Foi um igual a esse, só que verde. Era 1973, ano antes do lançamento, numa reunião do Conselho Técnico Desportivo Nacional da CBA na Sociedade Hípica Brasileira, eu presente por presidir a Comissão Nacional de Pilotos, chega, direto de São Bernardo do Campo, com um Passat, o Otto Kutner, que eu conhecia há anos do tempo de Vemag.
Ele havia ido à reunião para tratar de assunto relativo às modalidades monomarca que a Volkswagen promoveria a partir de1974, o Torneio Nacional Passat e as Fórmulas VW 1300 e 1600. Por ser da engenharia experimental, aproveitou a viagem ao Rio para andar com o Passat numa situação normal.
Eu já vinha lendo sobre o novo Volkswagen, que seria fabricado aqui, e estava curioso em ver como era, dirigi-lo. O Otto nem pestanejou quando lhe pedi a chave, que já tinha serrilha simétrica. Além da amizade, eu era concessionário Volkswagen.
Era outro mundo em termos de automóvel, comparado com o que existia na gama Volkswagen. com motor bozer traseiro refrigerado a ar. Vi ali o futuro da fábrica de Wolfsburg. Dessas coisas inexplicáveis, tinha certeza do que iria encontrar. Aproveitei o intervalo da reunião para almoço e fui conhecer o Passat.
Entrei e imediatamente me senti bem. O banco abraçava bem e era baixo, como aprecio. Era claro e arejado, com o grande pára-brisa. Todos os comandos à mão. A alavanca de câmbio me lembrou os Renault, comprida e saindo do assoalho. Experimentei engrenar marchas e achei os engates curtos e leves. com um toque bem diferente dos outros VW. Naquele momento não desconfiei que viria a ser um ponto fraco do carro.
O painel era simples porém funcional, com o grande velocímetro à esquerda e o instrumento combinado (termômetro da água e nível de combustíve) à direita. Uma aba sobre os instrumentos evitava reflexos no vidro.
Fiz o teste de "sentar atrás de mim" e o espaço no banco traseiro era ótimo comparado com o que tínhamos, apesar do entreeixos de apenas 2.470 mm (um Celta tem 2.460 mm). O porta-malas merecia o nome, com 450 litros.
Ao dar partida, um som doce e um funcionamento suave. Já sabia que era um 1500 de 65 cv, potência líquida, a 5.600 rpm. Parado e com motor em sossegada marcha-lenta, abri o capô. Fiquei fascinado com os seus dois fechos mais trava de segurança.
Vi um quatro-cilindros inclinado para a direita com radiador ao lado, não na frente. Hélice do ventilador parada, o acionamento era elétrico e não mecânico por correia trapezoidal.
Ao tirar o carro da vaga, logo notei como a direção era leve (direção assistida na época, só no Galaxie e no Dart) e como as rodas esterçavam. O volante era grande, 400 mmm, de dois raios, com uma grande almofada central que servia para acionar a buzina. Bem da época. Saí do clube.
A desenvoltura me agradou muito. Como acelerava e como o motor girava bem, apesar da falta de conta-giros, e suavemente. O casamento motor-câmbio era perfeito, a elasticidade, admirável. Comparada primeiro com o DKW e depois com o Corcel, a direção em nada revelava que as rodas motrizes eram as dianteiras. Nenhuma reação ou oscilação, absolutamente nada.
Os freios exigiam mais força que nos VW aos quais eu estava acostumados, não havia servofreio. Mas desaceleravam muito bem, nova dimensão de frenagem.
Achei a suspensão áspera, o piso era copiado fielmente, mesmo sem passar em rua de paralelepípedos e apesar de chover. Os finos radiais 155R13S Pirelli CN15, ainda sem o desenvolvimento por acontecer, tinham grande parcela de culpa, como também a pressão de enchimento alta para a época para um carro do porte do Passat, 26 lb/pol² nos quatro. Fui dar uma boa volta, fui a São Conrado pela Estrada da Gávea e subi e desci a Estrada das Canoas.
