google.com, pub-3521758178363208, DIRECT, f08c47fec0942fa0 DISTORÇÕES DO DIREITO SEM LIMITE - AUTOentusiastas Classic (2008-2014)

DISTORÇÕES DO DIREITO SEM LIMITE

O caso do setor jurídico da Volkswagen exigindo a retirada de desenhos reestilizados da marca exibidos no blog “Irmão do Décio” ultrapassou os limites dos apreciadores de automóveis e tomou o noticiário de internet. O caso em si já teve desdobramentos e foi larga e fartamente discutido pela internet brasileira, e dispensa qualquer comentário específico aqui.

Não é este caso específico que irei analisar, mas um modelo muito maior no qual ele se encaixa, e que quase nunca é observado pelo internauta e pelo entusiasta. Estarei falando das questões da propriedade intelectual, de algumas das várias facetas que ela apresenta, das distorções que nascem a partir dela, e como ela se relaciona com o mundo automotivo.

Falarei bastante sobre software, não só porque lá estas questões estão bem destacadas, servindo de modelo para entendermos algumas transformações que estão acontecendo na nossa relação com o automóvel, mas também porque surgem problemas da própria incorporação acelerada de software nos veículos.

No passado, controlava o mundo quem controlava a produção, enquanto hoje controla o mundo quem controla o saber.

Hoje vivemos a era do pensamento, onde o saber vale muito mais que o fazer.

Conhecimento e experiência não são atributos reprodutíveis com facilidade, mas produtos finais acabados são.

Produtos de cunho intelectual, tão valiosos, precisam de mecanismos de proteção por sua característica imaterial. Enquanto bens materiais oferecem uma dificuldade natural de serem produzidos, os produtos puramente intelectuais demandam grandes esforços e investimentos para se obter a matriz original, enquanto suas cópias são reproduzidas de forma fácil e barata.

É aqui que surge a figura do pirata, que nada investiu na produção da obra original, mas sai lucrando com as cópias ilegais que produz.

Há diversos mecanismos de proteção intelectual, cada um focando um tipo diferente de fruto da inteligência humana. Há mecanismos para marcas, patentes, direitos de propriedade de autoria, leis de software etc.

Estes mecanismos existem como forma de estimular o empreendedor no seu trabalho de criação intelectual.

Em países diferentes há entendimentos diferentes de cada um destes mecanismos.

Enquanto nos Estados Unidos, por exemplo, é reconhecido o direito de patente sobre software, aqui existe uma legislação de software específica, já que nossa visão é que software não é patenteável.

Enquanto lá as empresas possam entrar em enrascadas judiciais por violação de direitos de patentes, até mesmo pela evolução natural de seus produtos, a legislação brasileira não só permite, como estimula a similaridade funcional dos softwares.

Esta diferença causa a primeira distorção perceptível.

Enquanto alguns produtores de obras intelectuais podem se sentir mais protegidos em países com legislação mais rígida, seus concorrentes podem se sentir mais estimulados a desenvolver e vender seus produtos em países com legislação mais branda.

Não existe um consenso de qual sistema é melhor, embora saiba-se que a competição é benéfica para a evolução dos produtos, competição que é dificultada pelas legislações mais rígidas.

É importante notar que cada automóvel é resultado de um longo processo intelectual. Cada componente ou conjunto pode estar ligado a uma ou mais patentes, e também é fruto de um processo criativo de desenhistas e engenheiros. Há desenhos e especificações que foram gerados por alguém, portanto são todas obras de cunho autoral, protegidas pela lei.

Até bem pouco tempo este fato era negligenciado, imaginado como mera fase do processo de realização do produto acabado. Mas essa percepção tem mudado.

Um automóvel também carrega um complexo conjunto de marcas, desde a marca do fabricante principal e modelo , bem como a marca de vários fornecedores de peças originais.

Na última década, quem é da área de software tem assistido a evolução de um novo modelo de negócios. Este novo modelo diz que não se ganha dinheiro com plataformas, mas se ganha muito dinheiro com o que existe e se faz em cima da plataforma.

O exemplo clássico desta mudança é visível no Google, do qual todos usufruímos sem pagar um tostão por recursos cada vez maiores, melhores, mais sofisticados e ainda assim fáceis de usar, e que por isso mesmo vem desafiando a outrora toda-poderosa Microsoft (uma produtora de plataformas de software por excelência). O Google não ganha dinheiro com o uso aberto de mecanismos de busca, com poderosas aplicações online ou softwares de mapas e imagens de satélite, mas ganha pela atração que essas aplicações causam nos usuários da internet inteira ao virem ali para usá-los.

