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Lembra muito pouco um Mercedes-Benz |
O que a canção diz é que ótimo estar com elas, mas uma vez atingido o objetivo inicial, o chamado da busca incessante é ouvido, o que era inatingível e excitante se torna fácil e comum, e inevitavelmente é a emoção da caça que se sobrepõe. Assim dizem as sagradas escrituras do rock’n’roll.
Apesar disso, ou talvez por causa desse irreal objetivo, se com mulheres tive muito sucesso na monogamia, com carros fracassei completamente. Me saí um sujeito safado cuja promiscuidade não tem limites. De velhos Fuscas a novos Ferraris, e todo resto no meio, tudo me atrai e me excita, tudo consegue chamar minha atenção e se tornar o objetivo dos meus desejos e a musa de meus dias. Não há marca que me segure, não há tabus nem coisa proibida: vale tudo e tudo parece estar disponível se eu persistir de verdade. Sou decididamente infiel quando se trata de automóveis.
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Mercedes-Benz C111-II |
O belíssimo Mk2 dos Egan, e logo atrás, o Mille |
De dentro da Mercedes, pode se ver o Mille e o Jaguar. (Foto: Rafael Tedesco) |
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Quarenta anos de AMG Foto: benzinsider.com |

O escapamento aberto berrava seu brado de seis cilindros, e lá íamos nós quatro aconchegados no seu interior, semi-protegidos daquele frio lascado que fez no inverno de 1988. Andar com um Opala 250-S nos anos 80 é algo que nunca mais terei: naqueles tempos de proibição de importações, tinha a absoluta certeza de que era o mais veloz, de que nada poderia me pegar se assim quisesse. Um sentimento reconfortante de poder supremo, obtido a preços módicos em um carro “beberrão” com então oito anos de idade.
Apesar disso, andava tranquilamente, mantendo a velocidade de conforto ao redor de 120 km/h, quando topamos com um caminhão ultrapassando outro a coisa de 70 km/h, na pista de duas faixas. Diminuí a velocidade e pacientemente esperei o indivíduo completar sua letárgica manobra.
Nisso encosta atrás de mim uma picape F-1000. Já chegou dando farol alto, e não parou com eles, me incomodando muito. E o duro é que o sujeito lá na frente tirava sangue do 1113 para conseguir coisa de 3 km/h a mais que o outro 1113 na faixa da direita...aquilo ia demorar.
Depois do que me pareceram 325 horas esperando a eletrizante ultrapassagem, já tinha perdido a paciência com o sujeito da F-1000 e sua luz no meu cangote. Sendo assim, plotei minha vingança: assim que o caminhão saiu da frente, deixei a picape passar. Mas logo em seguida, liguei o farol alto e saí à caça. O mais divertido é que o dono daquela picape “cabine-dupla” novinha devia achar que ela era muito veloz, e tentou me despachar. A 130 km/h ela já não se movia mais, e o Opala empurrando...Estávamos nos matando de rir lá dentro, e quando ele finalmente desistiu e caiu para a direita, colocou a mão pra fora com um gesto obsceno, aumentando mais a gargalhada dentro do carro, ao mesmo tempo em que o berro do seis em linha se tornava mais sério e o carro se afastava rapidamente daquela letárgica cabine-dupla.
Embriagado pelo momento, e embalado pelos primeiros acordes de “Layla” por Clapton que apareceram naquele momento saindo do velho toca-fitas Bosch, aumentei a velocidade para algo em torno de 180 km/h e seguíamos felizes, tirando os carros da frente com rápidos lampejos de farol. Foi quando de novo topamos com um caminhão ultrapassando outro devagar, com um outro carro já parado atrás dele. Mas o caminhão estava terminando a ultrapassagem, então resolvi não diminuir a velocidade muito para não perder o embalo, dar uma lampejada para o carro e de novo cravar o pé assim que ele saísse da frente.
Foi quando minha lampejada de farol alto atingiu a traseira do carro, onde pude ler, na tampa de porta-malas: Mercedes-Benz 190E 2.3-16.
Pensei na hora: F(péééé)U! Toda aquela história, aquela tranquilidade de ser o mais veloz, diretamente para o ralo! O carro fez uma pequena pausa para reduzir marcha, e debaixo de um urro gutural plenamente audível, sumiu. Desapareceu, se mandou, gone! E eu estava a 180 km/h!!!
