O Citroën 2CV foi produzido de 1948 a 1990 e chegou a 3,8 milhões de unidades. Pode-se afirmar sem medo de errar que nunca existiu nada parecido com ele. Foi projetado antes da Segunda Guerra Mundial, mas o conflito ocasionou o atraso no seu lançamento, tanto quanto o Volkswagen sedã e o DKW com motor de três cilindros. Seria preciso um livro para descrever todos os seus pormenores e soluções brilhantes, mas quero falar de um especialmente: a suspensão.
Grupo motopropulsor e suspensão (raio-x tamegoesworld.com) |
O desenho acima mostra o grupo motorpropulsor completo mais freio e suspensão dianteira. Aliás, note os tambores de freio internos, junto ao transeixo e não nas rodas. Outra característica notável era o freio de estacionamento agir sobre as rodas dianteiras, e não nas traseiras, como é habitual. Com isso, numa eventual falha hidráulica do freio de serviço, o motorista dispunha de um freio de emergência agindo nas rodas que realmente interessam ser freadas. O arranjo prosseguiu no DS, BX, XM e Xantia.
Cada braço de um lado era ligado ao correspondente do mesmo lado por uma mola helicoidal bem comprida e que funcionava dentro de um tubo, longe dos efeitos da água e principalmente do sal jogado nas ruas no inverno rigoroso. A mola funcionava por tração.
Voltando à suspensão, ela é independente nas quatro rodas por braço empurrado na frente, como visto acima, e arrastado atrás, com a mesma disposição básica. E o amortecedor, onde está na figura acima? Ele é a peça cilíndirica de grandes dimensões que aparece junto da roda. Observe que ele não está ligado a nada, está ali, sozinho. Como funciona como amortecedor, então?
Esquema do batteur (www.fregate.info) |
O 2CV empregava amortecedor de massa (mass damper). Funciona contra-atacando os movimentos da roda. A ideia é tão boa que esses amortecedores são usados nos prédios altos e pontes para amortecer vibrações do solo e proteção da ação dos ventos. A ponte Rio-Niteroi tem um sistema de amortecimento baseado nesse princípio. Mas o amortecedor de massa, chamado batteur em francês, teve outra aplicação recente:
O Renault R-25, que usou o batteur, item que foi proibido pela FIA (ultimatecarpage.com) |
Exatamente, num carro de Fórmula 1. Em 2005 a Renault aplicou um batteur no nariz do R-25. Destinava-se a manter a frente mais quieta, com menos variação de altura e com isso manter o fluxo de ar sob o carro mais constante. Mas a FIA entendeu como alteração da aerodinâmica com o carro em movimento, o que é proibido, e baniu o batteur. Tecnologia do 2CV num F-1!
Mas a suspensão do 2CV, apesar de todo o mérito, tinha um problema associado a todo projeto de braço arrastado: a cambagem das rodas varia na mesma proporção da inclinação do veículo nas curvas, o que é indesejável. Aliás, ocorre até com os eixos de torção.
A foto acima mostra claramente o que acontece com as rodas numa curva em que o carro inclina. Não que represente algum perigo, mas a aderência dos pneus diminui nessa condição. E no caso do 2CV a variação de cambagem é igual nos dois eixos, mantendo o equilíbrio do carro.
Quem já teve a oportunidade de examinar um 2CV de perto fica abismado como a carroceria balança ao ser pressionada uma extremidade ou lado, parece gelatina de tão mole. Mas andando nada disso acontece, pois os batteurs entram em ação e mantêm o carro livre de oscilações indesejadas.
Pela engenhosidade e eficiência, para mim o Citroën 2CV está em quarto lugar entre os cinco grandes carros do século 20, junto com o Fusca, Ford modelo T, Mini e Jeep Willys.
BS
Este foi um carro muito bem bolado mesmo. Até para lavar ele era muito bom, um só parafuso solta os pára-lamas traseiros.
ResponderExcluirA posição dos tambores de freio, juto ao diferencial, privilegia a inércia das rodas que fica menor, pois o peso do conjunto é menor. Aliás o Tropfenwagen de Edmund Rumpler também usava esta solução.
Lá no Museu de Tampa tem um modelo Safari, com dois motores, um na frente e outro atrás, um barato!
Realmente dá pra escrever um livro sobre este carrinho que nasceu caolho, pois a primeira série tinha somente um farol de um lado por motivos de custos...
Saudações
Alexander Gromow
Gostaria que esse carrinho tivesse sido produzido aqui no Brasil... Barato e bom, como Fusca.
ResponderExcluirUm carrinho muito engenhoso, sem dúvida. E também bastante robusto. Não é difícil ver um desses rodando por terras argentinas.
ResponderExcluirAchei interessante a lista dos "5 mais", embora eu creia que só 5 carros, por melhores que fossem, não conseguiriam representar um século tão "automotivo" quanto o XX. Senti falta dos citroen DS e 11, do Fiat 500, do Chrysler Airflow, Lancia Thema, Tucker Torpedo, do DKW f1, mas aí a lista tenderia ao infinito...
