O nome da cidade
que repousa tranqüila e serena no noroeste da França ao lado do rio Sarthe, na região do
Pays de la Loire, uma das belas e charmosas da Europa, virou sinônimo de
corrida de longa duração e de história das corridas de automóveis.
Este ano
estaremos oficialmente na octogésima segunda edição da competição, Le Mans e
automóveis de corrida convivem há mais de 90 anos. O primeiro Grand Prix
d’Endurance aconteceu por lá em 1923.
A cidade que
possui pouco mais do que 50 quilômetros quadrados e uma população de menos de
150.000 habitantes era antiga capital da província de Maine e Perche. Além da
orientação turística, seja ela automobilística ou histórica, a cidade foi curiosamente
pioneira em algo que hoje experimentamos intensamente no mundo globalizado,
tratados internacionais.
Séculos antes do
descobrimento da América, ainda em um época em que nem todos tinham certeza de que
a Terra era redonda, Le Mans foi a primeira cidade da França a fazer um tratado
europeu de aliança com uma cidade na Alemanha, Paderborn, localizada na região
administrativa de Detmold no estado de Renânia do Norte-Vestfália e capital
daquele distrito.
Se hoje uma
extensa rede de cidades, regiões e países unidos ajuda a promover uma Europa
mais forte, se hoje conhecemos tratados globais, acordos bilaterais de comércio
entre países de vários cantos do mundo, devemos fazer uma breve menção a um dos
mais antigos esforços de união global, o de Le Mans e Paderborn, que perdura
por quase 12 séculos!
Brasão da cidade de Le Mans |
Na época de Luís, o Piedoso, o terceiro filho de Carlos Magno, dois bispos vão decidir o destino destas duas cidades. Dada a localização estratégica de Le Mans, na época carolíngia, a escolha de um bispo de confiança para a localidade demonstrava-se necessário. O bispo Aldric, que depois viraria santo, era ligado à dinastia reinante além de confessor oficial do rei, e foi portanto nomeado para tal missão.
O acordo
internacional que se sucede é na verdade uma proposta de geminação religiosa,
uma ação de evangelização católica em comum, formada entre as duas dioceses no
ano 836. Esta união será então perpetuada ao longo dos séculos de forma
contínua e ininterrupta.
Paderborn foi
sugerida por Carlos Magno como um lugar de importância estratégica para fazer frente ao crescimento da evangelização de origem na Saxônia que ocorria nas circunvizinhanças.
Em 799, após a reunião entre Carlos Magno e o Papa Leo, foi decidido erguer ali
uma nova diocese.
O aspecto
marcante desta geminação reside na consistência de contatos entre as duas
cidades para além das reveses, os ensaios, as guerras que marcaram a história
da Europa. Os capítulos foram escritos e as trocas mantidas regularmente para
além do quadro formal da boa cortesia, de forma a se preocupar com o destino de
cada cidadão das duas regiões.
Amizade, para
ser sustentável, precisa ser comprovada. Este foi o caso de Paderborn, que
recebeu o apoio de Le Mans após o Tratado de Westphalia. Este também foi o caso
de Le Mans durante o turbulento período da Revolução Francesa.
Após a Segunda
Guerra Mundial, a fraternidade dá mais um indicador de sua força, em torno da
questão da reconciliação franco-alemã e do processo de paz. Um padre de
Paderborn, Diebecker, capelão de um campo de prisioneiros alemão, promete
voltar à cidade irmã passando por Paris e Chartres. Uma delegação de Paderborn
tomou a estrada para Le Mans em 1952, onde encontrou uma boa acolhida.
Estudantes cristãos franceses, liderados pelo padre Houdoin, foram ao encontro
das seus pares alemães no ano seguinte.
Brasão da cidade de Paderborn |
Em 1961 nasce um
projeto governamental para formalizar o emparelhamento milenar. O processo de geminação
deveria ser eventualmente formalizado e reconhecido pelas autoridades modernas
dos dois municípios. Em 3 de junho de 1967, Jacques Maury, então prefeito de
Le Mans, assina a Carta bilíngüe franco-alemã, juntamente com o seu homólogo,
na Alemanha. Uma missa solene, lembrando a ligação religiosa entre as duas
cidades, é celebrada na catedral.
Os bispos Aldric
de Le Mans e Badurad de Paderborn provavelmente
não teriam imaginado, apesar de sua grande visão e a força de sua fé, que o
contrato seria perpetuado, e que os seus representantes se reuniriam mesmo depois
de mais de 1.150 anos, entretanto não mais num império, mas em uma reformulada comunidade
européia democrática.
