 1948 é um Super 6, com motor de 6 cilindros em linha, um standard de época e sem restauração |
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O modelo de 1946, versão luxo, tem o tradicional V-8 flathead e foi restaurado |
Estava na beira da praia de Itapema, cidade vizinha a Tijucas, com uma prancha long-board — também de madeira — no teto do veículo. A enorme prancha com cerca de quatro metros de comprimento pertence ao Gilberto Rufino Júnior, filho do restaurador e que dedicou sua paixão às pranchas. Em comum, os dois gostam de suas coleções feitas em madeira.
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Na praia de Itapema (SC) a dupla mostrou-se muito fotogênica e disposta a competir com o cenário |
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Dois modelos que ficaram famosos e popularmente conhecidos como "carros de surfistas" |
Esse tipo de veículo virou sinônimo de "carro de surfista" e a explicação é simples. Mesmo existindo desde sempre, na terra do Tio Sam os woodies se transformaram em opção economicamente viável quando a indústria automobilística voltou com toda força no final da Segunda Guerra Mundial. Os automóveis eram projetos pré-1942, com o mínimo de aço em sua construção, tática usada para baratear o custo de produção e tornar possível a venda em larga escala. Em pouco tempo o fornecimento de aço voltou ao normal, os americanos doidos por veículos novos e com os bolsos cheios — graças à uma economia fortalecida pela venda de equipamento bélico — migraram para os novos modelos totalmente em aço. Com isso carros relativamente novos, feitos com madeira, desvalorizaram-se e a galera do surfe mergulhou de cabeça nesse tipo de carro, robusto, barato e espaçoso.
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Os carros da coleção do pai e as pranchas da coleção do filho, a madeira é motivo de paixão na família |
De volta ao volante da woodie, o passeio estava ótimo, mas eu queria conhecer um pouco mais sobre a arte da marcenaria automobilística, afinal, eu estava ao lado do brasileiro que é referência internacional no assunto, era hora de aprender um pouco. Além dos automóveis de origem americana que ficaram famosos com o apelido de woodie, por usarem madeira (wood em inglês) em partes da carroceria, o lugar também é dedicado a restaurar outros veículos que usavam madeira em sua construção. Então os automóveis feitos até meados da década de 1930 estão contemplados nessa história, já que usavam um esqueleto de madeira para sustentar a finas folhas de lata aparentes na carroceria.
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Automóveis fabricados até a década de 1930 também são o alvo da restauradora
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Um exemplo de automóvel encaroçado por iniciativa privada.
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Também não são esquecidos os caminhões do inicio da era do automóvel, que eram vendidos na forma de "torpedos", ou seja, chassi, mecânica e carroceria só na parte dianteira (até a parede corta-fogo), daí para trás o veículo chegava cru e cada proprietário fazia — à sua maneira — a carroceria, quase sempre em madeira. Esse tipo de veículo durante muito tempo foi o responsável por transportar todo o tipo de objeto na forma de caminhão e também levar e trazer pessoas, veículos que ficaram conhecidos como jardineiras e que tinham como conceito uma estrutura parecida com a de um bonde, com bancos enfileirados e carroceria aberta.
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Um utilitário com carroceria própria em madeira, este teve sua cabine alargada para que coubessem mais pessoas |
Dentro da oficina alguns projetos bem interessantes em restauração, como um Chevrolet 3800 com carroceria Suburban e capacidade para 15 passageiros, com carroceria de fabricação nacional, portando plaqueta de identificação da própria GM do Brasil. Em outro cômodo da oficina alguns outros Chevrolets, Mercurys e Fords aguardam o processo que permitirá a volta dos veículos às ruas.
