Em 2006 houve a 24ª edição do Salão Internacional do Automóvel de São Paulo, e para este evento a FEI levou alguns de seus carros experimentais. Um deles foi o modelo FEI X-1 (foto acima), uma reconstrução fiel do modelo original que havia sido perdido ao longo dos anos. Como um dos integrantes da equipe que o reconstruiu, quero contar um fato que para nós até hoje não é bem claro, mas foi muito forte na história deste projeto.
No começo daquele ano foi decidido quais seriam as propostas para o Salão, entre eles o Astra elétrico que já falamos aqui, e o X-1, que foi o primeiro veículo experimental que a FEI construiu. Tradicionalmente a letra "X" (de eXperimental) é utilizada para batizar os veículos protótipos, e o número 1 por ser o primeiro da linhagem. O X-1 é um veículo tracionado por um motor Renault original de Gordini e que também possui um hélice traseiro para propulsão aerodinâmica quando este está sobre a água. Sim, o conceito era um anfíbio, mas somente em versões posteriores é que ele foi testado na água.
O X-1 original, de 1968 |
Em 1968 este veículo nasceu e foi dirigido pelo professor Rigoberto Soler (falecido em 2004), responsável pelo Departamento de Engenharia Mecânica Automobilística da então Faculdade de Engenharia Industrial (hoje Centro Universitário da Fundação Educacional Inaciana), desde as instalações da FEI em São Bernardo do Campo até a Bienal do Ibirapuera. Até o prefeito Faria Lima fez questão de andar naquele carro tão diferente e futurista.
Professor Rigoberto Soler |
Trinta e oito anos depois, iniciamos a reconstrução do X-1, marco histórico da faculdade e um dos principais responsáveis pelo início da tradição na engenharia automobilística no Brasil pela FEI. Havia contudo uma dificuldade, os projetos originais haviam se perdido ao longo do tempo, e nos arquivos só encontramos alguns desenhos simples e fotos da época. A solução foi utilizar os desenhos como base e as fotos como guia para complementar o projeto.
Primeiros passos da reconstrução do X-1. |
Muita coisa foi feita e refeita até conseguirmos deixar o modelo o mais autêntico possível, mas ainda faltavam muitas informações, especialmente dos itens internos como a estrutura que sustentava o grande anel ao redor do hélice e o acionamento do leme direcional, pois não havia registros. Esta era justamente a parte mais marcante do projeto, e não poderia dar errado.
Certa tarde naquele começo de ano, uma figura entrou no galpão onde os trabalhos eram feitos, um pouco desnorteado mas com olhar de quem conhecia o lugar. Aproximou-se e ficou olhando o que estava sendo construído alí, sem falar nada. Um tempo depois perguntou sobre o professor responsável do lugar, Ricardo Bock, que logo depois apareceu no galpão.
Depois fomos descobrir quem era aquela pessoa, um senhor oriental já com seus cinquenta ou sessenta anos, e que olhava o lugar como feição de boas memórias, pois com certeza tinha: ele havia sido um dos integrantes da primeira equipe formada por Soler para a construção dos veículos experimentais da FEI, o engenheiro Ricardo Okubo. Ele havia feito o X-1 original em 1968.
O X-1 sendo consrtruído em 1968, Ricardo Okubo à esquerda de óculos |
Okubo trabalhando no anel do hélice do novo X-1 |
Foram meses de ensinamentos, tanto de engenharia como de vida, de uma pessoa que teve uma passagem árdua pela Terra, e voltou como se estivesse escrito no seu destino que umas das suas últimas tarefas era reconstruir o carro que trinta e oito anos atrás lhe deu tantas alegrias como em 2006, tarefa que Okubo cumpriu com orgulho e muita felicidade, dia após dia. Meses depois do Salão, Okubo veio a falecer.
Ainda hoje não sabemos bem o que trouxe aquele senhor tímido, com olhar atento e sotaque oriental de volta para o Brasil e logo para a FEI. Ele mesmo não soube explicar por que naquela tarde entrou pelo portão do galpão e por lá ficou. Coisas da vida que não explicamos. Valeu, Okubo!
fotos: arquivo FEI, autor, J.G.G.P.
