Ao retornar à LMP1, a categoria-topo do Campeonato Mundial de Longa
Duração (World Endurance Championship, WEC), a Porsche tem grandes desafios pela frente. Primeiro, o novo 919 Hybrid, de corrida, é
o carro híbrido mais complexo que a fabricante de Stuttgart/Zuffenhausen já fez.
Segundo, ao contrário dos concorrentes, a Porsche não tinha experiência ou
dados dos anos anteriores em que se basear. Terceiro, a Porsche deu ordem aos seus engenheiros para desenvolverem um protótipo para a categoria
LMP1 (de Le Mans Prototypes, "1" designa carros de fábrica), uma meta bem difícil, mas que no longo prazo seria mais promissor do
que comprar componentes já existentes de outras empresas.
Durante a
empreitada, Alexander Hitzinger, o diretor técnico para a categoria LMP1, e sua
equipe, estão seguindo um caminho que é tradição na Porsche: encontrar soluções
que possam vir a aplicadas nos carros de produção no futuro.
A busca pela eficiência ideal de conversão de energia está tendo uma influência enorme sobre todos os aspectos do Porsche 919 Hybrid. A aerodinâmica do carro para Le Mans, bem como o peso dos componentes individuais, foram otimizados. Entretanto, os sistemas de recuperação de energia e de propulsão extremamente avançados são duas das características excepcionais no carro. O novo e revolucionário regulamento técnico determinado pela FIA para a temporada de 2104 do WEC deu aos engenheiros da Porsche uma ampla margem de manobra.
O principal fator limitante para o desempenho do carro é a
quantidade de combustível disponível por volta, o que torna a eficiência no uso da
energia um fator essencial. Além disso, um sistema híbrido também é um
pré-requisito para os carros de fábrica que participem da categoria LMP1-H.
O regulamento permite que os fabricantes do carro decidam qual o tipo e o
método de armazenar a energia procurada, bem como é deles a escolha do desenho do
motor e da cilindrada.
Em 24 horas, o 919 gera energia para mais de 4.500 km
Na 24 Horas de Le Mans, a quantidade de energia elétrica que o piloto pode dispor, por volta, para elevar a potência total, é limitada. O regulamento estabelece quatro níveis de energia, variando de 2 a 8 megajoules (MJ). A Porsche inscreveu o 919 Hybrid na categoria de 6 MJ, o que significa que o protótipo da LMP1 pode utilizar exatamente 1,67 quilowatt·hora (kW·h) de energia em cada volta de 13,629 km do circuito da 24 Horas, uma vez que 3,6 MJ são equivalentes a 1 kW·h.
Isso significa que se o vencedor de Le Mans em 2013 percorreu 348 voltas, tomando essa distância como base o 919 Hybrid gera e utiliza 581,2 kW·h, uma capacidade elétrica que manteria uma lâmpada de 60 watts acesa durante nada menos que 9.687 horas. Ou seja, com a energia que o protótipo da LMP1 recupera durante a corrida de Le Mans seria possível percorrer 4.576 km com um carro elétrico como o novo Volkswagen e-Golf, o que possibilitaria ir de Nova York a Los Angeles, uma viagem de costa a costa.
Novidade: recuperação da energia termodinâmica
“A recuperação da energia cinética pela frenagem do eixo dianteiro tem um ótimo potencial, uma vez que há transferência de peso do veículo para a dianteira ao frear; portanto, um sistema que explorasse este fato seria lógico”, explica Alexander Hritzinger. “Para implantarmos isso, tivemos que abrir mão de um sistema de recuperação de energia cinética (KERS) no eixo traseiro. Se o carro tem motor de aspiração natural, o KERS é a única opção à disposição. Entretanto, o fato de utilizarmos um turbocompressor nos ofereceu outra opção, e é por isso que optamos por utilizar a energia dos gases de escapamento depois de passarem pela turbina”.
