Há alguns anos, a Saab teve uma idéia: por que não injetar água para dentro do motor, resfriando a câmara, para evitar a detonação, e ainda melhorar o consumo em situações de pé embaixo?
Claro que essa idéia é mais antiga que a Saab, muitos sabem. O que os suecos pensaram diferente, em 1996, foi usar a água do lavador de pára-brisa. Per Gillbrand, o engenheiro-chefe de motores, principal articulador da introdução do turbocompressor na marca, foi o responsável por trabalhar essa idéia.
Considerado um guru de motores, seu pensamento sobre a adoção do turbo exemplifica o tipo de raciocínio deste engenheiro, e o porquê da Saab ser considerada um empresa que pensava diferente do normal. Disse Gillbrand:
“All engines have an oil pump, a fuel pump and a water pump". “So why not an air pump, which is all a turbo really is? I think it’s odd that all engines don’t have one!”.
(Todos motores tem uma bomba de óleo, uma bomba de combustível e uma bomba de água. Então, por que não uma bomba de ar, que é tudo o que um turbo é, na verdade ? Eu acho estranho que todos os motores não tenham um!)
Ele dirigiu essa pesquisa, com base em tudo que já se sabia sobre injeção de água. A água ajuda com que o motor trabalhe com lambda bem próximo a 1, o número ideal para a combustão.
Esse fator representa a proporção de ar em relação a combustível, sendo 1 o número ideal.
Para trabalhar visando economia, os engenheiros de motores procuram chegar a lambda pouco abaixo do valor unitário, ou seja, com a mistura levemente pobre.
O índice lambda 1 não significa que seja uma parte de combustível para uma parte de ar, mas a proporção estequiométrica correta, na gasolina, 14,5 partes de ar para cada parte de combustível.
A Saab já tinha experiência nessa área. O Saab 99 Turbo S foi uma versão especial, fabricada em pequena quantidade por volta de 1980, que tinha a instalação de um kit de injeção de água de fábrica. Esse kit foi vendido pelos concessionários da marca, e podiam também ser instalados no modelo que veio depois do 99, já destrinchado pelo Marco Antonio Oliveira, o 900 clássico, pré-GM.
Abaixo, o boletim técnico da fábrica, mostrando como se instalava esse equipamento. Tinha um pequeno tanque separado apenas para essa finalidade, nessa época, ainda não tendo nenhuma relação tendo com o lavador de vidro.
Apenas na Austrália, a Saab local modificava o 900, criando o modelo Enduro, uma versão bastante limitada e esportiva, que já vinha com esse kit montado. Registros mostram que apenas 11 carros foram fabricados.
Acima e abaixo, o Enduro, exclusivo para Austrália |
Nos motores experimentais de 1996, a injeção de água do lavador do pára-brisa era acionada quando se pisava no acelerador até o fundo, ou quando se passava de 200 km/h.
Injetada no coletor de admissão, permitia redução de consumo entre 20 e 30%, justamente em condições de maior gasto de combustível.
A injeção de água é bastante antiga. Usava-se em motores aeronáuticos desde a Segunda Guerra Mundial, e antes disso experimentalmente.
Nos dragsters é normal ver um mecânico esquichando água nas borboletas de admissão de ar. Nesse caso, justamente para baixar a temperatura na câmara antes da prova cronometrada.
A Saab foi além com as pesquisas, incluindo o aditivo anti-congelamento na água do lavador, uma absoluta necessidade em climas frios, e verificando o que ocorria com o motor tendo que admitir a água com o aditivo.
Nas páginas do boletim fica claro que deveria ser usado apenas o anticongelante derivado do álcool de madeira, sendo o etileno-glicol não permitido, pois poderia causar danos ao motor.
Nas páginas do boletim fica claro que deveria ser usado apenas o anticongelante derivado do álcool de madeira, sendo o etileno-glicol não permitido, pois poderia causar danos ao motor.
Na época, Per Gillbrand declarou que ele tinha certeza que havia ainda muito campo para desenvolver os motores de combustão interna, e que o uso cada vez mais difundido dos turbocompressores permitiria atingir ótima eficiência, tanto de consumo quanto de emissões.
Isso fica a cada dia mais claro, basta ver o contínuo trabalho das fábricas em projetarem e produzirem motores de menor tamanho. Há exemplos em todas as marcas mais conhecidas. Esse assunto está tratado aqui, nesse post do André Dantas.
Já há bastante tempo, o principal componente adicionado a motores para baixar a temperatura de admissão é o trocador de calor ar-ar, conhecido como intercooler, ou, se quisermos usar termo em portguguês, inter-resfriador. É o mais comum, sendo de baixo custo e não sofrendo com a possibilidade de vazamentos de líquidos, o que é sempre bom para a confiabilidade mecânica do veículo.
