Os carros feitos exclusivamente para entusiastas costumam ser péssimos pelo ponto de vista comum. Um Lotus Elise é mal acabado, apertado e sem espaço para carregar nada. Um Caterham Seven é primitivo e sem recurso nenhum. Mas todos eles são os ótimos em colocar um grande sorriso no rosto do motorista.
Podemos dizer que tudo começou com Colin Chapman, ao lançar
o Lotus Seven. O conceito do Seven é usado até hoje. Simplicidade e baixo peso,
ou apenas “add lightness” (adicione
leveza) como dizia o próprio Chapman. O MAO já contou sobre esta pequena
maravilha da engenharia aqui.
Em resumo, quanto mais leve for o carro, menos motor ele precisa para ser
rápido, e o Seven traduz este lema muito bem.
Ao longo dos anos, diversos carros chamados de minimalistas
foram feitos, até chegar no pequeno Ariel Atom, um pequeno carro para dois
ocupantes com motor 1,8-litros e chassi exposto. É uma versão moderna do que o
Seven foi o passado. Um pequeno motor em um carro bem leve e o resultado é
espetacular.
Entretanto, o Atom teve um parente muitas vezes esquecido no
tempo, mais precisamente, nos anos 1990. Em uma época repleta de carros
magníficos como o Jaguar XJ220,
o Vector M12 e o McLaren F1.
O McLaren, para mim, é um dos maiores carros já feitos na história e Gordon
Murray, seu criador, não começou por ele.
Desde os tempos da F-1, Murray se destaca como um dos maiores engenheiros do ramo |
Justamente pela grandeza dos feitos do F1, um dos projetos
anteriores de Murray não teve as mesmas proporções de público e divulgação, mas
foi tão sensacional quanto o próprio F1. Em 1992, juntamente com seu colega
Chris Craft, ex-piloto de Formula-1 e de carros esporte, Murray projetou o que
viria a ser chamado de Rocket. Pelo nome, dá para ter uma idéia do que se
trata.
As linhas do Rocket são puras, sem exageros |
De fato o carro era um foguete, mas não por ter um motor
enorme e diversos turbocompressores. Ao contrário, tinha um motor 1-litro de
aspiração natural. Murray seguiu o que via nos Seven e projetou um carro extremamente
simples, leve e equilibrado, capaz de confrontar qualquer carro da época de
igual para igual.
O incrível Lotus Seven, leveza era o lema do projeto |
Gordon Murray sempre foi adepto da lógica que carros com
suspensões bem projetadas não precisam de requintes eletrônicos para garantir
um nível de conforto e estabilidade equilibrados. Desta máxima nasceria o
projeto do McLaren F1.
Murray criou um chassi tubular leve e resistente, similar a
um carro de corrida de fórmula, com as rodas e suspensões expostas. Inspirado
no Seven, a leveza ditaria o projeto do carro. Um carro leve não precisa de
pneus grandes nem de suspensões muito firmes, o que estragam o conforto e a
experiência prazerosa ao volante.
Como todo “brinquedo” deste tipo, o Rocket leva dois
ocupantes. Alinhados como em uma cabine de um caça, o passageiro se senta logo
atrás do motorista. Não é exatamente o mais confortável possível, mas é o que
se podia fazer. O importante é o motorista.
Para se ter um motor pequeno porém potente, nada melhor que
um motor de moto. Um Yamaha quatro-cilindros, vinte válvulas e 145 cv seria o
suficiente para o trabalho (uma versão posterior viria a ter 175 cv). O motor
ainda seria um item estrutural do chassi, que suportaria os braços da suspensão
traseira, como em um carro de fórmula. Assim, não era necessário esticar o
chassi até o fim do carro só para segurar a suspensão, bastava ele acabar no
motor.
A engenhosidade de Murray sempre foi espetacular, e no
Rocket não foi diferente. Um motor de moto tem potência, mas precisa de muita
rotação para isso — 10.000 rpm para ser mais objetivo. O baixo torque se
comparado com um motor maior de mesma potência em rotação mais baixa poderia
ser um problema para a aceleração do carro. A solução veio com a Weismann,
fabricante de transmissões especiais que Murray conhecia dos seus tempos de
Brabham.
Transmissão especial feita pela Weismann, a mesma que fez para o McLaren F1 e diversos carros da Fórmula-1 |
A empresa fez um sistema mesclado com o câmbio seqüencial da moto
e uma caixa de redução com marcha à ré integrada (moto não tem ré) e um
diferencial de escorregamento limitado, o que fez o Rocket ter dez marchas,
cinco com a caixa de alta e cinco com a caixa da reduzida, como em uma
transmissão de caminhão.