É como eu sempre digo desde então: SEMPRE há alguém mais rápido que você.
Lembrei desse caso e do Mercedes em questão quando vi uma das fotos do post recente do Paulo Keller. Olhando aquela foto do 190E com um novo classe C de 325 mil cavalos e meio, senti a mesma sensação que tive quando escrevi sobre o Carrera RS.
O 190E esportivo tinha apenas 185 cv. E mais, seu pequeno motor de apenas 2,3 litros de deslocamento só realmente parecia ter esta potência depois das 4.000 rpm, rotação desconhecida por muita gente. Nada de fogo, trovão, terremoto, mas como ilustrei na historinha acima, terrivelmente efetivo se usado da maneira correta.
O carro teve um nascimento bem mais nobre que seu irmão mais moderno também. A ideia inicial para o carro era a de uma homologação para o grupo B da FIA, com chassi encurtado e com duas portas apenas, meio como um BMW Compact. Apenas duzentas unidades teriam que ser vendidas para se homologar o carro para a competição pretendida. Sendo assim, a Daimler-Benz resolveu subcontratar o motor para a famosa Cosworth inglesa, famosa por conseguir propulsores imbatíveis em competição, o que era o objetivo principal do exercício, afinal de contas.
O motor deveria ser derivado do excelente M102 a ser utilizado no 190 “normal”. Com bloco de ferro fundido e cabeçote de alumínio, este motor básico já contava com comando de válvulas no cabeçote e câmara de combustão hemisférica, injeção Bosch mecânica K-jetronic e taxa de compressão 9:1. Com diâmetro e curso de 95,5 x 80,25, o motor de quatro cilindros em linha deslocava quase que exatamente 2,3 litros (2,299 cm³) e debitava ótimos 136 cv.
Para o motor de grupo B, a Mercedes deixou objetivos claros: esta derivação do M102 deveria produzir entre 270 e 300 cv em regulagem de rali. A Cosworth manteve o bloco Mercedes intacto (testemunho do glorioso over-engineering mercediano vigente então) mas adotou um cabeçote de 4 válvulas por cilindro e duplo comando. Os tuchos de válvulas eram do tipo copinho, mecânicos, idênticos ao Cosworth BDA, a primeira vez que tal coisa aparecia em um Mercedes. Foram inicialmente fabricados jogos de peças para seis motores, que foram enviados para Stuttgart para testes, onde na sua primeira “puxada" no dinamômetro registrou 267 cv. O respeito dos alemães para com a Cosworth foi imediatamente selado.
Mas logo a Daimler-Benz notava que, devido a revolução 4x4 a ser lançada pela Audi (fartamente comentada ontem nesse blog), sua futura arma de rali não seria competitiva, e acabou por congelar o projeto.
Mas uma ideia brilhante apareceu então: por que não usar este motor para uma versão esportiva do 190E? A BMW vinha fazendo fama com carros cada vez mais jovens e esportivos, e este fato não escapava da percepção de Stuttgart. A Cosworth recebeu a tarefa de reprojetar o motor para uso civil, e mais: fabricar o cabeçote completo e entregá-lo montadinho na fábrica de Unterturkheim.

Para lançar o carro, a Mercedes, que acabara de bater vários recordes de velocidade em longa distância com motores Diesel em um C111 modificado, resolveu levar o carro também para a pista de Nardo na Itália e chamar a atenção do mundo para seu novo carro.
O 190E, que já tinha excepcional aerodinâmica, recebeu algumas sutis modificações para atingir o Cx de apenas 0,29, e uma relação final de transmissão longuíssima, tudo para conseguir-se mais velocidade. Em 13 da agosto de 1983, três carros de pré-produção assim modificados iniciaram a prova em Nardo. A prova transcorreu sem percalços, até que, oito dias depois, os carros pararam. Nada menos que 12 recordes mundiais tinham sido batidos, dentre eles o objetivo final: 50.000 km, percorridos à média de 247,9 km/h.

Depois da prova, os motores foram desmontados para inspeção, e para a surpresa de todos estavam impecáveis, sem necessitar uma regulagem sequer para continuar rodando.
Outra grande sacada publicitária do lançamento do carro foi uma corrida realizada em maio de 1984, antes da prova de Fórmula 1 em Nürburgring. Nela, vários pilotos de F-1 foram colocados em 2.3-16 idênticos. Entre os pilotos havia gente como Lauda, Prost, Moss e Hill, mas o vencedor foi um jovem piloto do Brasil chamado Ayrton...