A eficiência do trocador ar-ar não depende de quantidade de água, e permite uma redução de temperatura importante na admissão, melhorando muito a eficiência da queima, já que a densidade do ar admitido é maior. Mais moléculas de oxigênio em um mesmo volume.
Por que esse trabalho não foi em frente não sabemos. Podemos apenas especular que a possibilidade de ter essa ajuda da água por período limitado, devido à capacidade do reservatório do lavador, deve ter levado a uma decisão de não produzir. Clientes poderiam reclamar, dizendo que o carro apresentava algum comportamento muito variável entre as duas condições, com e sem injeção de água.
A Saab era realmente uma empresa diferente. Mantinha a imagem de experimentar, e divulgar o que estava tentando fazer funcionar.
Como o motor de taxa de compressão variável, já abordado neste blog, mostrava sua capacidade de tentar inovar além do normal.
Hoje, a empresa passa por dificuldades enormes, estando desde a semana passada, sob processo de fechamento solicitado pelo governo sueco, já que não produz desde abril e por consequência, não tem como pagar seus fornecedores.
Uma irreparável perda técnica para o mundo automobilístico.
Como o motor de taxa de compressão variável, já abordado neste blog, mostrava sua capacidade de tentar inovar além do normal.
Hoje, a empresa passa por dificuldades enormes, estando desde a semana passada, sob processo de fechamento solicitado pelo governo sueco, já que não produz desde abril e por consequência, não tem como pagar seus fornecedores.
Uma irreparável perda técnica para o mundo automobilístico.
JJ
ALém das vantagens já citadas, a água funciona como antidetonante.
ResponderExcluirDá pra perceber que quem entende muito de mecanica utiliza agua pra descabonizar inclusive os carros injetados https://www.youtube.com/watch?v=UXetbuEFLvM
ExcluirE também deixava as velas e as válvulas limpinhas...
ResponderExcluirUi!
Gustavo,
ResponderExcluirexato, foi o que eu escrevi no primeiro parágrafo: evitar pré-detonação.
vivendo e aprendendo (e provavelmente morrer sem saber quase nada,,,) Lembro de um mec, meio prof. Pardal, que afirmava ser possível melhorar o rendimento do motor com um tiquinho d'água. Quem frequentava a sua oficina, dizia que ele era maluco e tals, mas o fusquinha dele, (um 1.3 1971 meio malhadinho(tinha sido taxi), em 1975 por aí) fazia na Castelo Branco uns 15km/l a 80 por hora. Cansou de ganhar apostas mas ninguém acreditava que o motor aguentaria. Ele não tinha conhecimento acadêmico mas um "instinto" daqueles. Gostaria de saber por ande anda o Pardal... Valeu pelo post.
ResponderExcluirSensacional, perfeito, é desse assunto que eu gosto!
ResponderExcluirTambém não entendo porque todo motor não tem um turbo, mas tenho certeza que o turbo é o futuro assim com o cambio automatizado de dupla embreagem.
Muito bom esse post, nunca tinha lido nada a respeito, valeu JJ.
ResponderExcluirJJ e Entusiastas;
ResponderExcluirMotores a pistão da segunda guerra mundial se utilizavam do recurso de injeção de água + metanol para obter esse efeito, especialmente em condições de superpotência (situação extrema onde um piloto abria mão de mais potencia do motor para uma caçada ou uma manobra evaziva - mas temporario).
Alguns motores a reação também se utilizava do metanol para resfriar ainda mais o ar da admissão.
Por falar em perda irreparável, como previsto a mazda tirou de linha o RX-8. Estou de luto.
ResponderExcluirinfelizmente o mercado não valoriza as coisas diferentes, nem quando elas são muito boas.
As marcas exóticas e que utilizam soluções inusitadas acabam falindo.
A injeção de água não prejudica o lubrificante do motor?
ResponderExcluirA água presente no Etanol também ajuda a refrigerar o motor?
JJ, queria lhe perguntar uma coisa...
ResponderExcluirPeroxido de Hidrogênio? Alguma pesquisa sobre? Já vi sobre um avião que se incendiou com um carregamento que vazou e secou, e em limpeza de pedras, aonde na embalagem é dito: Água Oxigenada 70%, não deixar secar em tecidos pois pode iniciar incêndio..
há uma grande liberação de oxigênio do produto, gerando também calor...
Conhece algo ou poderia fazer um post a respeito?
Abraço!