No painel, à direita do volante, uma pequena alavanca
selecionava a redução das marchas (HI e LO, altas ou baixas). Desta forma, para
um circuito curto ou para rápidas acelerações, a opção LO era mais indicada,
enquanto que para a estrada e pistas de alta velocidade, a caixa deveria ficar
na opção HI.
Para engatar a primeira, puxa-se a alavanca para trás e depois as outras marchas são engatadas empurrando a alavanca para frente, da mesma forma que em uma moto. Curiosamente, o carro também tinha cinco marchas a ré. Há
uma lenda de que conseguiram chegar a mais de 160 km/h andando de ré.
Murray também sempre foi um homem de bom gosto em design.
Desde os Brabhams de corrida, seus carros são harmoniosos e elegantes. Com o
Rocket, não seria diferente. Como o carro era praticamente um fórmula, o
desenho da carroceria remete a um F-1 do final dos anos 1950. Muito elegante e
de bom gosto.
Cooper-Climax de 1959, inspirações dos anos 1950 e 1960 para o desenho da carroceria do Rocket |
A carroceria de compósito, o chassi tubular e o pequeno
motor de moto em alumínio, somados com o resto do carro não pesam mais que 375
kg. Isso mesmo. Só 375 kg, mais leve que o Ariel Atom original com seus 470 kg.
Com 175 cv e este peso, a relação potência-peso é de 466
cv/tonelada. Para se ter uma idéia, o Nissan GTR tem uma relação de 300
cv-tonelada enquanto que o próprio McLaren F1 tem 550 cv-tonelada. Essa relação
de baixo peso com boa potência significa acelerar de zero a 100 km/h em quatro
segundos e uma capacidade incrível de fazer curvas à velocidades extremamente
ilegais.
Motor Yamaha de moto, leve e potente |
Quando geralmente se fala na relação entre peso e potência,
usa-se a unidade kg/cv, mas é difícil imaginar o que isso representa. Se
pensarmos ao contrário, em potência-peso, fica mais simples de imaginar. Falar
que o Rocket tem 466 cv/tonelada é como imaginar um Fiesta moderno que pesa
mais ou menos uma tonelada com 466 cv. É mais intuitivo.
O Rocket não tinha nada além do mínimo necessário para se
dirigir com prazer. Nada de portas, espaço para carregar objetos, nem mesmo um
pára-brisa. Era a real tradução da expressão “prazer em dirigir”. Apenas homem
e máquina, nada de interferências, assim como era o Seven.
A parceria entre Murray e Craft fez nascer a empresa Light
Car Company, ou só LCC, que seria a
fábrica do Rocket. Tudo parecia bem, um excelente projeto feito para um mercado
sedento por carros esporte e prazer em dirigir. O único problema foi o preço.
Poucos foram os que enfrentaram a módica quantia de quase 40 mil libras. As
vendas foram baixas, algo entre quarenta e cinqüenta unidades. A engenhosidade
seria vencida pelo preço.
Anos depois de seu lançamento, uma nova tentativa de colocar
o carro no mercado foi feita, mas também sem grande sucesso. Será que um dos melhores
carros para se dirigir foi um erro de mercado, ou será que não temos mais
tantos entusiastas como antigamente? O Lotus Seven foi um sucesso, porém o
custo era outro. Na época do lançamento do Rocket, as pessoas estavam dispostas
a pagar muito mais por carros mais “mansos”, com conforto, requinte e peso
desnecessário, mesmo que mais lentos.
Não bastava mais os carros serem rápidos e espartanos,
tinham que ser luxuosos, confortáveis. Os anos 1980 marcaram o fim da era dos
carros viscerais como o Ferrari F40. Se fossem desprovidos de algum conforto,
os carros esportivos estavam condenados.
Assim, em seu projeto mais arrojado, Murray fez o McLaren F1
nos moldes do que os clientes pediam, mas mantendo seus princípios. O F1 era o
carro mais rápido do mundo, suave, sem eletrônicas complicadas, uma experiência
única em direção esportiva e comunicativa, e ainda assim era refinado.
Justificava seu preço astronômico.
Os dois irmãos lado a lado |
É uma evolução natural do mundo e dos entusiastas? Talvez.
Se o Rocket fosse barato, venderia mais? Talvez. O fato é que ele foi um
projeto genial, mas não se enquadrou no mercado, e sem o mercado nada
sobrevive.