MB
Não sei se minha msg anterior entrou. No entanto, só tenho a agradecer pelo texto maravilhoso Milton. Sonhei em poder fazer a FEI, quando deparei-me um verdadeiro apaixonado por automóveis e automobilismo. No entanto, como moro no Rio de Janeiro o sonho ficou um pouco distante. As raízes e responsabilidades já adquiridas me desencorajaram a encarar esta aventura.
ResponderExcluirMuito obrigado mesmo.
Fred
MB,
ResponderExcluirde arrepiar, hein ? Qual foi a mecânica usada na réplica ?
AC, exatamente a mesma, motor e transmissão Gordini.
ResponderExcluirBelli, você da aula la na FEI?
ResponderExcluirabraços
Cara, é desse tipo de texto que faz o Autoentusiastas.
ResponderExcluirMuito obrigado por apresentar esta figura ilustre.
Parabéns Milton.
MB,
ResponderExcluircoisas assim são feitas pelo Camarada Lá de Cima, que sempre dá uma mão nas tarefas honradas.
Que legal deve ter sido conviver com um dos responsáveis pelo nosso diploma !!! Que ele esteja bem.
Bela história, obrigado.
Vamodoido, não dou aula não.
ResponderExcluirJJ, realmente foi algo para não se esquecer nunca.
abs,
Milton,
ResponderExcluirTem coisas que a gente não consegue explicar, apenas viver, esse reencontro foi um desses fatos. Sem explicações lógicas ou convencionais. A nós resta apenas viver o momento.
Orgulho da minha faculdade!
ResponderExcluirCaro Milton,
ResponderExcluirFui estagiário do CPV (centro de pesquisa de veículos - assim se chamava na época)da FEI, entre 1975 e 1978... bons tempos, boas lembranças...
Um vez ligamos a turbina do Gloster Meteore (que fazia parte do projeto TALAV) na porta do galpão. Incendamos 1 carro de um professor e a mata que ficava do outro lado da rua....
Este post reacendeu boas lembranças...
Bom dia,
Marcelo Foresti
MB
ResponderExcluirNão foi por acaso, pode ter certeza.
História para contar aos filhos essa.
Sempre admirei esse processo de reconstrução de carros antigos a partir de fotos antigas.
Belli,
ResponderExcluirSEN-SA-CIO-NAL essa história sua.
Feiano como você, fiquei especialmente tocado. Grato por dividir com a gente.
MAO
Muito legal, coisas que só Deus explica...
ResponderExcluirPor falar em TALAV, o conceito não seria, por acaso, aplicável hoje?
São tantas idéias que ficam pelo caminho...
O melhor é nem tentar explicar.
ResponderExcluirSó se deliciar com a história e reverenciar o velho Okubo.
Parabens Miltão, belo texto e ótima história.
Romeu
Quando eu entrei na FEI, em janeiro de 1968, a construção do X-1 já havia sido iniciada.
ResponderExcluirUma greve de dois meses parou a faculdade.
Nós, os "calouros", assistíamos a todas as manobras. Os alunos mais velhos como o Okubo, juntamente com o Prof. Soler continuavam a trabalhar no carro.
Aos calouros afeitos a coisas dos automóveis, nos restou a alternativa de vez por outra, irmos ao galpão dar uma espiada naquele sonho. Finalmente o carro ficou pronto. Sobre isso não preciso falar mais nada pois o Milton contou a história muito bem.
Anos mais tarde, o original foi destruído, por mãos insensíveis. Prefiro nem comentar esse fato.
Em 2005, voltei à FEI, agora como professor do curso de graduação e novamente vi a construção do X-1. Era toda uma história repassando na minha frente.
O Professor Ricardo Bock, um maluco no bom sentido, junto com meia dúzia de alunos apaixonados resolveram reconstruir essa jóia rara. Eu fui testemunha novamente da construção deste segundo carro. Me trouxe muitas lembranças e por que não dizer muita saudade? Ví essa moçada nova trabalhando com afinco como aqueles jovens de 1968. Noite sem dormir. Ví o Okubo, um moleque de 60 anos trabalhando com o mesmo entusiasmo que tinha, trinta e oito anos antes. Na edição do Salão do Automóvel o carro estava pronto. Tal e qual a versão original.
E o Okubo? Com o mesmo jeito sério de trabalhar, apresentava o mesmo brilho nos olhos. Um ou dois anos depois ele se foi e já não está entre nós. Foi construir protótipos em outros mundos, mas deixou sua marca. O resultado foi esse.