Fabricantes de hardware já perceberam essa estratégia. As impressoras jato de tinta são bem baratas. Tão baratas que, muitas vezes, duas recargas de tinta custam mais que a própria impressora. Os fabricantes de impressoras ganham dinheiro com a tinta da impressora e preferem vender a impressora a preço de custo ou até com prejuízo, projetando os lucros na recarga da máquina.

Um automóvel é uma plataforma por excelência. Não é um produto cujo custo termina com sua aquisição, como uma geladeira. Ele precisa de vários componentes de reposição de curto e médio prazo, além de peças de reparação. Filtros, limpadores de para-brisa e para-choques são exemplos bem notáveis entre um enorme conjunto de peças substituíveis ao longo da vida do automóvel.

Os fabricantes sempre viveram das vendas de carros novos. Quem sempre viveu dos carros usados foram os fabricantes de autopeças, tanto originais como paralelos, e oficinas particulares não ligadas à rede de concessionárias.

Com as transformações do mercado, esta percepção tem mudado. Num mercado cada vez mais competitivo, é atrativo para o fabricante beliscar parte do lucro gerado no pós-venda de cada automóvel.

Explorar esta forma de negócio seria o modo de lucrar sobre a “plataforma” automóvel.

Mas como obrigar um fabricante de autopeças, seja ele original ou paralelo, a pagar uma fatia de cada peça vendida? A resposta está no direito de autoria do projeto.

Sendo o dono dos direitos autorais sobre os desenhos de cada peça, o fabricante pode obrigar os fabricantes de autopeças a pagarem royalties por cada peça vendida no mercado de reposição em retribuição pelo uso dos desenhos e especificações da peça para sua produção. Fabricantes não-licenciados, que se recusem a pagar pelos royalties, ou simplesmente piratas, podem ser tirados do mercado por via judicial.

Porém a cobrança de royalties inflacionará o mercado de peças e será o consumidor quem irá pagar a conta no final.
O mesmo mecanismo pode ser usado para regular o mercado de autopeças pelos fabricantes, eliminando a competição e ditando preços das peças.

Em um caso extremo, fechar o licenciamento apenas para fabricantes originais e obrigar a venda e a instalação de peças apenas através das oficinas de concessionárias é uma forma de monopólio dentro de um mercado aberto que poderá ser exercido pelos fabricantes futuramente.

Neste modelo o proprietário do veículo não terá escapatória a não ser pagar o que pedirem por peças e serviços dentro da concessionária. É a atitude mais aberta ou mais fechada da concorrência que dirá quanto este modelo será ou não viável no futuro.

Embora este modelo de exploração comercial esteja para provar sua viabilidade econômica e sua aceitação perante os consumidores, todos os atributos jurídicos já estão estabelecidos para que seja realizado.

O problema jurídico do blog “Irmão do Décio” é de outra natureza, ligado à marca.

É muito provável que as pessoas comprem de olhos fechados carros da GM, da Fiat ou da Honda, porém será que o fariam com a mesma naturalidade com um carro da SsangYong? Há dez anos essa era a situação da Hyundai no Brasil, mas hoje ela já inspira muito mais confiança no consumidor.

Daí se vê que o consumidor compra a marca junto com o carro. Ele vê nela um valor intangível que não enxerga nas demais.

Uma marca bem posicionada no mercado vale muito. Ela encurta o processo de decisão do consumidor.

Construir uma marca de renome leva muito tempo, mas um fato que manche a marca demora a ser desfeita.

Portanto, defender com unhas e dentes sua marca, mantendo-a sempre limpa e com boa aceitação e referência, é uma necessidade para qualquer empresa.

A distorção aparece na interpretação que cada um faz da sua marca e do que o meio faz com ela.

Algumas empresas talvez interpretem o que foi feito no blog “Irmão do Décio” como algo que renovasse a imagem de marcas antigas delas e em alguns casos, talvez o autor das reestilizações fosse até premiado. Entretanto, este não foi o parecer do setor jurídico da VW, que viu nelas uma afronta às suas marcas, e agiu com o rigor que achou necessário. Mas a ação da VW em si não foi bem interpretada pela sociedade.

Outros casos como este já aconteceram em diversos setores e certamente voltarão a acontecer.

Um sistema que proteja o dono de marcas, patentes e de propriedades intelectuais é necessário na sociedade moderna para estimular o avanço cultural, comercial, técnico e científico. Porém, desde que o homem aprendeu a fazer fogo, criou a roda e a escrita, praticamente todos os outros inventos e idéias criados foram feitos em cima de invenções e idéias anteriores, e estamos vivendo uma fase onde isto é mais verdadeiro que nunca.

