O ano é 1968, e a pista é Nürburgring, Alemanha. Numa nebulosa tarde de 5a feira, a bordo de um Fusca, Jackie Stewart e Ken Tyrrell, então piloto e mecânico-chefe da Equipe Matra F-1, saem para umas três voltas de reconhecimento no circuito que perfazia quase 23 quilômetros (Nota: em 1984, por medida de segurança, fizeram um traçado menor, porém, diferentemente do que uns “xaropes” fizeram com Interlagos, mantiveram também em uso o longo e maravilhoso traçado antigo – os europeus não jogam, como nós, seu passado no lixo).
A situação era soturna, a visibilidade era tão baixa que não permitia Stewart acelerar o lento Fusca sem que corresse o risco de se chocar com algo acobertado pela bruma.
Imaginem o que se passava na cabeça desse homem, sabendo que nos próximos dias passaria voando a até 300 km/h pelas mesmas curvas e retas, porém dentro de algo parecido com um torpedo cheio de gasolina e estruturado por uma gaiola de finos canos! Assustador, não? Uma pessoa normal sofreria de tremores generalizados, porém, Stewart, apesar do medo, manteve-se firme, tentando ser racional e procurando meios de, além de sobreviver, vencer. A vida de piloto profissional tem dessas coisas, horas dificílimas também – quando não pode refugar, simplesmente não pode.
Stewart ainda não se sagrara campeão, o título daquele ano acabaria ficando para Graham Hill., da Lotus. No seguinte, 1969, sim, bem como em 1971 e 1973.
Stuações aflitivas como essa, e por ver companheiros morrendo nas pistas, penso eu, que levaram-no a ser um dos maiores defensores da melhoria da segurança nas corridas de F-1. Mas, ainda não era hora de fazer algo por isso, Stewart era ainda meio novato e a hora era de arriscar a pele para vencer.
As condições eram críticas, mas podiam piorar, e pioraram... O dia seguinte, o primeiro de treinos, choveu em alguns trechos da pista, e a neblina continuava densa o bastante para ser cortada a faca. A memória de Stewart lhe trazia algo que o martelava. Eram os vinte e cinco minutos pelos quais passou, dois anos antes, preso às ferragens de seu BRM na pista de Spa-Francorchamps. Hill e Bob Bondurant foram seus salvadores usando as ferramentas de um espectador. A partir desse acidente Stewart passou a levar uma chave inglesa presa por esparadrapo dentro de seus Fórmulas... “just in case...”.
Então, na manhã dessa 6a feira, para não arriscar, Stewart somente deu umas quinze voltas pela variante curta do circuito, a Südcheleife de 7,75 km, em seu Matra-Ford, sem marcar tempos, só para ajustes de freios e pneus. Jackie Ickx, Graham Hill, Chris Amon, John Surtees e Jochen Rindt arriscaram-se no circuito longo, no qual seria realizada a corrida, e, apesar do denso “fog”, fizeram os melhores tempos do fim-de-semana para a classificação, pois partes do cicuito ainda estavam secas, ao passo que o sábado foi mais chuvoso, não permitindo a Stewart então batê-los.
Assim, no Domingo, Stewart largou em sétimo. Fez boa largada e saiu da primeira curva na terceira posição, atrás de Amon e Hill, que liderava. A neblina, a chuva e o spray dos carros adiante tornavam a visibilidade praticamente nula. Stewart não conseguia ver os pontos (as marcações de beira de pista, como árvores, guard-rail, placas) que levantara para suas frenagens. Poças e verdadeiros rios simplesmente apareciam debaixo do carro pois a floresta, as quais as curvas circundavam, encobriam a visão – aquaplanagens inesperadas e aflitivas eram constantes.
Crítica. Situação crítica. Em todos os circuitos uma situação dessas já é temerária, porém em Nürburgring tornava-se estarrecedora. As curvas, as subidas e descidas são tão numerosas que mesmo num dia ensolarado já são de difícil memorização; num dia como aquele Stewart simplesmente não fazia idéia de onde estava – corria por instinto, puro instinto. E havia outro agravante, ele sabia que os que iam adiante estavam na mesma “fria” e a qualquer momento poderiam rodar à sua frente...
Mesmo assim, ao final da primeira volta já havia ultrapassado Amon e ia ao encalço de Hill. Ultrapassar Hill teria de ser feito em trecho de baixa velocidade, pois nas retas o spray e a neblina eram tão intensos que pareciam grudar-se, formando uma verdadeira muralha branca. Stewart fez a curva Karoussel melhor que Hill, aproximou-se e ultrapassou-o. Pronto, agora sabia a situação pela qual Hill estava agora passando e tratou de se distanciar. Ao cabo de duas voltas já abrira 34 segundos e assim seguiu até o final da prova, quando venceu com 4 minutos de vantagem sobre Hill, o segundo colocado.