A tração dianteira é elétrica; a traseira, a combustão |
O complexo sistema híbrido no novo protótipo de Le Mans, com seu sistema extremamente inovador de recuperação da energia termodinâmica a partir de gases de escapamento, é exclusivo no WEC. Basicamente, este princípio utiliza mais um gerador, só que acionado por turbina, em vez da haver uma válvula de alívio (wastegate). O que esta válvula faz normalmente é permitir que o excesso de energia gerado pelos gases de escapamento que não é utilizado para acionar o compressor seja jogado na atmosfera. Pois é exatamente isso: a Porsche utiliza este excesso de energia gerado pelos gases de escapamento para acionar uma segunda turbina e esta, um gerador de energia elétrica. Assim, a nova tecnologia recupera uma energia que sempre é perdida em outros sistemas.
Esta utilização da energia gerada pelos gases de escapamento torna o Porsche 919 Hybrid o único carro na disputa que recupera energia
não apenas durante as frenagens, mas também durante as acelerações. Ambos os
sistemas convertem as energias cinética e térmica em energia elétrica para
carregar uma bateria de íons de lítio arrefecida a líquido.
Mesmo desempenho com 30% menos combustível
A Porsche também adotou uma solução própria quanto à maneira de armazenar energia elétrica. A mesma premissa de utilizar imediatamente sistemas disponíveis, mas menos eficazes, foi descartada. No seu lugar, tecnologias mais promissoras, caso das baterias de íon de lítio arrefecidas a líquido, foram adotadas, “um desenvolvimento em colaboração com a Porsche Engineering”, reforça Hitzinger. Ele também examinou a possibilidade de utilizar armazenamento em volante e supercapacitores, também chamados de ultracapacitores, mas concluiu que as baterias de íons de lítio representavam a melhor solução. “Mas só se a tecnologia da célula certa estivesse disponível, para proporcionar uma densidade de potência bem alta, com uma capacidade de armazenamento relativamente elevada,” acrescentou. Para conseguir isto, a Porsche recorreu às células de bateria de sua parceira, a A123 Systems.
A abordagem que a Porsche utilizou para o motor a combustão do seu LMP1 também é tão diferenciada quanto os outros quesitos. O motor V-4 turbo 2-litros de injeção direta recém-desenvolvido, uma configuração que não é tradicionalmente usada pela Porsche, é um exemplo pioneiro de redução de cilindrada (downsizing). O motor de quatro válvulas por cilindro representa a combinação ideal de baixo peso, compacidade e rigidez estrutural, com alta produção de potência.
Uma vez que a Porsche, com o 919 Hybrid, está enquadrada na categoria de 6 MJ, o regulamento dita que motores a gasolina com mais de 507 cv
tenham um consumo de apenas 4,78
litros por volta em Le Mans. Quanto mais potente é o
sistema de recuperação, menor é a quantidade de combustível que pode ser
queimada. Embora o desempenho do veículo seja o mesmo, a quantidade de energia
consumida permitida foi reduzida em 30% na comparação com o ano passado.
Le Mans: soluções de tecnologia extrema para desafios específicos
Haverá oito corridas do Campeonato Mundial de Longa Duração deste ano. Depois da corrida de seis horas em Silverstone, na Inglaterra, a primeira do campeonato, e em Spa-Francorchamps, de mesma duração, a terceira prova do campeonato é verdadeiramente excepcional: a lendária 24 horas de Le Mans é o destaque da temporada e também um desafio diferente. A maior parte do circuito de 13,629 km, ou seja, nove quilômetros, é em estradas geralmente usadas pelos moradores locais e por veículos pesados, o que deixa muitas irregularidades na sua pavimentação. Também característico em Le Mans são as longas retas. Os carros de fábrica da categoria LMP1 alcançam velocidades bem superiores a 320 km/h várias vezes em cada volta, e em duas ocasiões eles precisam desacelerar chegando a velocidades de trânsito urbano nas curvas lentas. Os motores ficam em aceleração máxima durante aproximadamente 70 por cento da volta.
Para as frenagens enérgicas e a forte aceleração prolongada a Porsche desenvolveu especialmente o 919 Hybrid com tração nas quatro rodas temporária, com seus sistemas de recuperação de energia cinética e termodinâmica, apenas para atender a essas condições específicas. A aerodinâmica precisamente equilibrada do carro também exerce uma função determinante para que o 919 Hybrid seja competitivo em Le Mans. Os valores resultantes da força vertical descendente garantem velocidades excelentes nas curvas rápidas como, por exemplo, nas “Curvas Porsche”. Contrário a isto se encontram os menores valores de arrasto aerodinâmico possíveis, para que o 919 Hybrid consiga alcançar velocidades elevadas nos longos trechos retos.