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Chevrolet 3800 Suburban, o chassi de caminhão que foi muito usado como ônibus, tem emadeiramento oficial da GMB |
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Um Ford do mesmo ano, 1951, uma station wagon de duas portas, nostálgica com um quê de esportividade. | | | |
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Outra station wagon Ford 1951 em restauração |
Em processo final de restauração um interessante Chrysler Town & Country sedã (foto abaixo). O modelo conversível é bastante cobiçado e, por isso, muitos colecionadores dedicam-se a conservar esse tipo de carroceria. Já os modelos "fechados com quatro portas" foram esquecidos por um bom tempo, o que fez a configuração ser raridade até mesmo nos Estados Unidos, o país de origem.
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Na parede, um cartaz de época de um Chrysler Town & Country... |
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... e no mesmo ambiente a carroceria que terá suas peças metálicas substituídas... |
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... pela madeira que já está na estufa ao lado, tudo pronto e envernizado para a montagem do projeto |
A volta ao tempo nessa marcenaria dedicada ao automóvel é completa com ferramentas antigas — da época desses automóveis — e também técnicas contemporâneas aos carros, exceções feitas somente a algumas madeiras. O motivo é buscar o que atenda com maior durabilidade e confiança às necessidades de onde os veículos circularão, mas Rufino confessa que quase sempre opção é pelo material original mesmo.
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No maior salão, três Fords aguardam para receber o emadeiramento |
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As madeiras antigas servem para ornamentar as paredes da antiga e restaurada construção |
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Esses painéis retirados dos carros servem de referência para os novos projeto |
Em breve, o Celeiro do Carro Antigo se tornará um museu. Todo o centro antigo de Tijucas e seus casarões restaurados pelo colecionador formarão um gigantesco diorama a céu aberto. A idéia é propagar e ensinar a arte da marcenaria aplicada ao automóvel para crianças carentes e sem oportunidade de pagar por uma formação, um projeto que tem função dupla, profissionalizar o setor e capacitar jovens, os futuros restauradores que continuarão esse projeto, uma semente que Rufino plantou, mas há de crescer e produzir tantos frutos quanto as árvores que servem de matéria-prima aos belos automóveis que ali são restaurados.
PT
Parabéns ao sr. Rufino pelo bom gosto e esmero de seu trabalho, restaurador que merece nosso reconhecimento.
ResponderExcluirO Sr. Gilberto Rufino realmente merece admiração por seu trabalho e dedicação.
ExcluirUma honra ver uma matéria em minha cidade de criação, se soube-se que fariam a matéria teria aparecido pra dar um oi hahahhahaha
ResponderExcluirAngelo Jr,
ExcluirNa realidade fui a Tijucas no mês de Outubro, fazendo matéria para outro veículo de comunicação onde trabalho, aproveitei para tirar as fotos e colher as informações para soltar essa matéria em pleno verão.
Portuga, achei estranho você não fazer fotos dos carros com o Casarão Gallotti como pano de fundo, depois da reforma ficou um lugar realmente bonito!! Caso não saibas do que estou falando, se trata do do casarão que há vizinho ao galpão do Celeiro.
ResponderExcluirhttp://santacatarinaantiga.blogspot.com.br/2014/01/casarao-gallotti.html?view=magazine
Estive no museu, fiz algumas imagens lá, mas foi para outra matéria com o mesmo carro. Realmente o casarão é muito bonito também.
ExcluirCoisa fina essas carrocerias de madeira.
ResponderExcluirPortuga, conterrâneo ... Você matou a pau!
Jorjao
Jorjão,
ExcluirRealmente são muito bonitas e bem construídas.
Muito interessante, nunca imaginei que houvesse um mercado grande assim para os woodies por aqui, aliás achei que aqui eles praticamente não existiam. ELes também trabalham com encomendas do exterior?
ResponderExcluirCorsário,
ExcluirAté onde apurei eles trabalham com constantes restaurações, para clientes daqui e também do exterior. O Sr. Rufino parece dar a preferência por restaurar automóveis por completo, incluindo sua especialidade a marcenaria automobilística.
Itapema com ares californianos....gostei da comparação...