Eu sabia da geometria de raio negativo de rolagem que a VW/Audi estavam aplicando nos seus carros e, já no alto da estrada, havia um trecho reto. Aproveitei para frear forte, no molhado, e sentir o efeito da geometria que provê auto-correção de trajetória. Não havia tráfego e freei - para sentir alguma coisa errada e ver pelo espelho interno uma Rural Willlys se aproximando rápido e já meio torta. O cara passou por mim me xingando por meio de palavras e gestos nada gentis....Que mancada, a minha! Ele me viu pelo espelho acenar pedindo desculpas.
Imagine-se a minha cara se demolisse a traseira do Passat...
Era junho, praticamente já inverno, chovia, lá em cima na Estrada das Canoas fazia algum frio. Deu para testar o ar quente. Que eficiência, que diferenca para o dos motores arrefecidos a ar brasileiros, que não tinham as mesmas caixas de ar quente com trocador de calor de aluminio dos motores alemães. E que área de varredura dos limpadores de pára-brisa!
Como fazia curva o Passat, no trilho, neutro, seguro, com tração sempre. Inspirava total confiança. Havia ali o DNA Auto Union-DKW sem a menor dúvida.
O motor 827, do engenheiro Ludwig Krauss, era mesmo brilhante. Comando no cabeçote acionado por correia dentada, atuação direta sobre os tuchos tipo copo, curso longo (76,5 x 80 mm, 1.471 cm³), uma das razões para a elasticidade. Na rotação de potência máxima a velocidade média dos pistões era de 14,9 metros por segundo, bem longe do limite aceito então, 20 m/s. A relação r/l, com as bielas de 136 mm, estava dentro da faixa boa, 0,294.
O transeixo Audi 013, quatro marchas, tinha um jeito totalmente diferente dos usados nos VW "a ar". O par final era hipóide (centros do pinhão e da coroa não-coincidentes), de funcionamento mais silencioso. O comando de câmbio, apesar da alavanca "à Gordini", era razoável naquele carro.
Voltei para o clube (reunião do CTDN!), dei a chave para o Otto e lhe agradeci a oportunidade de ter conhecido um futuro campeão de vendas.
BS
Era muito pequeno na epoca , mas lembro que meu pai vendeu uma Brasilia e comprou um 75 num bonito azul escuro... Achava o carro fantastico. Depois vieram um dourado 76 e um TS 77 com o qual ficou um bom tempo e deixou bastante saudades!
ResponderExcluirBons tempos !
Bob, esse motor é aquele projetado pela Mercedes-Benz?
ResponderExcluirAo chegar o primeiro TS, continuava o alavancão de câmbio. No ano seguinte, chegou a alavanca pequena, de engates precisos. Objeto do desejo, você chegava na agência e perguntava: alavanca pequena ou grande? Lembro do Telê Santana, quando técnico vitorioso do Grêmio FBPA em Porto Alegre, recebia a cada ano, além do salário, que não era pouco, um Passat TS zero km, segundo diziam, abreviatura adotada por seu nome.
ResponderExcluirluiz borgmann
TS = Tele Santana?
ResponderExcluirNão acrdito, mais para Turismo Sport....
Bob, empolgante o texto.
ResponderExcluirUma dúvida: coube ao Passat estrear o motor AP, em 1976?
Forte abraço!
Bob,
ResponderExcluirSeu texto - ótimo, como sempre - me fez reviver em detalhes a experiência de dirigir pela primeira vez o Audi 80, irmão de três volumes do Passat, naquele mesmo ano de 1973.
Dá o que pensar a solução para o impasse tecnológico da VW ter vindo de fora da cultura tradicional da empresa. Se a VW não tivesse comprado a empresa resultante da fusão entre Auto Union e NSU, seu futuro teria sido bem diferente.
Certa vez, em uma época de transição, tive um Passat por um curto período.
ResponderExcluirAcho que era LS e nem lembro mais o ano. Era um verde abacate horrível, todo enferrujado e que minha esposa transportava naquele "porta-malão", tijolos para a construção de nossa casa. Depois de um tempo, as molas traseiras cansaram e ele se parecia com um avião prestes a alçar voo.
Mesmo assim fiz uma longa viagem com ele, e posso dizer que em estabilidade, tanto em reta como em curva, foi um carro de excelência ímpar.
Bob,
ResponderExcluirMudando de assunto, a versão final da curva do café para a F1 vai ser com aquela bizonha chicane? Fizeram para segurança mas os "stock cars" custavam a fazer ela sem escorregar bastante...