Mesmo que Le
Mans não tivesse corrida, eu teria gostado da cidade somente por esta história.
Para lembrar a
importância desta cidade para o mundo motor, e de como as 24 de Le Mans
contribuíram para a evolução dos automóveis de competição e também de veículos
de passageiros, escolhi quatro batalhas clássicas, que muitos consideram as
mais relevantes da história do certame.
Bentley de 1930 |
Bentley versus
Alfa Romeo
Anos 1930.
Talvez a rivalidade mais intrigante, os ágeis e pequenos Alfas vermelhos
disputando a pista com os enormes Bentley verdes (British Racing Green). Os
Bentley já tinham experimentado a supremacia nos anos 1920, com quatro vitórias
de 1927 a 1930, quando o fabricante ainda era capitaneado por seu proprietário
W. O. Bentley, ainda que ele mesmo não fosse o maior admirador de Le Mans. A
partir de 1931 a empresa passou a ser parte da Rolls-Royce e surgiu o espaço
para o triunfo italiano. Com Enzo Ferrari e Tazio Nuvolari, os Alfa conquistaram
o troféu em Mans de 1931 a 1934, os Bentley passaram para história então como
os caminhões mais rápidos do mundo, nas palavras de Ettore Bugatti.
Alfa Romeo de 1934 |
Às vezes me pego imaginando
como seria ter vivido nesta época...
Jaguar C-Type |
Jaguar versus Mercedes versus Ferrari
Anos 1950. No mundo pós-guerra, alemães, italianos e ingleses até tentaram evitar confronto direto nas pistas, com o domínio da Jaguar na tradicional prova de endurance francesa em 1951 e a Mercedes brilhando com seus 300SL em 1952, fechando o primeiro e o segundo posto, ano em que a Jaguar não participou da competição.
Mercedes 300SL |
O
retorno da Jaguar em 1953 seria também com dobradinha protagonizado pelo
insinuante C-Type. Um anos depois vence a Ferrari. Porém uma tragédia
interrompeu o que seria provavelmente a disputa mais lembrada entre as três
grandes marcas. Era 1955 e o Mercedes de Pierre Levegh se rebela diabolicamente
e sai da pista para atingir de modo fatal 83 pessoas e ferindo outras 120 que assistiam a
corrida. Ele próprio faleceu. Como os organizadores não interromperam o evento, a casa alemã se
retira e o Jaguar D-Type vence com os ingleses Mike Hawthorn e Ivor Bueb.
Fords GT40 |
Ferrari versus
Ford
Uma pequena
guerra pessoal entre Henry Ford II e Enzo Ferrari. Anos 1960. Um velho ditado
da indústria automobilística da época dizia: que quem se arrisca com Ford
Junior, realmente arrisca. E depois que Enzo deu um finito na tentativa de acordo entre Ford e Ferrari para uma fusão empresarial,
Henry decidiu que seu objetivo era nada menos do que humilhar os italianos na
pista. Naquele momento a Ferrari teria ido atrás de apoio financeiro e a Ford
desejava a oportunidade de uma aproximação histórica a uma marca européia de ponta.
Não se conhecem obviamente todas as exigências de Henry Ford II, nem os mais
íntimos desejos de Enzo Ferrari, mas o Commendatore recusou, no último momento,
uma oferta de 18 milhões de dólares.
Os Ford GT40
vieram após intenso e dispendioso investimento da Ford em desenvolver o algoz
para os Ferrari que dominavam Le Mans desde o início dos anos 1960. Ainda que
amargando a derrota nos dois primeiros anos da estreia dos GT40 em 1964 e 1965,
Ford vê seu triunfo e domínio nos quatro anos seguintes. Henry Ford II declara
sua perda de interesse em comprar a Ferrari e ainda vê a despedida da marca de
Maranello do primeiro lugar em Le Mans, daquele momento então.
Porsche 919 Hybrid |
Porsche contra
todos
Estou esperando
Le Mans 2014, mas acima de tudo estou esperando também o desempenho da Porsche
seja nos carros convencionais, seja com o 919 Hybrid, na classe LMP1-H. Claro
que Jaguar, Audi, Peugeot e outros triunfos ocorreram nas 24 horas francesas
nos últimos quarenta anos, mas a supremacia Porsche coroada por episódios como
o do ano de 1983 quando os primeiros oito lugares foram conquistados por nada
menos do que oito Porsches. Após a era Ford, com suas diferentes versões do
GT40, dezesseis Porsches terminaram a corrida no primeiro posto (ainda que dois
deles, eram TWR e tinham apenas o motor Porsche). Vieram os Audi é certo, e
merecedor de reconhecimento, vencendo doze vezes.