Parabéns Okubo, pelas duas vezes em que construiu o X-1!!!
Parabéns àqueles que construíram o primeiro X-1, inspiração para tantos e tantos engenheiros mecânicos automobilísticos que hoje trabalham nas mais diversas indústrias automobilísticas e fornecedores!!!
Parabéns Miltão e equipe que reconstruíram o X-1!!!!
Marco Lima, talvez com algumas adaptações, o conceito poderia ser usado sim, como uma espécie de trem-bala.
ResponderExcluirabs
Obrigado Romeu! Que ele esteja fazendo carros onde estiver.
ResponderExcluirWaldemar, obrigado pela contribuição, você foi mais uma testemunha e colaborador desta história!
abs,
MB,
ResponderExcluirQue história!!! Valeu mesmo!
Talvez Okubo tenha cumprido sua jornada com a reconstrução do X-1, talvez tenha faltado um detalhe no original, que foi corrigido no "X-1.02", até mesmo sem a nova equipe saber.
Vocês sabem como estes insights acontecem... Num sonho saudosista, ainda no Japão... hehehe
Okubo com certeza foi intuído para voltar à FEI, exatamente naquele momento (eu não acredito no acaso), talvez até intuído por outro integrante da equipe já desencarnado.
Que doidera!
Sds
Convivi essa epopéia,sonho imorredouro que necessita ser divulgado formando mais e melhores engenheiros.È na faculdade que os sonhos decolam livres enquadrados pelos ideais de servir a humanidade ,livres de maus pensamentos.
ResponderExcluirInfelizmente a pesquisa não é vista como investimento rentavel pelos economistas teóricos do Planejamento Imediatista.
Eng. arquiteto Vicente Bicudo
Milton, muito bom o texto e OBRIGADO de coração pela singela homenagem ao meu PAI "Ricardo Masataka Okubo" †11/09/2008.
ResponderExcluirCaro, Milton;
ResponderExcluirFiquei emocionada com sua postagem! Lembro-me, vagamente, das vezes que meu pai nos levou ao estúdio do Rigoberto Soler. Em meio a tantas maquetes, protótipos, fibras de vidro e outros materiais, assistíamos ao entusiasmo e dedicação dele. Obrigada pelas lembranças!
Abraços!
Charmaine Okubo.
Linda homenagem ao meu VÓ !!! Adorei a postagem !!
ResponderExcluirGiovanna Sayuri S. Okubo .
Minha filha Ornela Jacobino acaba de entrar (em 2014) na FEI para estudar engenharia civil. Ela é bolsista integral pelo PROUNI. Ontem eu contei para ela o que eu lembrava da história do FEI X1, o qual havia visto "o original" num Salão do Automóvel no século passado. Achei essa reportagem e já "linkei" para ela. Viva a internet! Muito obrigado.
ResponderExcluirJúbilo, a internet inclusive ajudou na recriação deste carro, como fonte de pesquisa. Boa sorte para ela no curso!
ExcluirParabéns pela matéria, Milton. Como Feiano, formado em engenharia mecânica com ênfase em automobilística em 88, lembro-me bem dos protótipos no canto do galpão empoeirando com o passar dos anos. É muito bom saber que parte da historia dos anos dourados da FEI está sendo restaurado pelo Prof. Ricardo Bock. Grande professor. Ele é um daqueles raros professores que passa a paixão pelo que faz aos alunos. Nunca vou esquecer a incrível aula do Luiz Alberto Veiga sobre conceitos de design, inclusive da VW, a convite do Mestre Bock, fazendo verdadeiras obras de arte do Logus / Apolo e demais modelos. Inesquecível. Inenarrável. Indescritível. Somente estando lá para crer. Como autoentusiasta, parabenizo a vocês pelo blog. Impossível não acompanhar as estórias (e historias) repletas de conhecimento e paixão pelo automóvel.
ResponderExcluirMarcos, obrigado pelos comentários, todos nós do Ae tentamos trazer a todos um pouco de nossas experiências e também aprendemos muito com todos os comentários e convivências. Infelizmente nem tudo na FEI pode ser salvo e preservado, o X-1 e o X-3 foram dois marcos na história da faculdade que mereciam ser preservados. O X-3 pelo menos ainda existe o original e conseguimos trazê-lo de volta à vida.
Excluirabs.