Benelli TRE-K 899, montada em Manaus, à venda por menos de 40 mil reais |
A Benelli é uma das marcas italianas mais tradicionais. Fundada em 1911,
atravessou momentos variados neste século de existência. Viveu tempos de glória
com suas conquistas esportivas, os campeonatos mundiais de 250 na
motovelocidade (1950 e 1969), mas também crises profundas, que a fizeram mudar
de dono várias vezes.
A Bennelli Sei, mecânica assombrosa, mas a maneabilidade era relativa |
Entre as mais impressionantes motocicletas
jamais fabricadas no planeta, uma, com certeza, é a Benelli Sei – seis em
italiano, alusivo ao seu altamente tecnológico motor de seis cilindros em linha
de 750 cm³ (posteriormente 900 cm³), jóia mecânica que na metade dos anos 1970 ofuscou os modelos da
dominante indústria japonesa. Todavia, problemas administrativos, acirrada
concorrência e escolhas empresariais equivocadas fizeram a marca quase
desaparecer.
O seis em linha Benelli: obra de arte mecânica |
Em meados dos anos 1990, uma forte injeção de
dinheiro por parte de um investidor deu início a um novo projeto que resultou
na apresentação da revolucionária Benelli Tornado Tre, com seu inédito motor
tricilíndrico. Tratava-se de uma superesportiva exótica e fascinante, mas que
demorou a ter seus problemas de juventude corrigidos. Apesar da excelência do
projeto, o preço elevado e a sua excessiva singularidade não conseguiram trazer
à marca sucesso comercial.
Em 2005, o fortíssimo grupo Qjian Jiang, o
maior do setor na China, nº 1 em capacidade produtiva, desovando nada menos do
que 1,2 milhão de motos/ano, resolveu que era hora de somar tecnologia de ponta
e produtos “high-end”, de alta gama, ao seu portfólio. Para conseguir isso
comprou a Benelli, mas manteve a base da empresa na Itália, assim como toda a
equipe, que viraram provedores de tecnologia e design do grupo chinês.
A Benelli TRE-K 899 que testamos não é uma
moto nova — foi lançada em 2009 —, mas ainda fascina pelas linhas modernas e
soluções técnicas de vanguarda, tendo recebido aperfeiçoamentos no decorrer
destes quase cinco anos de carreira. Ela é um dos modelos escolhidos para esta
reentrada da Benelli no Brasil, já que durante um período a empresa foi representada
no Brasil pelo Grupo Izzo. O preço incialmente sugerido, de elevados R$ 45.690, foi recentemente revisto para cerca de 40 mil. A TRE-K 899 é
montada na estrutura da Bramont em Manaus, parceira do grupo chinês que também
montará os modelos da Keeway, marca do grupo Qjian Jiang destinada a motos de
pequena e média cilindrada. Por ser esta unidade da TRE-K 899 que
recebemos uma das primeiras a ser finalizada no Brasil, consideramos
compreensíveis certas imperfeições que, como veremos adiante, não nos impediram
de levar ao cabo nossa avaliação.
Como é – Misto de motard e naked, a TRE-K 899 é certamente uma moto única, que criou tendência quando surgiu. Formas
angulosas, nada discretas, são destacadas por esta versão bicolor que se vale
do contraste preto/branco para valorizar aquela que talvez seja a mais evidente qualidade
deste modelo: o ar intimidador. Seja por qual ângulo que se olhe, a TRE-K 899 exala um ar
felino, como se fosse um tigre
pronto para dar o bote. Compacta, parece menor do que as motos do mesmo
segmento.
Destaques
no seu design não faltam: o tanque (de plástico) tem formato com pronunciados
encaixes para os joelhos. O conjunto ótico dianteiro é formado por dois faróis
e acima deles há um razoável pára-brisa, que permite regulagem manual para
modificar seu ângulo. O banco tem acentuado desnível entre o plano para o
piloto e o dedicado ao passageiro, e termina em uma rabeta essencial, onde uma
sempre útil alça de metal serve de apoio ao garupa e de proteção à elegante
lanterna traseira dupla. A ponteira de escapamento centralizada serve também de
ponto de apoio para o essencial suporte de placa e piscas, solução prática e
inusual.