ResponderExcluirSergio,
Excluirquando vi aquela praia parecia que os visuais haviam se completado.
A avaliação do Up ! , saíra quando ?
ResponderExcluirMoisés_SP
ResponderExcluirNão deve demorar, os 70 carros enviados para o lançamento em Gramado estão voltando em cegonhas.
Chegou a ler o post de 2ª feira dia 3? Depois do lançamento foi atualizado com mais informações, como equipamentos de série e opcionais, mais fotos etc. Mas será feita em breve a avaliação "no uso".
Linda reportagem do Portuga. Já conhecia de outra reportagem em uma revista sobre clássicos. Quanto ao UP que o caro Bob promete no ¨uso¨, espero com 4 passageiros e ar condicionado,no ¨uso¨.
ResponderExcluirO Sr. Rufino já foi personagem de algumas matérias, eu mesmo já produzi, editei e reportei matérias com ele algumas vezes. Acredito que sempre vale pela curiosidade e beleza.
ExcluirCaro Portuga, seus passeios são sempre surpreendentes. Queria completar que após a segunda guerra, a Ford tinha quase todas as florestas americanas, por isso seguiu fabricando woodies até os anos 1950 e investiu na construção civil também. Por todo o país tem-se o hábito de fazer casas em madeira até hoje.
ResponderExcluirGrande Luiz,
ExcluirHouve uma época em que a Ford investia em tudo, borracha, madeira, plástico... mas no assunto madeira eles faziam de tudo, cidades inteiras, até o avião trimotor Ford foi feito em larga escala e com madeira.
Já havia lido sobre essa arte do woodies no Brasil há alguns anos, creio até que foi nos estágios inicias da empresa do Rufino.
ResponderExcluirAs fotos ficaram ótimas, o trinômio praia-woodie-prancha ficou perfeito.
Uma pergunta:
Há algum tratamento específico ou manutenção posterior que estenda a durabilidade da madeira e retarde o eventual ataque de flagelos como cupins, umidade e similares?
Quando eu era menino, vi esse tipo de serviço e havia uma calafetação. tipo um betume, entre madeira e chapa, uma cera grossa entre madeira e madeira e verniz em tudo, que deve ser lixado e refeito a cada dois anos, igual casa pré-fabricada em madeira ou barco ídem.
ExcluirA madeira, além de ser de altíssima qualidade, deve passar por um tratamento padrão ANTES do verniz, que também deve ser premium. Imagino que não dá para usar jatobá ou ipê, por causa do peso. Devem ser madeiras navais leves porém dimensionalmente estáveis e naturalmente resistentes aos elementos, como teca ou vinhático. A original é certamente uma madeira de lei de clima frio - tipo carvalho ou algum pinheiro do norte. Seria interessante se o Portuga nos elucidasse isso.
ExcluirLeonardo,
ExcluirNão sou perito em madeira, mas pelo que aprendi parece que o primeiro passo é a escolha da madeira que deve ser resistente, maciça e envernizada.
Em meu achismo acredito que uma cera de boa qualidade deva ajudar, mas ou procurar aprender mais sobre isso.
Genial, como sempre!
ResponderExcluirPara quem gosta de Woodys: http://www.youtube.com/watch?v=_F8UCfg4hZM
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Eu acho que o Mr.Car vai gostar dessas "barcas americanas" emadeiradas...
ResponderExcluirÉ a praia dele.
Mas que nao venha com gracinhas, dizendo que essas peruas sao esportivas demais e que prefere os sedans... e bla bla bla.
Mr. Car não gosta de madeira, pois têm medo dos cupins.
ExcluirPerfeito carro de surfista!
ResponderExcluirEm contato com a água salgada, maresia, etc, quanto mais madeira e quanto menos aço, melhor!
Otimo post...mas fiquei bem interessado nessas pranchas de madeira...algum site onde tenha mais fotos dela? Ou o contato do sr gilberto jr?
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