Velocidade. Quanto maior a velocidade que se deseja chegar, mais eficiente deve ser a forma do
objeto. Este princípio básico é a dor de cabeça dos
projetistas de carros de corrida há mais de 80 anos.
A
ideia de se criar um carro que tenha elevada velocidade máxima e ainda assim seja estável e controlável é o que move montanhas de dinheiro em desenvolvimento. Quanto mais rápido o carro vai, mais a força aerodinâmica
resistiva atua, e para se obter a mesma velocidade de um modelo mais eficiente, é preciso mais potência no motor, e mais potência quer dizer mais consumo de combustível, ou seja, menos eficiência geral. Além da força
resistiva, em automóveis pode ocorrer o efeito de levantamento, ou
lift. O
lift é o inverso do famoso
downforce, que é uma força aerodinâmica resultante que empurra o carro para baixo. O
lift é um problema sério em carros de corrida, pois como ele puxa o carro para cima, as rodas exercem menos força contra o piso, e a aderência é prejudicada.
Pela própria natureza do desenho dos carros, o
lift é gerado por diferença de pressão entre a parte de cima e a parte de baixo do carro. Vejam como o perfil de um automóvel é semelhante ao perfil da asa de um avião, que é feita para gerar
lift e puxar o avião para cima.

Desde os primeiros anos do automobilismo, a aerodinâmica já era uma preocupação entre os
projetistas, mesmo que não com a mesma precisão de hoje. Nos anos 30, os Auto
Union e os Mercedes "flechas de prata" já
possuiam carroceria com conceitos aplicados de aerodinâmica. Mas naquela época a principal preocupação era minimizar o arrasto gerado pelo carro, por isso os carros eram esguios e longos. A preocupação com
downforce ainda não era o ponto primordial.

Um dos principais laboratórios para os estudos de aerodinâmica sempre foi
Le Mans, com sua então
reta Mulsanne de 6 km de extensão. Não vamos entrar no mérito dos carros de
recorde de velocidade, pois o princípio é um pouco diferente, e merece um
post específico.
Ao longo dos anos, muitas tentativas foram feitas para se maximizar a eficiência aerodinâmica dos carros que corriam em
Le Mans. Um
ótimo exemplo é o
Panhard CD, que correu em 1967. Com apenas 113
cv, o CD podia acelerar até 251 km/h, graças às formas suaves da
carroceria. Mas essa forma que favorecia o coeficiente de penetração, prejudicava o
comportamento do carro quanto ao
downforce. Formas de se contornar esse problema foram encontradas, com as barbatanas traseiras e até a proximidade do assoalho com o solo, que causa efeito positivo.
Carroll Shelby usou este princípio no seu Cobra
Coupe, ou Cobra
Daytona como é conhecido. O Cobra convencional era inferior em aerodinâmica se comparado aos rivais, e então uma versão especial com seis carros produzidos foi apresentada, e foi um dos grandes carros da sua época.

Outro bom exemplo da evolução aerodinâmica foi o
Porsche 917 de 1969, que teve a versão convencional, a versão KH (
Kutzheck, traseira curta) e a versão
LH (
Langheck, traseira longa, em 1970), desenvolvida especialmente para
Le Mans. A traseira mais longa era favorável a um bom coeficiente de penetração, e a
adoção de uma asa traseira garantia melhor efeito de
downforce, um problema nos primeiros 917 sem este recurso, que eram muito instáveis em altas velocidades. Com o modelo
LH, a velocidade máxima era de 395 km/h.


Diversas variações foram sendo testadas com o passar do tempo, e cada vez mais os carros eram mais velozes e estáveis. O
downforce, além de permitir bom controle e estabilidade em
retas velozes, permitia que o carro contornasse curvas de alta velocidade com maior aderência, e consequentemente mais rapidamente.

Um marco na história dos carros de
Le Mans foi o
Allard J2X, um carro muito além de seu tempo. Um dos maiores problemas dos carros fechados da época era a falta de aderência na dianteira, por conta das necessidades de
design da
carroceria e regulamento.
Projetado para correr em 1993 e rivalizar com o Jaguar
XJR-14, que já
possuia uma asa dianteira incorporada à
carroceria para minimizar a falta de aderência dianteira (onde está escrito 'Jaguar' na foto) e o conceito de asa traseira dupla, o
Allard foi um dos carros mais avançados no
quesito aerodinâmica. O princípio era simples, criar uma
carroceria com o menor arrasto e que gerasse a maior
downforce possíveis.

Com o conceito de módulos incorporados a uma célula central, o carro era único em
design.
Flapes dianteiros
direcionavam o ar por entre as caixas de roda dianteira, por dentro da
carroceira e ao redor do
cockpit, até a asa traseira, trabalhando em conjunto com a
otimização do fluxo de ar sob o carro. O J2X possuía o bico elevado, como os F-1
atuais, conceito empregado na época no
Tyrrell 019. Os próprios
projetistas do
Allard afirmam que "o carro não é uma revolução, mas apenas uma evolução lógica dos conceitos da época". Para se ter uma
ideia, a 240 km/h o carro gerava 2.500
kgf de
downforce e 415
kgf de arrasto, números excepcionais até para os padrões de hoje.
Este conceito de controle do fluxo de ar dentro do carro é o mesmo que o
Audi R15 segue. O ar é
direcionado por dentro do bico e sob o carro, passando por complexas "galerias" de fibra de carbono que canalizam o fluxo para os locais desejados, como asa dianteira e traseira, entrada de ar dos radiadores e admissão do motor, além de poder controlar os
vórtices do fluxo
localizadamente, esta sim as grandes evoluções da
atualidade e tema de muitos estudos.