Nicolas
ResponderExcluirMotor 827 é nome da família. É o mesmo quw AP. Esta designação foi usada aqui, inclusive antes de AP houve outra, MD 270, que era chamado também "Motor Toque".
Paulo Levi
ResponderExcluirFoi a tecnologia Auto Union que salvou a Volkswagen, não há nenhuma dúvida quanto a isso.
Leon
ResponderExcluirNão exatamente pela Mercedes, mas sob a administração dela.
Meu pai era aficcionado pelo Passat desde o lançamento! LS, TS, Village, só não tivemos o LSE e o Pointer, os demais com farol redondo, quadrado, todos. Tenhi inúmeras fotos como bebê ao lado dos Passat, alguns com a faixa preta nas caixas de ar laterais... Um show de carro, realmente deixou saudades. Elio Filho
ResponderExcluirBod@ao
ResponderExcluirAssassinaram uma curva que não tinha problema e pelo jeito vai ficar para a F-1. Nem vi a corrida, mas carros escorregarem com aquela pneuzada toda é sinal que alguma coisa está errada.
Belo texto Bob!
ResponderExcluirAgora me bateu uma saudade do meu TS 78 que está desmontado por completo no momento, estou restaurando!
Abraço!
Dr. Elio Filho
ResponderExcluirO impacto que o Passat me causou é inesquecível. Quando o nosso primeiro chegou na concessionária em 1974 (era vermelho, lindo) aparafusamos as placas de experiência e começamos a deixar os cliente andarem com o carro, um dos sócios acompanhando. Só deixamos de vender um carro nestes testes. A pessoa andava e comprava.
Na minha opinião o Passat foi o melhor carro nacional da década de 70, tivemos três na família.
ResponderExcluirMcQueen
Que pena que a VW não é mais aquela...
ResponderExcluirO negócio agora são carros frágeis, recauchutagem de motor e compartilhar a estratégia da Fiat e GM de manter projetos defasados dando só um 'tapa' no visual, caso do 'novo' Polo, por exemplo.
Bob, tive 4 Passats, na época fornecidos pela empresa que eu trabalhava. 2 portas LS até o LSE 4 portas que foi para o Iraque. Foi o melhor carro que já tive, junto com o Gol GTS. Até hoje procuro um em bom estado no Mercado Livre para comprar, o que é difícil. Seria a a melhor alternativa do dia a dia que o Puma. Esse fica p/ roles eventuais. Abração, Luiz
ResponderExcluirdetector de leitor do NA modo ativo:
ResponderExcluir"Que pena que a VW não é mais aquela...
O negócio agora são carros frágeis, recauchutagem de motor e compartilhar a estratégia da Fiat e GM de manter projetos defasados dando só um 'tapa' no visual, caso do 'novo' Polo, por exemplo"
Que texto legal! Deve ter sido uma grande evolução frente aos motores Boxer da VW.
ResponderExcluirUma pena que hoje em dia os fabricantes sejam tão iguais.
Aliás, você poderia escrever sobre a falta de controle de qualidade hoje em dia. Fiat caindo roda, motor VW fundindo com 5mil km por óleo errado de fábrica etc.
Por falar nisso, pesquise no YouTube o vídeo daquele mecânico mineiro ADG sobre seu Uno.
Meus pais tiveram um Passat LS 1975, ainda com o "alavancão" de câmbio. De fato, o único senão do carro era o câmbio de engates imprecisos. Foi necessário inclusive substituir a alavanca de câmbio, cuja bucha havia se desgastado em excesso, tornando os engates praticamente impossíveis...
ResponderExcluirMeu primeiro carro também foi um Passat LS, mas ano 1981, primeira safra com motor a etanol. Terrível dar partida em dias frios, mesmo injetando gasolina! Esse problema foi devidamente solucionado após a substituição do motor original por outro AP2000 a gasolina. Imagine um "moleque" de 23 anos a bordo de um carro desses! Foi grande companheiro de aventuras e alguns sustos ao volante, por pura imbecilidade de seu proprietário...