Mas nesta outra
copa do mundo, a da velocidade e durabilidade durante 24 horas no circuito em
Le Mans, este ano sou Porsche. Estarei torcendo por sua décima sétima vitória!
FM
Fotos: divulgação,
24-lemans.com, Arnaud Cornilleau, Sebastien Bassani
Felipe,
ResponderExcluircomo dizem por aí : " é dois ! "
Que aula de história impecável hein Felipe!!! Pelamor... O mais impressionante de toda essa história é que, apesar de 2 guerras mundiais onde cada nação assumiu seu posicionamento, os tratados entre as duas cidades nunca foram sequer suspensos oficialmente. Eis aí uma prova de que divergências podem ser superadas com uma boa dose de respeito pelo próximo e também pelo bem comum.
ResponderExcluirDe todas as fases citadas das 24 horas de Le Mans, sem dúvida os anos 50 e 60 são os mais relevantes (minha opinião) pois as rivalidades foram muito marcantes, a ponto de gerar inimizades profundas entre as equipes - o que geralmente aumenta a gana durante a competição.
A impressão que tenho é que hoje em dia não existe mais aquela "cornetada" mútua entre as equipes, e que seja qual for o resultado, todos estão satisfeitos e ninguém ficará 1 ano remoendo a derrota. Como eu disse, é uma impressão.
FM
ResponderExcluirTá na hora de um oriental. Quem sabe a Toyota não surpreende!
AAM
a toyota sempre na frente.
Excluirmaior fabricante do mundo e, primerissima, em recall. ja tem titulos demais...
Por falar em oriental, estou torcendo para que dessa vez o ZEOD RC da Nissan consiga concluir bem a prova.
Excluir"Quem sabe a Toyota não surpreende!"
ExcluirSe vencer, não seria bem uma surpresa... na última edição poderiam ter vencido não fosse o acidente... Nisso a Audi tem mais chances, por colocar um carro a mais na pista.
Como assistir as 24h pela internet ?
ResponderExcluirAnônimo 11/06/14 14:33
ResponderExcluirAcesse www.24-lemans.com/en/ para transmissão ao vivo. A largada é neste sábado às 10 horas da manhã (3 da tarde lá).
Anônimo 11/06/14 14:43
ExcluirRetificando, www.24h-lemans.com/en/
Bob, o link correto é este http://www.24h-lemans.com/live/en
ExcluirAbs
:)
Excluirvou ver
Será que vai ver mesmo?
Excluirprometo cara.
ExcluirCaro Bob, uma pequena correção no endereço, o correto é www.24h-lemans.com/en/ . Ficou faltando o H depois do 24.
ResponderExcluirForte abraço.
Carlos Alberto
ExcluirObrigado!
isso sim vai ser bacana demais, copa do mundo nada...eu quero é ver 24hrs Lemans!!!
ResponderExcluirSó não vou acompanhar a tarde pois terei endurance de kart. Mas a hora que voltar, com certeza, Lemans denovo!!!
Valeu BOB pela dica...... já tenho o quê fazer no sábado após os treinos de MotoGP.
ResponderExcluirQue nada
ExcluirDa um pulo aqui para ver a seleção entrar e sair do estádio
Toninho do Itaquera
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirDouglas, mas 50 mil quilômetros quadrados seriam 223,61km x 223,61km...algo como Curitiba a Itajaí. São 50km quadrados mesmo.
ExcluirTem câmbio manual?
ResponderExcluirAh vá !!!!
ExcluirSe ta brincando com a gente!
sou brasileiro leitor do blog e moro em Paderborn. Eu sabia da amizade de Paderborn com Le Mans, tanto que eles sempre lembram no festival da cidade aqui chamado Libori fest e há também uma avenida chamada Le Mans. Porém, não conhecia os detalhes da história e fui conhecer pelo autoentusiastas.
ResponderExcluirPra quem se interessa por história, Paderborn foi mais de 80% destruida pelos bombardeios no final da guerra e aqui fica o castelo de Wewelsburg que foi totalmente reformado pra ser a sede da SS. Hoje abriga um museu sobre nazismo e SS bem interessante e com entrada franca. Quem tiver oportunidade de visitar vá que vale a pena!
Abraço
Toyota na pole!
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