Lançado oficialmente em Frankfurt ’83, o carro que finalmente foi oferecido ao público era sensacional: o motor rendia 185 cv a 6.000 rpm,e girava até 7500. A excelente suspensão traseira multibraço do 190E era mantida, e era oferecido apenas com câmbio de cinco marchas Getrag manual, com a primeira abaixo da ré, em posição conhecida como dog-leg. Diferencial autoblocante, rodas de aro 15 com pneus Pirelli P6, tanque de 70 litros (55 no 190E), uma distribuição de peso excelente (53%/47% dianteia/traseira), e um sistema hidráulico que mantinha a suspensão traseira sempre na mesma altura independentemente da carga, eram algumas das características técnicas que fizeram entusiastas se inquietar no Salão de Frankfurt. O banco traseiro era único: tinha laterais pronunciadas como os dianteiros, mostrando a seriedade de seus intentos.
Era capaz de acelerar de 0 a 100 km/h em 7,5 segundos e chegar a uma velocidade máxima de 235 km/h. A famosa revista alemã Auto, Motor und Sport não pôde deixar de notar que os números eram praticamente idênticos a outro Mercedes esportivo testado pela revista quase 30 anos antes: o famoso 300 SL “asa de gaivota”. Um quatro-cilindros de respeito, realmente.
E para mim era um carro único. Partindo do sério 190E, que havia sido criado como um Mercedes tradicional, ganhava sutil personalidade esportiva. Como um senhor sério e responsável que quase nunca tira o terno, mas se revela um boxeador violento nas horas vagas, o 190 esportivo só revelava seus músculos quando provocado. Não mostrava imediatamente sua força ao primeiro toque do acelerador, e sim após um longo mas veloz passeio por estradas sinuosas. Devia ser tocado com vontade para mostrar porque o seu dono pagara 30% mais do que um reles 190E. Um carro com o propósito único, o de ser dirigido à moda, com vontade, sempre.
Acabou tendo grande sucesso em competições do DTM (Campeonato Alemão de Carros de Turismo), onde enfrentaria seu nêmese, o primeiro BMW M3. Por causa das regras desta categoria, teve seu motor aumentado para 2,5 litros e 205 cv (195 com catalisador) em 1988, por meio de aumento de curso.
Com a escalada das competições do DTM, em 1989, a Mercedes começava a transformar seu discreto esportivo em um monstro para homologação: aparecia o Evolution I, com novos apêndices aerodinâmicos e um motor que, apesar de deslocar ainda 2,5 litros e debitar 195 cv, era totalmente diferente: visando um aumento de rotação máxima em competição, o bloco tinha sido alterado para que o diâmetro dos cilindros fosse maior que o curso dos pistões.
Esta evolução culminaria em 1990 com o Evo II. Um verdadeiro batmóvel schwabe, o Evo II tinha uma asa traseira tão ultrajante que provocou a seguinte frase de Wolfgang Reitzle, então chefe de pesquisa na BMW (e que acabou fazendo Aston Martins depois que a empresa “morreu” em 1989) : “As leis da aerodinâmica devem ser diferentes entre Stuttgart e Munique. Se isto funcionar, vamos ter que refazer o túnel de vento da BMW.”
É preciso dizer que funcionou ótimamente bem, e a Mercedes venceu a temporada de 1990 do DTM? Reitzle deve ter passado um bom tempo longe de Stuttgart...
Esta última evolução do 190 esportivo tinha suspensão de altura regulável, rodas Speedline de 17 polegadas, e 235 cv. Eu sei que pelo menos um deles veio ao Brasil, pois vi um exposto em um encontro de carros antigos em Minas Gerais algum tempo atrás.
Para mim o 190E 2.3-16 e seus sucessores ainda são os melhores Mercedes esportivos já criados. Rápidos o suficiente para causarem mortes gloriosas, mas carros que precisam ser dirigidos por entusiastas para mostrar sua real face: a de um grande companheiro para quem gosta e sabe andar rápido, sempre.
E tal coisa só pode ser conseguida através de competição. Sem esta pureza de foco, um monstro de 325 mil cavalos como esse novo classe C nunca causará a satisfação que se consegue fazendo este carrinho de apenas 185 cv andar como se deve.
E quem apareceu para o mundo rodando 50 mil quilômetros a mais de 240 km/h, todo sujo e com as rodas pretas de fuligem de freio, sempre terá mais crédito comigo se comparado a outro que apenas foi lançado em um hotel de luxo cheio de escribas, com sua pintura brilhante e suas enormes rodas polidas por três dias seguidos.
MAO

Vai para esse carro, um (ou uma ?) 280S ikonengold '74, a versão mais comum do modelo W116. Assim que tiver novidades, posto aqui.