Em condições de altas cargas ou overboost, as câmaras viram um verdadeiro inferno. Muito calor tem de ser trocado com as partes.
ResponderExcluirA injeção de água + metanol contribui com isso pois é água rouba muito mais calor do ambiente para vaporizar-se, comparado a gasolina. Isso ajuda diretamente no resfriamento da câmara. Câmara mais fria é sinônimo de menor tendência de autocombustão e/ou detonação. Se houver um certo excesso de ar na mistura e a temperatura mantiver-se "baixa", o oxigênio aquecido não reagirá com o alumínio dos pistões e não "abrirá buraco" neles.
Este "excesso de humidade do ar" também contribui para um retardo na velocidade da frente de chama. Isso ajuda no máximo avanço de ignição. Teoricamente, um maior avanço de ignição permite uma melhora na eficiência térmica do motor. Seria como uma aumento virtual na octanagem do combustível.
Como há o resfriamento das câmaras na condição de "pedal to the metal", dá para trabalhar com uma taxa de compressão mais elevada para quando o motor estiver em cargas baixas e moderadas. Isso eleva bastante o rendimento térmico do motor, ajudando a ter um baixo consumo.
JJ,
Só uma correção no parágrafo: "Para trabalhar visando economia, os engenheiros de motores procuram chegar a lambda pouco abaixo do valor unitário, ou seja, com a mistura levemente pobre."
Lambda < 1 é excesso de combustível - mistura rica.
Lambda > 1 é excesso de ar - mistura pobre.
Lambda 1 é mistura estequiométrica.
Mistura abaixo do valor unitário seria levemente rica.
Até onde sei, as engenharias de motores atualmente trabalham com valores lambda muito próximos de 1 (0,98 ~ 1,01) para que os conversores catalíticos mantenham-se sempre em sua máxima eficiência. Há motores que funcionam muito bem em baixas cargas com lambda 1,1 ~ 1,15 mas com níveis de emissões de óxidos de nitrogênio (quando movidos a gasolina) já bem elevados.
Em meu carro, eu faço uso de condições lambda maior que um para determinadas cargas. A economia é bastante sensível.
Gustavo Barros - Chevette 76,
ResponderExcluirVou tomar por liberdade e responder. Não. A injeção de água não prejudica o motor. Ela só é feita nos momentos em que é exigido potência do motor.
Outro detalhe importante é que ela deve estar o mais vaporizada possível.
A água presente no etanol ajuda a refrigerar sim. Mas esta adição de água também prejudica o rendimento em baixas cargas/condições, dado que rouba calor do processo de combustão para vaporizar, o que não contribui em absolutamente nada para gerar mais potência, que aliás, será roubada.
A injeção de água em si, ou a adição de água no combustivel só atrapalha a combustão.
Este recurso somente deverá ser utilizado sob determinados regimes de funcionamento (altas cargas) onde a detonação pode ocorrer e em motores desenvolvidos para isso. O tiro até pode sair pela culatra, se fizermos isso em um motor "original".
Nenhuma novidade. A anos os postos vendem gasolina com agua.
ResponderExcluirQue coisa, então pelo visto a Saab vai virar passado mesmo? Perda irreparável...
ResponderExcluirA Saab sempre esteve ligada a pesquisas nada comuns em termos de motores. Não sabia que tinha "passeado" até pelos caminhos de injeção de água na câmara de combustão.
Agora eu entendi o porque dos donos de postos colocam água em nossos combustíveis, é só para aumentar a eficiência térmica! Muito obrigado aos donos de postos do BRAZIL!!!!!!
ResponderExcluirTem uma Oficina Mecânica da década de 90 com um teste de um Viper com um mecanismo similar, de marca Edelbrock. Era bem menor, quase imperceptível e melhorou o rendimento nas puxadas mais fortes pois aumentou artificialmente a taxa de compressão.
ResponderExcluirSérgio Barros
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEnquanto isso a Chevrolet vende Cruze ECO com um kit de reparo no lugar do pneumático de reserva para economizar alguns quilogramas e deixar o carro mais econômico, chega a ser cômico isso. Daqui a pouco vai ter solteiro tirando os bancos de passageiro do carro para economizar gasolina.
ResponderExcluirEn Argentina Fioramonti vende el sistema de inyección de agua, algunos buses de la ciudad de Rosario tienen colocado el sistema:
ResponderExcluirhttp://www.motoresconagua.com.ar/
O nosso etanol tem 5% de água na bomba, fora o batismo...
ResponderExcluirEngenharia brazuca é outro papo, morou?