O Matra-Ford esteve perfeito. O único senão foi o acúmulo de areia no mecanismo de acionamento do acelerador, o que muitas vezes o prendia aberto, em momentos, digamos, inconvenientes...
Segundo Jackie Stewart, esta foi sua melhor corrida, pois foi vencida nas piores condições que enfrentou em toda sua carreira. Ufa! Pois é! Dessas, basta uma na vida...
AK
A situação era soturna, a visibilidade era tão baixa que não permitia Stewart acelerar o lento Fusca sem que corresse o risco de se chocar com algo acobertado pela bruma.
Imaginem o que se passava na cabeça desse homem, sabendo que nos próximos dias passaria voando a até 300 km/h pelas mesmas curvas e retas, porém dentro de algo parecido com um torpedo cheio de gasolina e estruturado por uma gaiola de finos canos! Assustador, não? Uma pessoa normal sofreria de tremores generalizados, porém, Stewart, apesar do medo, manteve-se firme, tentando ser racional e procurando meios de, além de sobreviver, vencer. A vida de piloto profissional tem dessas coisas, horas dificílimas também – quando não pode refugar, simplesmente não pode.
Stewart ainda não se sagrara campeão, o título daquele ano acabaria ficando para Graham Hill., da Lotus. No seguinte, 1969, sim, bem como em 1971 e 1973.
Stuações aflitivas como essa, e por ver companheiros morrendo nas pistas, penso eu, que levaram-no a ser um dos maiores defensores da melhoria da segurança nas corridas de F-1. Mas, ainda não era hora de fazer algo por isso, Stewart era ainda meio novato e a hora era de arriscar a pele para vencer.
As condições eram críticas, mas podiam piorar, e pioraram... O dia seguinte, o primeiro de treinos, choveu em alguns trechos da pista, e a neblina continuava densa o bastante para ser cortada a faca. A memória de Stewart lhe trazia algo que o martelava. Eram os vinte e cinco minutos pelos quais passou, dois anos antes, preso às ferragens de seu BRM na pista de Spa-Francorchamps. Hill e Bob Bondurant foram seus salvadores usando as ferramentas de um espectador. A partir desse acidente Stewart passou a levar uma chave inglesa presa por esparadrapo dentro de seus Fórmulas... “just in case...”.
Então, na manhã dessa 6a feira, para não arriscar, Stewart somente deu umas quinze voltas pela variante curta do circuito, a Südcheleife de 7,75 km, em seu Matra-Ford, sem marcar tempos, só para ajustes de freios e pneus. Jackie Ickx, Graham Hill, Chris Amon, John Surtees e Jochen Rindt arriscaram-se no circuito longo, no qual seria realizada a corrida, e, apesar do denso “fog”, fizeram os melhores tempos do fim-de-semana para a classificação, pois partes do cicuito ainda estavam secas, ao passo que o sábado foi mais chuvoso, não permitindo a Stewart então batê-los.
Assim, no Domingo, Stewart largou em sétimo. Fez boa largada e saiu da primeira curva na terceira posição, atrás de Amon e Hill, que liderava. A neblina, a chuva e o spray dos carros adiante tornavam a visibilidade praticamente nula. Stewart não conseguia ver os pontos (as marcações de beira de pista, como árvores, guard-rail, placas) que levantara para suas frenagens. Poças e verdadeiros rios simplesmente apareciam debaixo do carro pois a floresta, as quais as curvas circundavam, encobriam a visão – aquaplanagens inesperadas e aflitivas eram constantes.
Crítica. Situação crítica. Em todos os circuitos uma situação dessas já é temerária, porém em Nürburgring tornava-se estarrecedora. As curvas, as subidas e descidas são tão numerosas que mesmo num dia ensolarado já são de difícil memorização; num dia como aquele Stewart simplesmente não fazia idéia de onde estava – corria por instinto, puro instinto. E havia outro agravante, ele sabia que os que iam adiante estavam na mesma “fria” e a qualquer momento poderiam rodar à sua frente...
Mesmo assim, ao final da primeira volta já havia ultrapassado Amon e ia ao encalço de Hill. Ultrapassar Hill teria de ser feito em trecho de baixa velocidade, pois nas retas o spray e a neblina eram tão intensos que pareciam grudar-se, formando uma verdadeira muralha branca. Stewart fez a curva Karoussel melhor que Hill, aproximou-se e ultrapassou-o. Pronto, agora sabia a situação pela qual Hill estava agora passando e tratou de se distanciar. Ao cabo de duas voltas já abrira 34 segundos e assim seguiu até o final da prova, quando venceu com 4 minutos de vantagem sobre Hill, o segundo colocado.