O Ariel Atom não foi o primeiro a ter o conceito de carro minimalista |
Hoje o Ariel Atom até que vende bem, mesmo não sendo barato,
mas em mercados mais específicos como a Inglaterra, onde este tipo de carro ainda
é desejado. Quem sabe estamos tendo uma pequena volta de entusiastas à moda
antiga, quando o importante era o prazer de dirigir e não o status de parar um carro caríssimo em frente a
uma balada.
MB
MB
Emblema do capô dos LCC Rocket |
Fotos: divulgação Ariel e LCC, pistonheads, ultimatecarpage, Weismann, Stuart Bonnell, conceptcarz
Interessante como ele parece um belly tank da So-Cal Shop ao contrário... visto de traseira é notável a semelhança das formas.
ResponderExcluirÉ verdade, parece mesmo um tanker!
Excluirabs,
Quando geralmente se fala na relação entre peso e potência, usa-se a unidade kg/cv, mas é difícil imaginar o que isso representa. Se pensarmos ao contrário, em potência-peso, fica mais simples de imaginar.
ResponderExcluirNão concordo totalmente, talvez por falta de costume, ainda sim prefiro kg/cv.
Sempre vi com bons olhos os motores de motocicletas devido a potencia específica, principalmente em carros leves. E nem precisaria de motores de superesportivas: algo com 3 ou mesmo um bicilíndrico de media cilindrara imagino que de muito bem para projetar um carro divertido. Bicilíndricos de motos street de media cilindrada tem, no mínimo, 70cv, e em um veiculo de, por exemplo, 500kg em ordem de marcha já da algo com 7.14kg/cv e um um torque no mínimo razoável em rotações mais baixas.
Engenhoso esse Rocket, porém pessoas normais não costumam pagar muito por coisas desse tipo.
Renato, sobre a relação peso/potência, é mesmo uma questão de costume, mas para quem não está acostumado com os números, penso que comparar com um carro conhecido comum, que tem em média 1.000 kg, é melhor para visualizar.
ExcluirMaravilhoso esse carro. Como um amante de motos, esse carro seria a tradução de vendo no rosto, ruídos e sensação de liberdade da moto com quatro rodas. Mas em um mundo em que a primeira coisa que o comprador quer saber é tela touch screen e quantas estrelas tem no ncap, acho difícil dar certo. O mundo está cada vez mais chato....
ResponderExcluirariel atom não usa motor de moto.
ResponderExcluirVitor, você tem razão, o motor do Atom de 1999-2000 era da Rover 1,8-litros. O que teve um motor de moto, mais ou menos, foi o V-8, que era derivado de dois motores de motos. Já fiz a correção, obrigado.
ExcluirBelli,
ResponderExcluirgostei demais, já era hora de escrever sobre essa pequena maravilha.
Obrigado.
sinceramente acho que ele não projetou um carro...projetou um fórmula e colocou faróis e sinaleiras pra poder licenciar...jah o caterham, seven e atom são carros sim
ResponderExcluirEu ouvi falar sobre este carro a cerca de 10 anos atras, numa reportagem sobre Murray.
ResponderExcluirEste carro, assim como o Seven e outras maravilhas é o tipo de carro que merece ser revivido, fabricado sob licença por alguma marca, ou então vendido como kit. Vinte unidades apenas é muito injusto no mundo do automóvel feito para entusiastas.
O custo elevado matou o carro no mercado. Poucos pagaram pela exclusividade e desempenho.
ExcluirMilton ,e o lótus do Dr. Eduardo Polati, por onde anda?
ResponderExcluirVictor, não tive mais notícias do Raptor também, espero que esteja seguindo com o planejado, seria uma ótima notícia para todos.
Excluirabs,
Hehehhehe este carro está no jogo Gran Turismo 6, de Playstation 3. De todos os carros do game, é um dos mais divertidos de guiar. Sempre achei essa proposta de baixo peso interessante. Ganha-se no comportamento em curvas e não há necessidade de um motor gigantesco. Uma pena que o projeto não tenha dado tão certo.
ResponderExcluirPS: Já sonho aqui com uma versão reeditada com um motor "downsized", como o EcoBoost 1L da Ford. Certamente o custo seria bem menor, tanto do motor quanto da caixa, que seria "normal", sem um incremento absurdo de peso.
Olá! Será que um carro desses ou um Atom, pode ser emplacado no Brasil? Parabéns pelo blog sempre técnico. Abraço.
ResponderExcluirAcredito ser possível emplacar um ou outro como veículo especial, mas se fosse para trazer como um representante oficial, não deve ser possível, no caso dos Ariel 0km.
Excluirabs,