Depois de Le Mans, em 14 e 15 de junho, o WEC vai tirar férias de três meses durante o verão no hemisfério norte, e então ele parte da Europa para o restante da temporada. O programa inclui cinco outras corridas de seis horas de duração: EUA (Austin, 20 de setembro), Japão (Fuji, 12 de outubro), China (Xangai, 2 de novembro), Bahrein (Sakhir, 15 de novembro) e Brasil (São Paulo, 30 de novembro).
BS
Imagine este complexo sistema aplicado no Cayenne ou no Panamera nos próximos anos. Serão carros de luxo de alto desempenho e com consumo de combustível extremamente baixo.
ResponderExcluirPara se ter uma ideia, só a potência gerada pela recuperação de energia equivale a cerca de 428 cv, que é um valor maior do que a potência do Porsche 991 Carrera, que usa somente motor a combustão!!
Bob, não conheço em detalhes o relacionamento das marcas do Grupo Volkswagen, mas na sua opinião de experiente competidor de automóveis, você acha que em algum momento poderá haver um conflito de interesses entre a Audi e a Porsche? Faço essa pergunta porque a Audi vêm dominando o WEC, e obviamente quando este sistema estiver bem afinado, é pouco provável que a Audi não tenha acesso à tecnologia de casa, correto?
Fábio Vicente
ExcluirBoa pergunta, mas estando todas as marcas sob o mesmo guarda-chuva, essas disputas internas sempre serão bem administradas pela alta direção. Não há como fugir do fato de que o intercâmbio de tecnologia é inevitável.
Notável e extremamente impressionante o nível de sofisticação tecnológica alcançado pelo grupo VW
ExcluirQue genialidade , minha gente...
Deus do céu !
Uma coisa incrível Anônimo02/06/14 13:12, é como só o pessoal da VW consegui fazer um comando de câmbio nível Porsche e oferecer até para o mais barato de seus carros!!!
ExcluirJoão Carlos, acredito que a VW tenha pego o magnífico câmbio da Porsche, dissecado e utilizado materiais e tempos na programação para que fosse rápido, mas não tanto quanto o PDK, viabilizando um valor comercial baixo e durabilidade sem que o preço fosse exorbitante. O famoso BBB: bom, bonito e barato. Embora o preço mais em conta também seja obra da vasta gama de veículos que o utilizam.
ExcluirVou tentar ir no WEC Brasil !!!!! Belíssima matéria, engenharia Porsche matadora!!!!
ResponderExcluirAcho genial as novas formas de recuperação de energia que estão sendo criadas a cada dia.
ResponderExcluirEste Porsche é um belo exemplo.
Agora, para o Brasil, o melhor sistema de recuperação de energia seria utilizando os movimentos da suspensão do veículo.
Seria quando nossos "amados" buracos, crateras, ondulações, lombadas, valetas, quebra-molas, etc, etc, teriam finalmente encontrado uma utilidade prática.
Para a alegria das autoridades responsáveis incompetentes...
Essa foi boa!
ExcluirPorsche deixando de lado os boxers e usando motores em V...
ResponderExcluirQuem diria !
E nao ha nenhum problema nisso nao.
ExcluirCada configuração de motor deve ser usada p a maior eficiência possível do projeto
Nao devemos nos prender a princípios enraizados, mas sim sempre buscar novas alternativas
Ha muitos anos que a Porsche ja se utiliza de motores v6 e v8 em seus carros como o Cayenne e Panamera
Pena que essas tecnologias só estarão presentes nos veículos de maior valor ... Infelizmente, e principalmente, aqui no BR as tecnologias que permitem a redução de consumo nos veículos de entrada quase não são adotadas.
ResponderExcluirA soma de fatores, combustível oficialmente batizado, trânsito sem planejamento, motores que não são tecnologicamente os mais modernos, faz um tremendo estrago! No bolso ...
A aplicação desse sistema seria inviável no trânsito urbano!!! Mesmo assim parabéns ao corpo técnico da Porsche.
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