O Matra-Ford esteve perfeito. O único senão foi o acúmulo de areia no mecanismo de acionamento do acelerador, o que muitas vezes o prendia aberto, em momentos, digamos, inconvenientes...
Segundo Jackie Stewart, esta foi sua melhor corrida, pois foi vencida nas piores condições que enfrentou em toda sua carreira. Ufa! Pois é! Dessas, basta uma na vida...
AK
Loucura!
ResponderExcluirBelo texto, Arnaldo.
História Incrível. Conforme lia, ia imaginando os trechos, os fatos em minha mente. Gostaria de ver as expressões de Jackie kkkk
ResponderExcluirCaraca! Não bastassem as condições terríveis de visibilidade e aderência, Jackie Stewart ainda teve que "brigar" com um acelerador teimoso, que resolvia enroscar nos momentos mais indesejáveis?! Simplesmente incrível!
ResponderExcluirEm minha humilde opinião, apesar do grande perigo, os anos 60 e 70 foram os que apresentaram maiores emoções em corridas de automóveis, tanto para pilotos quanto para o público em geral. As coisas saíam na marra...
Na minha mente passou o "vt" dessa corrida. Kkkk. Parabéns pelo texto.
ResponderExcluirSe é na Formula 1 atual, interrompem a corrida e aparece um monte de bichonas com toalhias para secar a pista (vide GP do Canadá deste ano). Bons tempos esses em que a F1 era feita por homens e não esses frangotes da atualidade.
ResponderExcluirBelíssimo texto,como sabe usar as palavras esse AutoEntusiasta...
ResponderExcluirStewart foi destacado o melhor de sua geração. Gênio. Os caras de Lotus 72( carrinho que correu de 70 até 76, tão melhor que era...) e tomavam poeira ...
Fantástico texto, só de ler já dá pra imaginar o sufoco, nessa época não devia ser fácil!
ResponderExcluirArnaldo, você sabe me dizer quantas voltas eram dadas neste imenso circuito de Nurburgring em um GP de Formula 1?
Gilmário,
ResponderExcluirNormalmente um GP tem ao redor de 300 km, então deveria dar umas 15 voltas, ou pouco mais.
Só de imaginar a corrida fiquei com as mãos suadas... Tenho minhas dúvidas se o pessoal da F-1 hoje faria igual. O mais próximo que vi disso foi a corrida de Senna em Donnington Park,em 1993,tendo no fim da corrida,de usar pneus usados,pois o estoque tinha acabado nos boxes...
ResponderExcluirAo relembrar o acidente em Spa,Stewart afirmou que foi uma situação terrível,preso nos destroços do carro enquanto a gasolina escorria do tanque arrebentado e ia encharcando o macacão,e Hill ia serrando o cockpit com muito cuidado,pra não criar uma faísca. Depois o levaram para um celeiro e tiraram o macacão,quando apareceu um grupo de freiras,que ficaram escandalizadas ao verem o Jackie só de cueca. Ele nasceu de novo...
Keep walking.
ResponderExcluirGuilherme Costa
Caro Arnaldo,
ResponderExcluirSeus textos são dez, poéticos, até como o seu livro. Continue escrevendo, please. Abração
Puxa, que cagaço! A gente já fica tenso viajando sob chuva e neblina, imagino numa corrida, onde em vez de tirar o pé, tem que acelerar! Me senti dentro do carro nesse belíssimo e perigoso circuito. Estou me lembrando do ótimo texto do Milton Belli, 'Sobrevivendo ao inferno verde', em que um vídeo mostra a pilotagem do instrutor Andreas Gülden em condições críticas de pista. E pensar que o Jackie Stewart enfrentou situação muito pior!
ResponderExcluirO Sir Stewart tem bolas de aço. Fora que além de um dos melhores que já guiaram essas baratas, sempre se mostrou um cara honrado em todas as situações, dentro e fora das pistas.
ResponderExcluirAlém disso, pelo que se vê nas entrevistas, parece um baita boa-praça, daqueles de se dar muita risada numa conversa de boteco.
AK,
ResponderExcluirBelo e delicioso texto. Parabéns!
Fantástico
ResponderExcluirÓtimo texto e história Ak.
ResponderExcluirParabéns.
Realmente Arnaldo, eles tinham que ter "balls of steel" para encararem os torpedos cheios de gasolina e feitos de gravetos soldados ... Parabéns pelo texto !
ResponderExcluirBy the way: falta muito para o dia 21 ? Gostaria de ir com o Dodjão da foto mas vamos de Voyagim mesmo ! Abraço e até lá !!!
Rodrigo SBC
Voyage Red89
Arnaldo,
ResponderExcluirParabéns.
Texto épico, tétrico, emocionante.
Conforme a descrição, fui imaginando as cenas, tais como um filme. Sim, isto daria base para um roteiro de um filme, se bem produzido seria um filme belíssimo.