Outro dia me mandaram um e-mail com fotos de um protótipo, o Mercedes F700. Só fotos, sem texto. Pra começar, ele não é só um Mercedes, ele é um baita Mercedes. É dos grandões; Mercedão de magnata, para os tubarões de Wall Street que escaparam de virar sardinha. Suas linhas onduladas, modernas, aerodinâmicas, diferentes, prenderam minha atenção, coisa que não costuma acontecer, já que não dou muita bola para esse tipo de carrão que é feito para o dono ir afundado no banco de trás falando no celular e com uma secretária séria e eficiente ao lado, tomando notas. Acho o lance tedioso. Prefiro ir dirigindo um esportivo com outra secretária mais alegrinha ao lado.

E aí reparei que o Mercedão tinha saias cobrindo as rodas traseiras. Eram saias de acrílico transparente, daí que pouco se nota sua presença. Ora, essas saias têm a função de melhorar a penetração aerodinâmica do carro, pois evitam a turbulência provocada pela caixa de roda. Esse era um opcional muito usado em carros esporte na década de 1950, como o Jaguar XK 120, porque lhe dava maior velocidade máxima. Mas será que foi pra isso que colocaram a saia no Mercedão? Certamente não, já que esses carros têm sua velocidade máxima limitada eletronicamente e abaixo do que sua potência permite. Isso já me encafifou.

Daí que em uma foto da traseira reparei que os pneus eram finos, com quase a metade da largura que um Mercedão desses costuma ter. E aí não tive mais dúvidas. O objetivo é mesmo a economia de combustível. Pneus mais finos provocam menos atrito com o solo, portanto, menos energia gasta para o deslocamento.
Daí, googlei e vi que era realmente um carro econômico e "ecológico". Motor Diesotto, que combina os ciclos Diesel e Otto para obter melhor aproveitamento do combustível. Só 4 cilindros, turbo, com 238 cv (pouco para um carrão que se espera ter um V12), mas que roda mais de 20 km/l de combustível.
Ora bolas! Quando é que um magnata desses, que pode comprar um carrão topo do topo, iria se preocupar com economia de combustível? Até há pouco, nunca, pois essa despesa lhe é totalmente irrelevante.
Daí, concluí que ter um carro gastão passou a ser ruim para a imagem de alguns, e para alguns a imagem é vital. Hoje, e no futuro mais ainda, pega mal pro sujeito parar num restaurante e as pessoas o verem descer de um carro cuja imagem é de poluidor, de estragador de ar, de lançador de CO2 e despejador de partículas danosas à atmosfera. A opinião pública está meio neurótica com isso. Não vou entrar no mérito se o carrão é o grande vilão, pois não vem ao caso, mas que a imagem é essa, é.
E se o magnata cinquentão ficar perdidamente apaixonado por uma gatinha que anda de Prius e contribui com o Greenpeace? Como é que ele vai baixar na casa dela com um carrão cuja imagem é de “Não estou nem aí com essa lorota de aquecimento global! Sou tão poderoso que quando dou baforadas de fumaça de charuto numa sala fechada ninguém chia!”
E se ele for um estadista e tiver que chegar a uma reunião pra discutir providências para evitar o aquecimento da atmosfera etc. e tal? Seria o mesmo que a Princesa Isabel descer de Petrópolis para assinar a revogação da escravatura tendo sua carruagem puxada por escravos com o lombo lanhado de açoite.Sacou?
E por aí afora. Quem depende da imagem está se preocupando com esse aspecto. Agora e daqui pra frente mais, a imagem bacana, a que dá status, a que traz mais proveito, é outra; é a do sujeito ecologicamente consciente e limpinho.
Acho isso muito bonitinho. Uma linda imagem que vai pegar muita gente.
E como a minha imagem é a do viralatas que passa fome e anda alegre, esse negócio todo não é problema meu. Mas que estou observando, estou.