Chassi misto: tubos de aço e partes de alumínio abraçam o tricilíndrico sino-italiano |
Nada comum é, também, o chassi: uma estrutura de tubos de aço tipo
treliça, cujo andamento dos tubos laterais reproduz uma arquitetura tipo dupla
trave, “abraçando” as laterais do cabeçote, com seus tubos indo se encontrar
com uma peça de alumínio fundido onde está o eixo da balança traseira, esta
também de desenho elaborado, fabricada com tubos de aço, com um requintado
sistema de ajuste da tensão da corrente de transmissão por excêntricos e —
chique — as letras TNT estampadas em
baixo relevo na proximidade do eixo traseiro, lembrando que essa balança é
comum à da Tornado, mãe de todas as tricilíndricas da marca (TNT= Tornado Naked
Tre).
No que diz respeito aos componentes “periféricos”, a TRE-K 899
faz jus à tradição italiana de qualidade, onde se ressaltam os freios Brembo
com pinças radiais na dianteira e suspensão invertida Marzocchi. De um modo
geral, o acabamento é muito bom, mas se acaso alguns componentes plásticos
tivessem melhor qualidade/aparência (caso da máscara do painel e sistema de
regulagem do pára-brisa), a percepção de qualidade já razoável passaria a
ótima, pois tudo o que é metálico tem aparência bem superior à dos plásticos
citados.
Porém, o
verdadeiro astro dessa Benelli é, certamente, o motor de três cilindros
inclinado 25º à frente, dotado de quatro válvulas por cilindro e comando duplo
no cabeçote. A rumorosidade das primeiras versões deste três-em-linha
desapareceu e deu lugar a um funcionamento mais discreto, mas não propriamente
silencioso. O urro que sai da ponteira anima quem gosta de esportividade e a
progressão do ponteiro do conta-giros é francamente rápida, prometendo bastante
diversão para quem considera que a aparência selvagem deve ser acompanhada de
comportamento idem.
Andando - A resposta rápida do acelerador e a
embreagem dura, e com uma pegada sincera até demais, são dois itens que
tornaram os primeiros momentos com a TRE-K 899 um pouco tensos. Progressividade
na aceleração foi algo difícil de se obter, exigindo um cuidado extremo na hora
de afundar a mão. A cavalaria do
saudável motor poderia ser melhor gerida pelo piloto caso o acelerador não
fosse tão “on-off”, tudo ou nada, que resultou em uma tocada pouco fluida,
incômoda em uso urbano. A esta questão se juntou a embreagem muito direta, de
resposta “seca”, que também exigiu um período de adequação para evitar trancos
nas mais simples saídas de semáforo.
Porém, uma
vez adaptados a estas respostas rudes dos comandos citados, a Benelli nos
surpreendeu com duas características muito impressionantes: a agilidade de sua
ciclística e o vigor do tricilindro. É impressionante a sensação de segurança
transmitida pela dianteira, que oferece um apoio firme e resulta em trajetórias
rigorosas, de precisão cirúrgica. A esta desejável característica para uma moto
que exala esportividade se associa a pegada do motor, que especialmente em
média/alta rotação oferece o melhor de si. Em baixa a resposta do motor é
prejudicada pelo acelerador arisco, que não favorece a dosagem da potência de
modo ideal. Este aspecto é o que julgamos depender de um melhor afinamento, que
certamente virá nos modelos de série, uma vez que depende de ajustes não muito
complexos no sistema de injeção e acelerador ride-by-wire.
Em estrada
percorremos cerca de 400 km com a Benelli TRE 899 K e alguns aspectos positivos
se destacaram, como a boa proteção oferecida da bolha pára-brisa ajustável, que
para a velocidade de cruzeiro ao redor dos 120 km/h com um piloto de 1,85 m de
estatura ao guidão, apresenta como melhor escolha manter a regulagem a meio
curso. Nessa condição rodoviária a Benelli se destaca pela boa ergonomia, com o
piloto bem encaixado entre tanque e banco, posição confortável mas que não
permite muito deslocamento: o triângulo formado por guidão, pedaleira e banco é
correto. Quanto às vibrações, elas poderiam ser menores, todavia, interpretamos
a TRE-K 899 mais como uma fun bike do que como uma turística, e assim o
conforto tem peso menor se comparado ao poder de diversão oferecido.