Caro Bob,, Boas lembranças;;- Saudades tbm do meu Passat TS 1977branco ( No 72 ) ,,( participei do Tormeio Nacional Passat ).Motor revisado pelo Fredy,, da Tropical Motors,,um otimo macanico,,( de motor ) mas sofri com a suspensao,,saia muito de frente..e o Fredy nao conseguia descobrir.o que os concorrentes faziam (Equipe Condor , Autobet entre outras_) , para conseguir trasferir toda potencia para o aslfato,,,,,,,abraçao Águia from Floripa;
ResponderExcluirAprendi a dirigir num LS 2p 1980, 1.6 com volante e instrumentos do TS. Era confortável e econômico, servia muito bem a nossa família. Lembro que quando meu pai o trouxe pra casa, trocado por um Chevette 1978, o carro ficou parado 2 dias esperando o mecânico para trocar o reparo da alavanca de câmbio, serviço feito na garagem de casa sob o olhar curioso deste menino com 11 anos de idade na ocasião.
ResponderExcluirTão revolucionário pra VW quanto o Monza pra GM, não?
ResponderExcluirBob, se você tivesse concluído o 'acasalamento' entre o Passat e a Rural poderia ser considerado o projetista do Gol...
ResponderExcluirAlexandre-BH
ResponderExcluirRá, rá, rá!!!
Boa essa.
Meu primeiro carro foi um Passat 78. Já tinha servo freio (que acabou sendo desativado por problemas de vazmento que afetavam a lenta) e sem a famosa "caixa louca", acho que 78 foi o ano em que substituíram ela. Me chamou atenção também os dois pontos de fixação do capô.
ResponderExcluirO meu era a versão básica, então acabei comprando um painel do TS para substituir o relógio (que não funcionava mais direito) pelo conta-giros. Aproveitei e troquei o velocímetro também, pois o meu oscilava bastante: saindo da garagem de ré ele acusava picos de 80 km/h (risos).
Bob, qual a fórmula para se calcular a veloidade do pistão?
Passat é um dos melhores carros p/ se fzr curva q já pilotei.
ResponderExcluirClaro q usando suspa de pista, c/ a traseira arriada e cambagem bem negativa na dianteira.
Bob, esse é um post que dá gosto de ler!!!
ResponderExcluirPelamordeDeus, continue sempre assim!
O deslocamento de cada cilindro é dado pelo diâmetro e pelo quanto o pistão se movimenta.
ResponderExcluirNo caso do motor do Passat temos:
Diâmetro (D) = 76,5mm
Deslocamento do cilindro = 80mm
A cada rotação do motor o pistão percorre a distância de 80mm duas vezes, uma subindo e outra descendo.
Então calculamos a velocidade média:
2 * Diâmetro * Rotação
No caso do Passat:
2 * 80mm * 5600/min = 896.000mm/min
Passando para m/s:
896000mm/min * 1/1000 m/mm * 1/60 min/s = 14,93m/s
Note que essa é a velocidade média. Sendo que a velocidade do pistão não é constante em todo o ciclo, em alguns momentos essa velocidade será maior e em outras menor, chegando a zero no ponto morto superior e no ponto morto superior.
Podemos resolver a velocidade real, em cada instante de tempo, do pistão considerando ele como um oscilador harmônico forçado, mas é um calculo que envolve ferramentas matemáticas um pouco mais avançadas.
Rafael Tamburos
ResponderExcluirMais fácil: curso em metros x rpm / 30. 0,08 x 5600 / 30 = 14,93 m/s
Obrigado Rafael e Bob.
ResponderExcluirSim Bob, acho que tenho mania de físico, sempre complicando!
ResponderExcluirQuis explicar de onde vem cada coisa, mas para fins práticos, sua forma de cálculo é bem melhor.
Abraços
Ótimo post. Na minha opinião, o Passat 1974 é um carro atraente até hoje. Aprecio muito também o Passat 1979, com aqueles faróis dianteiros diferentes.
ResponderExcluirPena que a Volkswagen não equipava de série no motor 1500, carburador de duplo corpo e duplo coletor de escapamento.
Mas já fui informado que a instalação era possível na época, assim que veio o Passat TS.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirÓtimo texto, Bob
ResponderExcluirMeu pai simplesmente adorava esse carro, assim como eu e meu irmão. Ele foi proprietário de treze Passat, sendo o último um Pointer.
Aqui onde moro, Brasília (Guará), tem um pertinho de casa, modelo Pointer, cinza grafite, simplesmente como se tivesse saído da fábrica, lindão.