A exacerbação dos modelos de proteção aos bens intelectuais levará à estagnação ao invés de promover o avanço tão desejado.

13 comentários :

  1. ah não, se mesmo hoje as vezes fica dificil achar peças de reposição, tanto na concessionaria como em autopeças, imagina com essa nova lei, todo mundo vai ser obrigado a andar de gol por que vende bastante, ou de carro novo, sem contar que isso vai favorecer os abusos...
    nos tempos de hoje, tudo é facilmente reproduzido, vide a industria da música

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  2. Anderson, não tem nova lei. Apenas estão focando leis não tão novas de uma nova forma. E o setor automotivo é apenas um de tantos.

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  3. sim eu entendi, o problema é que se começarem a "complicar" com isso agora, só quem tem a perder somos nós

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  4. Anderson, entendi.
    É justamente este o meu alerta.

    Não digo que vá acontecer, mas o potencial que aconteça é enorme.

    Fique atento ao noticiário, e verá esse fenômeno em quase todos os setores mais modernos.

    Não basta os supermercados venderem TV's e computadores. Hoje eles oferecem serviços de instalação e supoorte pagos pelo comprador do equipamento. É mais um de vários exemplos de ganhar em cima da plataforma.

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  5. André,
    Belíssima abordagem, parabéns!

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  6. Acho uma posição antipática da montadora, pois o blog mostrando atualizações dos modelos da montadora não cometeu crime algum.
    Achoe que a montadora deveria focar mais no atendimento em suas concessionárias pois elas sim com o seu mau atendimento de algumas usam indevidamente a marca.

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  7. Bob, obrigado.

    Joel, eu nem queria comentar nada no artigo para não polemizar.

    Comentando apenas o que eu acho é que recentemente vi ilustrações do blog circulando pela internet. No meio dos desenhos haviam reestilizações do antigo Gol e do antigo Voyage.
    Considerando que a Volks acaba de lançar estes carros completamente remodelados, bastou haver comentários do tipo "acho melhor esse carro da figura que o que a Volks acabou de lançar" pra acender as luzes de alerta na Volks.

    Achei a ação da Volks exagerada também, mas é típico de pessoas que não entendem que a internet é antes uma rede de relacionamentos humanos mais do que é uma rede técnica.

    Pode ter certeza que alguma lição levaram do caso.

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  8. A ação já foi retirada. Li no blog do irmão do décio. Ainda bem. Aquilo era uma excrescência.
    Abs. a todos.

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  9. André e Bob Sharp, me desculpem, mas abordagem infeliz. A propriedade intelectual só é válida do célebro pra dentro, quando externada vira domínio público. Na prática funciona mais ou menos assim: seja um gênio na frente de seu espelho e de porta trancada. Quando abrir a boca, ou o célebro, na frente de outra pessoa, isso se transforma em desenvolvimento coletivo. Caso contrário contrate um agente, registre sua idéia e fique rico. Ou então enriqueça o mundo com sua contribuição intelectual, tal qual o irmão do décio nos presenteou. Ñ confundam direito de vender suas idéias com o direito de divulgá-las ao vento. Um intelectual brazuca nos presenteou c uma frase fantástica, e jamais nos cobrou p ela: "a unanimidade é burra"
    No velho continente funciona assim.
    saudações belgo-monarquistas
    carlo paolucci

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  10. Carlo, as coisas não são tão simples como parecem. Muitas coisas são de conhecimento público, e no entanto continuam pertencendo intelectualmente a um dono.

    Os nomes "Volkswagen", "Gol" e "Voyage" é de conhecimento público. Tente produzir um carro com estes nomes. São marcas registradas, mesmo sendo a primeira uma expressão em alemão, a segunda uma palavra em português e a terceira uma palavra em inglês.

    O desenho dos carros também.
    Tente produzir em escala miniaturas de Ferrari sem licença da própria fábrica, e em breve você receberá a visita de advogados dela.
    Hoje a Ferrari lucra mais com o licenciamento de suas marcas e propriedades intelectuais do que fabricando carros.

    Os desenhos mostrados no blog do "Irmão do Décio" certamente possuem propriedade intelectual, mas talvez seus proprietários não se importem no uso que farão deles.

    No entanto, estes desenhos tiveram como base várias propriedades intelectuais que inequivocamente pertencem à Volkswagen.
    Não é porque é de conhecimento público os nomes e desenhos dos carros utilizados que a Volks perdeu seus direitos sobre eles.

    Outro engano muito comum é a idéia de registro cartorial para que uma propriedade intelectual seja reconhecida.

    Marcas e patentes precisam de registro, outras coisas não necessariamente.
    A própria lei de software isenta seu produtor de registro. Há várias formas de provar a autoria do software sem a necessidade de burocracia cartorial.