Neste
contexto esta Benelli pode, sim, urrar e vibrar, ser agressiva aos ouvidos e
com algumas partes do corpo — mãos e pés — sem que isso se constitua um grande
problema. Em viagem, mantendo o ritmo da estrada, mais do que as vibrações o
que nos incomodou foi o acelerador: manter 120 km/h exigia um abre-e-fecha
constante, mal digerido, ao passo que passados os 140 km/h ou abaixo dos 110
km/h a TRE-K 899 ia bem. Ou seja, como dito no início, ainda falta um ajuste
fino, que deve vir no modelo de produção. Como bem sabemos, adequar um motor
nascido para utilizar gasolina da boa à nossa “alcoolina” não é nada simples. O regime
de torque máximo do tricilíndrico italiano made in China está situado a 5 mil
rpm. Sendo assim, a progressão de 3.800~4.000 rpm até a faixa vermelha é
vigorosa, acontecendo apenas uma leve incerteza entre 6 e 7 mil, faixa na qual
o ânimo parece diminuir, mas logo depois a escalada é retomada, ainda mais
furiosa. Os 98 cv anunciados parecem inclusive serem mais, e levar o ponteiro do
conta-giros até 11 mil é quase natural — se é que se pode chamar de “natural”
esticar qualquer marcha desta moto, fora a 1ª, até tal rotação, o que sempre
resultará em velocidade além da que estabelece nossa lei...
Os 7,65
m·kgf de torque não são marca elevada para um motor de 900 cm³, mas compensa isso
o fato de surgir em rotação relativamente baixa. No entanto, desfrutá-los
através de uma pilotagem mais tranqüila fica complicado por causa da brusca —
olha ele aí de novo! — resposta ao acelerador. Já em uma tocada mais nervosa,
em estrada cheia de curvas, território ideal deste modelo, a mencionada
precisão da ciclística compensa o certo desequilíbrio que acontece quando, no
meio da curva, é preciso reacelerar, e a “patada” não vem tão progressivamente
quanto deveria. Porém, o apoio oferecido pelos pneus é excelente, e apesar de
não ter regulagens a suspensão dianteira Marzocchi de tubos de 50 mm Ø (!!!)
garante firmeza. Já atrás, o amortecedor Sachs conta com regulagens na mola e retorno
hidráulico. Aliás, a solidez da frente se contrapõe a uma traseira leve, que dá
a sensação de ser mais “solta” do que deveria. Porém, em nenhum momento houve
menção de perda de aderência indevida, que só ocorre — claro — quando se
exagera no acelerador.
Na
frenagem, o poderoso sistema Brembo garante o que é preciso, e atrás o freio
até poderia ser menos atuante, pois tende ao travamento mais do que é
desejável. O pecado, grave, é não haver o ABS nem como opcional.
Conclusão – Ela é uma crossover
que tem um lado de supermotard bem mais desenvolvido do que o lado turístico.
Será divertida se o dono valorizar a pilotagem esportiva, Para ser uma moto
para o dia a dia exige ajustes, o primeiro deles na ação do acelerador,
incômoda e estranha. A Benelli é uma moto bonita, opção interessante que pode atrair os que
querem fugir da mesmice buscando personalidade e também exclusividade, algo por
si já garantido até mesmo pelo preço, 40 mil reais, ainda um tanto quanto
excessivos ao nosso ver uma vez que a marca, apesar de clássica, não é conhecida da maioria dos consumidores brasileiros.