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirSalve o 2cv e seus admiradores. Viva a inteligência a serviço do automobilismo, que de marketing estamos fartos. De todos os da sua lista, Bob Sharp, ele deve ser o de produção menos dispendiosa. Imagine o quanto custaria hoje produzi-lo na Índia.. Difícil pensar em algo mais básico. Agora, nesses cinco não entrou nenhum carro mais sofisticado - são três ultra compactos e dois jipes (o Modelo T transpunha barrancos de meter medo). Será que isso significa que, na sua opinião, no séc. 20 a indústria trabalhava melhor fazendo carros mais simples? Obrigado pelas informações.
ResponderExcluirLollypop
ResponderExcluirhttp://www.youtube.com/watch?v=6LrE9OEqerc
Vi pouquíssimos 2CV até hoje. Os dois que me marcaram, se não foram os únicos, foram justamente o primeiro e o último.
ResponderExcluirO primeiro foi visto em Joinville, SC, estacionado defronte ao prédio onde eu morava aos 12/13 anos de idade. Como bom fanático por carros, desci para vê-lo de perto, claro. Era verde, com placas argentinas. Algum tempo depois, o dono chegou, deu partida (até o som do motor de arranque dele é feio...) e foi embora.
O último foi em São Paulo, acho que por volta de 1998: um bordô e preto (série Charleston), com um adesivo no vidro traseiro onde se lia "de 0 a 100 km/h em 15 minutos".
Citroën 2CV. Feio? Pode ser. Lento? Talvez. Genial? Sem dúvida!
O 2CV teve um momento de glória cinematográfica,em um filme de 007,quando conduzido por Roger Moore,fez misérias fugindo dos inimigos,inclusive capotando e seguindo em frente.Agora,essa do freio de mão,eu realmente não sabia,foi realmente uma ótica sacada,infelizmente não copiada. Como dizem os amantes do 2CV,"ou você os adora ou não os entende".
ResponderExcluirBS, esse carro tinha uma conexão elástica entre os braços dianteiros e traseiros, como é uma barra estabilizadora, mas que trabalha longitudinalmente, não é verdade?
ResponderExcluirAh, antes que eu me esqueça.
Esses sistemas de amortecedores de massa são muito empregados em foguetes, para reduzir o nível de vibração sobre as cargas úteis e o sistema de navegação.
Bob,
ResponderExcluirSe as inovações do 2CV rendem um livro, não deixe de fazer mais posts sobre elas!
E pensar que fizeram chacota quando ele foi apresentado, os jornalistas logo o apelidaram de "guarda-chuva sobre rodas". Nem imaginavam que viria a se tratar de um dos automóveis mais importantes da história.
Duas curiosidades sobre o que vc escreveu. Primeiro: como a ligação entre os braços de um mesmo lado afetava o comportamento dinâmico? Segundo: quais as vantagens e desvantagens dos freios montados internamente e por que não vemos mais projetos com eles?
Um grande abraço
Caio Cavalcante,
ResponderExcluirA expressão "guarda-chuva sobre rodas" não era chacota de jornalista, não. Ao contrário, ela constava do briefing definido pelo engenheiro Pierre Boulanger para o 2CV.
Um abraço,
Paulo Levi
Um automóvel interessantíssimo, sem dúvida alguma. De uma simplicidade e elegância técnica que só encontra pares entre os outros quatro que com ele compõem a lista dos "Top 5" do Bob Sharp, na qual este humilde amador assina embaixo.
ResponderExcluirGuilherme,
ResponderExcluirQuem sabe o 2CV fosse feito aqui caso se concretizasse a venda da Puma para a Citröen em meados dos anos 1970?
Lollypop
ResponderExcluirParece que o tombamento foi ocasionado por passar com a rodas internas sobre algo. Como nesse vídeo, em que Michelle Mouton capota com um Audi quattro S1 num estádio, ao subir de mau jeito na lavadeira. Veja em http://www.youtube.com/watch?v=09oXzMovXKY
Caio Cavalcante
ResponderExcluirO Paulo Levi já esclareceu, o guarda-chuva sobre rodas era premissa de projeto. Sim, a interligação dos braços do mesmo lado pela mola da suspensão fazia a roda traseira acompanhar a dianteira quando esta passava por um obstáculo, reduzindo a perturbação. A vantagem do freio interno é reduzir o peso não suspenso, porém o arrefecimento é mais difícil. Além disso não é muito confortável, do ponto de vista de segurança, depender da semi-árvore para que haja freio na roda. Consta que foi a quebra de uma homocinética que fez o Lotus 72 C de Jochen Rindt desviar fora de controle ao frear para a curva Parabólica de Monza, acidente que lhe foi fatal em setembro de 1970. O carro tinha freios dianteiro internos.
brauliostafora
ResponderExcluirClaro que há bem mais expoentes, como os que você enumerou, mas esses cinco que citei realmente inovaram e influenciaram a mobilidade.
André Danras
ResponderExcluirCorreto, age igual.
Como todos os Citroën anteriores à marca pertencer ao grupo PSA, genial. Da época em que se dizia que na França existiam duas marcas de carro: a Citroën e o resto.