Essa tecnologia é muito mais antiga que a maioria imagina,no final da segunda guerra mundial os BF-109 e FW-190 alemães (caças de interceptação e bombardeio)já usavam um sistema chamado MW-50 que consistia na injeção de agua e metanol na camara de combustão.A agua causava uma espécie de calço hidraulico controlado,com isso a compressão do motor era aumentada drasticamente e o motor ganhava muita potencia.Lógico que só podia ser usado por poucos minutos em emergencias de combate sob risco de explodir o motor. O sistema já é muito conhecido entre os admiradores de aviões da WWII.
ResponderExcluirEm tempo,a Saab fabricou aviões na WWII,nada mais natural do que tentar migrar tecnologia para os automóveis.
Mais informações:
http://translate.google.com.br/translate?hl=pt-BR&sl=en&u=http://en.wikipedia.org/wiki/MW_50&ei=Uw1VTsmYFMbz0gG78f3DAg&sa=X&oi=translate&ct=result&resnum=1&ved=0CBwQ7gEwAA&prev=/search%3Fq%3Dwikipedia%2Bmw-50%26hl%3Dpt-BR%26biw%3D1440%26bih%3D757%26prmd%3Divns
Não é à toa que a umidade relativa do ar é um fator de correção para dinamômetros: É sabido que há variações positivas de potência diretamente proporcionais à quantidade de vapor de água na atmosfera.
ResponderExcluirNa mais conhecida aplicação da injeção de água, um motor turbocomprimido resfria o ar após ser pressurizado pelo turbocompressor - auxiliando na geração de mais potência em condições de alta carga. Não é incomum o ar admitido passar dos 120 graus após a turbina - e quanto mais quente, maior a propensão à pré-detonação (cuja remediação via atraso de ponto por si só já gera perda de potência) além de uma piora no rendimento pela menor densidade do ar aquecido.
Isso é verificado em carros que utilizam Kits turbo aftermarket e usam bicos extras na admissão, entre a turbina e a TBI - quanto maior o percurso do combustível injetado na tubulação de pressurização (logo, mais afastado da borboleta de admissão) melhor o rendimento do motor. Isso não se dá necessariamente por uma melhor distribuição da mistura, mas pelo efeito refrigerante do combustível no ar pressurizado.
Porém acredito que o sistema de injeção de água não tenha ido adiante pois mesmo dentre os entusiastas, são poucos que se beneficiam dessa potência "extra" que só aparece nos patamares mais elevados de exigência na condução.
Além disso, com o barateamento e aumento da eficiência de intercoolers com vida útil maior que a do próprio motor, fica inviável pra uso "civil" um sistema que exige reabastecimentos constantes para um ganho marginal de potência.
Porém a injeção de água tem seu maior trunfo ao viabilizar o funcionamento de motores a combustão com relação estequiométrica bem mais "pobre" que o usual, aliando baixo consumo e geração de potência por meio de altas taxas de compressão e avanço agressivo de ignição.
Uma pena que há 15 anos a gasolina ainda estivesse barata e a conscientização geral sobre o consumo de combustível ainda não fosse uma realidade como é hoje.
Já vi relatos onde entusiastas com um pouco mais de conhecimento de mecânica conseguem criar sistemas de injeção de água através de venturis (acionados pela depressão no coletor de admissão) ou bombas elétricas e bicos injetores, porém os dados são inconclusivos pela natureza extremamente diversificada dos motores e respectivas utilizações.
OBS: Voltando no uso de injeção de água para aumento de potência, experimentos mostram que há um rendimento ainda mais expressivo quando o líquido injetado é um "blend" de água com 50% de Álcool/Metanol: http://en.wikipedia.org/wiki/MW_50
[]'s e saudações por mais um excelente tópico, acredito que essa seja a primeira vez que leio um artigo sobre injeção de água na língua de Camões. Parabéns!
Aham (B.Hte):
ResponderExcluirHá anos vi a foto de um caça aparentemente fabricado pela divisão aeronáutica da Saab - o nome era Vigen - algo assim, bonito demais!
abrs/
Que post legal!
ResponderExcluirParabéns aí, Juvenal Jorge.
Obrigado.
Que baita post JJ!!! Parabéns mais uma vez!
ResponderExcluirInclusive os comentários... Estava louco para falar sobre o bico extra que eu tinha no Gol, mas o Transeunte já deu uma aula.
Essa solução melhorou a eficiência térmica do kit. O carro ficou mais liso, mudou até o ronco, melhorou o consumo, pois foi possível trabalhar com uma mistura mais pobre e o melhor, sem riscos de detonação. Rodei um ano sem dó com o carro, só troquei um jogo de tuchos (detalhe o carro recebeu o kit com 118k km)
Abs