RA
FICHA
TÉCNICA BENELLI TRE-K 899
|
|
MOTOR
|
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Tipo
|
3 cil. em
linha, 4T, arrefecimento líquido, DOHC, 12 válvulas
|
Diâmetro e
curso
|
88 x 49,2 mm
|
Cilindrada
|
899 cm³
|
Taxa de
compressão
|
12,5:1
|
Potência
|
98 cv a
9.500 rpm
|
Torque
|
7,2 m·kgf
a 5.000 rpm
|
Alimentação
|
Injeção
eletrônica
|
Lubrificação
|
Cárter
úmido
|
TRANSMISSÃO
|
|
Embreagem
|
Multidisco
em óleo
|
Câmbio
|
Seis
marchas
|
Transmissão
final
|
Corrente
|
CHASSI
|
Treliça
tubular de aço
|
SUSPENSÃO
|
|
Dianteira,
regulagens
|
Invertida
50 mm Ø/ não
|
Traseira,
regulagens
|
Monoamortecida/pré-carga
e retorno
|
Curso,
dianteira/traseira
|
120/115 mm
|
PNEUS
|
|
Dianteiro
|
120/70ZR17
|
Traseiro
|
190/50ZR17
|
FREIOS
|
|
Dianteiro
|
Duplo
disco Ø 320 mm
|
Traseiro
|
Disco Ø 240 mm
|
DIMENSÕES
|
|
Comprimento
|
2.183 mm
|
Distância
entre eixos
|
1.514 mm
|
Altura do
banco
|
850 mm
|
PESO
|
|
A seco
|
215 kg
|
CAPACIDADES
|
|
Tanque de
combustível
|
21,5 litros
|
CONSUMO
DE COMBUSTÍVEL*
|
|
Máximo
|
14,9 km/l
|
Mínimo
|
19,2 km/l
|
Médio
|
17,1 km/l
|
DESEMPENHO*
|
|
Aceleração
0-60 km/h
|
3,45 s (27,36 m)
|
Aceleração
0-100 km/h
|
6,33 s (91,25 m)
|
Aceleração
0-120 km/h
|
7,60 s (130,43 m)
|
Retomada
60-100 km/h
|
7,35 s (162,74 m)
|
Retomada
80-120 km/h
|
6,58 s (181,81 m)
|
FRENAGEM*
|
|
60-0 km/h
|
18,26 m (2,29 s)
|
100-0 km/h
|
50,57 m (3,90 s)
|
*
Medições: Marcelo Camargo
|
pra quem tem curiosidade em sabe o ronco da bixa, aí vai!
ResponderExcluirhttp://www.youtube.com/watch?v=SpWiHloem78
Bela moto, de design marcante e com um conjunto bem interessante!
ResponderExcluirGatona!
ExcluirAnônimo17/06/14 20:34
ExcluirÉ homem, cara!
A título de curiosidade
ResponderExcluirEssa marca Benelli é a mesma que fabrica armas de fogo ?
A Benelli Moto foi fundada por dois irmãos em 1911. Em 1967 um filho de um deles fundou a Benelli Armi. Hoje tanto a primeira quanto a segunda estão nas mãos de terceiros, respectivamente o grupo Qjiang Jiang e o grupo Beretta.
ExcluirMe assusta o fato de ser sino-italiana. As que vi no salão não tinham acabamento bom. Tinta escorrendo, pintura incompleta nas partes pouco aparentes, será que tem qualidade?
ResponderExcluirLuiz AG
ExcluirVoce notou que o motor do VW UP é quase tao potente como dessa moto?
Ronco lindo, encorpado, lembra um carro acelerando: http://www.youtube.com/watch?v=nvBjgJ23rNw
ResponderExcluirTive a emoção de ver, e sentir a presença marcante, de uma Benelli Sei vermelha, igual a da foto, em BH no ano de 1983. Foi durante a prova extra-oficial do Campeonato Mundial de MotoCross 125cc; uma caravana de motociclistas paulistas teve seu ponto de encontro na antiga concessionária Honda de BH, chamada Motocity. Realmente uma moto relevante.
ResponderExcluirExcelente avaliação, Roberto.
ResponderExcluirEntender o veículo como um todo e contextualisar os pontos negativos é a especialidade do AE. Assim podemos ver o veículo como um todo, em vez de ficar atento a detalhes bobos ou irrelevantes no dia-a-dia, ou cair no erro de ficar no super-trunfo, comparando números de ficha técnica.