ResponderExcluirTive oportunidade de ler um ótimo texto que saiu sobre o 2CV na revista portuguesa Motor Clássico, e tudo aquilo que faltou em design eles investiram em engenharia. Só achei definitivamente muito estranho aquele câmbio que parecia um guarda chuvas espetado no painel. Até já ví diagrama de como eram efetuadas as trocas de marcha, mas continuo achando estranhíssimo.
Já andei e dirigi um na Argentina...que carrinho bom pra lidar com terreno ruim. Pra desmontar é só tirar meia duzia de parafusos que a carroceria sai do chassi, mas o que mais me impressionou mesmo foi a construção da suspensão, pra trocar um pneu tem que levantar muito ele, a roda parece que nunca vai sair do chão.
ResponderExcluirBob,
ResponderExcluirMais um post excelente!
Não conhecia quase nada sobre o 2CV, me parece que no quesito originalidade bate o Fusca fácil, fácil.
Fiquei curioso quanto ao amortecedor; estranho mesmo tal tipo num carro.
usava óleo ou trabalhava a seco?
Bob,
ResponderExcluirSe tiver um tempinho sobrando, já pensou em escrever sobre o Xantia Activa?? Se precisar de mais detalhes pode me mandar email, temos 3 em casa mas apenas um é o Activa, V6 caixa manual e fase II. O carro é fantástico. Esse não sabemos ao certo quantos existem no Brasil, fese I tem bem mais do que o II.
Abraços
Vitor
Bob, há alguma desvantagem especial para não vermos amortecedores de massa sendo usados em ampla gama nos carros de série? Falo isso porque a peça é tão compacta que, se aplicada em uma configuração de suspensão mais moderna (McPherson, braços duplos ou multilink), economizaria uma barbaridade em espaço interno.
ResponderExcluirJá que lembraram das dificuldades de refrigeração de freios internos, vai que de repente os tais amortecedores de massa tenham algum problema que acabem por justificar a continuidade do uso dos tradicionais.
Bob,
ResponderExcluirO Citroen Dyane foi uma evolução do projeto da "Deuche" (assim chamavam carinhosamente o 2CV na França)?
[ ]'s
Bianchini,
ResponderExcluirEu tive um Citroën Dyane (também citado pelo Harerton aí em cima), e o câmbio era igual ao do 2CV. Você não imagina como era fácil e gostoso de usar. Quarenta anos depois, ainda lembro da posição das marchas. Pena que a Citroën tenha abandonado esse sistema, e que outros fabricantes não tenham se interessado em utilizá-lo.
Sem dúvida um automóvel muito interessante!
ResponderExcluirAgora, qual é a origem do nome "2CV" para esse carro? Por acaso, em algum momento do começo de sua história, ele teve mesmo um motor de 2 CV de potência??? (uma vez me deram essa como a justificativa para o nome, mas achei que seria impossível)
Outro modelo muito interessante era o Citroën Traction Avant (1934 a 1957). Inovava com tração dianteira e carroceria monobloco, assinada por Bertoni. Curiosa era a posição da caixa de marchas, à frente do motor. Certamente suas inovações também dariam um ótimo livro.
ResponderExcluirNão só de glórias viveu o ‘Deux Chevaux’. Dizem que um piloto de avião não ficou nada satisfeito por adquirir o carrinho: http://www.youtube.com/watch?v=ARJEAoOV9qU
ResponderExcluirAlexandre, o "2CV" do nome dele refere-se à chamada "potência fiscal", que é a medida francesa de taxação de automóveis. Outro exemplo de carro francês cujo nome deve-se a isso é o Renault 4CV.
ResponderExcluirColocar um 2CV numa curva, como na foto, deve ser uma experiência bem interessante... hehehe
ResponderExcluirOlá a todos. Sou argentino é quero lhes comentar que no meu país o 2cv se fabricou até 1990 (os últimos modelos se chamaram 3cv). Realmente o carrinho foi um prodígio da engenharia, pois com tão pouco nenhuma outra fábrica fez algo tão bom.
ResponderExcluirO que Bob fala da suspensão é tão certo, que a Citroen da Argentina fez um concurso para ver quem conseguia tombar o carro. Quem o lograsse, levaria um 3cv Okm. Depois de muitissimas tentativas sem sucesso, o piloto Ruben Di Palma teve a idéia de dirigir de ré e dobrar bruscamente. Só assim conseguiram "volcar" a "la rana". Abrazos.
Mais uma coisa: por favor, acessem esta pagina http://www.atp.com.ar/post/Pisteros/99037/Tata_Nano_vs_Citroen_3cv.html
ResponderExcluirvão ver um comparativo entre o Citroen 2cv e o Tata Nano.
Mais uma prova de como o 2cv era um verdadeiro carro popular, e bem à frente do seu tempo.
Rua Bambina 35, Michel............lembra ?
ResponderExcluirPaulo Levi e Bob,
ResponderExcluirObrigado pela informação. Pelo visto tinha informações erradas!
Grande abraço
Ele foi o fusca francês, perdendo somente para o VW no quesito robustez extrema.
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