    Imagine o desenho de uma biela feita pela Volks. Se o desenho vazar, a Volks simplesmente perdeu qualquer direito direito sobre ele?
    Ou ela precisa registrar todos os desenhos de todos os componentes do carro para ter direito de propriedade sobre eles?

    Essas coisas não são tão simples assim.

    Nelson Rodrigues, com sua grande inteligência, nos pregou uma peça filosófica ao dizer:
    - Toda unanimidade é burra.
    Se todos aceitarmos a frase como verdadeira, então seu conteúdo será unânime, portanto burro.

    Entendo muito do que você diz, apoiado na filosofia de software livre.
    Fui sócio proprietário de uma empresa de software por 12 anos, empresa esta filiada à ABES por quase o mesmo período.
    Nesse tempo apoiei muito o software livre dentro da entidade, e onde os interesses particulares de alguns poucos eram muito fortes.

    Acredite. Propriedade intelectual é algo muito complexo para ser analisado.

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  11. Eu ia dizer algo como vc disse nesse ultimo comentário...

    De certa forma o que foi feito no Blog "fere" os direitos da VW.

    Uma marca chinesa pode muito bem copiar um daqueles desenhos do blog... e ai?

    O que a VW tentou foi proteger sua marca(ou suas marcas), não do Irmão do Decio como a maioria pensou, mas de outros...

    O que ele faz no Blog dele, quebrando os direitos da VW, pode muito bem ser interpretado como um precedente. Uma empresa que no futuro faço o mesmo, pode citar o Blog... Claro que é uma besteira, e a VW ganharia a causa facilmente, mas no meio tempo o estrago foi feito...


    Ps: Voyage é em francês(claro que tu sabe)...

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  12. André, grato pela argumentação lúcida. Mas como seres humanos falhos, há um ato falho q precisa ser observado: a estátua de Rodim, O Pensador, q ilustra o texto está virtualmente clonada. Vc vê algum "delito intelectual" nisso? Mesmo sendo detentores das idéias ñ podemos ser tão egocêntricos como a VW o foi. Por que retrocederam? Só viram o lado $$$$$, pois ñ necessitam de artistas virtuais como o irmão do décio, mas observaram q o tiro saiu pela culatra. Será q Rodim faria isso c seus admiradores?
    Saudações belgo-monarquistas
    carlo paolucci

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  13. Carlo, como eu te disse, minha empresa era associada à ABES, e lá várias vezes discutíamos questões sobre direitos autorais.

    Direito autoral é uma coisa muito complexa por um detalhe sutil. Ela é um ente imaterial.

    Se vc tem um carro, e alguém rouba seu carro, vc fica sem seu carro. A aquisição ilícita do ladrão significou a subtração do seu bem.

    Se vc é autor de um livro, alguém copia e passa a vender esse livro, como o valor do livro está em seu conteúdo imaterial, não houve a subtração. Entretanto, o livro pirata concorre em condições desiguais com a cópia legítima no mercado. Então, o "ladrão" (o pirata) está, de certa forma, roubando uma lucratividade que seria sua.

    Daí a necessidade de se preservar os direitos autorais para manter o estímulo às mentes criativas.
    E isto não é novo.

    O que é novo, e é isso que a matéria enfoca é uma percepção muito mais abrangente do que é direito autoral, e mais, há uma percepção maior ainda do valor monetário desse direito.

    Também são muito novas as formas de exploração, manipulação e divulgação desses direitos, quer seja pelos seus donos, quer seja por piratas, ou até mesmo por quem fica num limbo entre os dois extremos.

    Isto causa uma confusão enorme no entendimento de cada causa.

    Alguns DJ's tem feito músicas a partir de remixagens de gravações originais de outros artistas. Enquanto a indústria fonográfica alega pirataria, os DJ's se defendem, dizendo que suas recriações funcionam como forma de revitalizar as obras e artistas originais usados na nova música..
    Neste caso a lei é francamente favorável às gravadoras, mas até que ponto os DJ's não tem sua razão?

    O download de músicas visivelmente está acabando com o modelo de negócio das gravadoras. No entanto, nunca antes os shows dos músicos estiveram tão cheios e eles estiveram tão solicitados.

    Carlo, tudo isso é muito recente, e ninguém ainda sabe apontar quais os limites que definem de forma positiva o que pode e o que não pode.

    Concordo com vc que a resposta da Volks foi truculenta ao extremo, mas como eu disse no próprio artigo, não era meu papel ali me posicionar a respeito, mas sim alertar para novas facetas e novos desdobramentos desse tipo de fato.

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