O câmbio era um Clark de três marchas, transplantado de um falecido Dodge Dart. Parece pouco, mas na verdade havia uma marcha sobrando: a primeira era curta demais, praticamente uma "crawler" para situações específicas. Alavanca na coluna, solução que um dia foi chamada de "universal", mas de raro emprego atualmente: em uso normal, ela (no feminino mesmo) saía da imobilidade em segunda marcha, devidamente utilizada até o limite de rotação. A terceira e última marcha era engatada com um rápido movimento para baixo, numa "patada" só.
Ela fazia parte da primeira fornada, modelo 1975 – não vou dizer quem era ela, deixo para o leitor ou leitora adivinhar, é fácil – com os sealed beam emoldurados pelo painel metálico dianteiro. Já estava com 30 anos nas costas, bem ao norte de seus melhores dias, mas o motor de seis cilindros em linha ainda apresentava alguma galhardia: cabeçote trabalhado, tuchos mecânicos, comandão 270º "de rua" e um coletor de escapamento artesanal, supostamente curvado a quente, preenchido com areia. A alimentação ficava por conta de 3 carburadores DFV, que babavam gasolina em coletores de admissão fabricados pelo já lendário Felipe Raad.
Nada do outro mundo, apenas uma receita de preparação emprestada de um velho barco de competição que fez história na cidade. O raciocínio era esse mesmo: se funcionava no barco, provavelmente funcionaria bem nela. Mas o resultado não foi o esperado e logo o cabeçote e a trinca de DFVs "babões" foi aposentada.
O belo e sonoro coletor 6x2 também foi descartado e em seu lugar veio um de ferro fundido, no qual se aparafusava um caracol soprador de ar, conhecido popularmente como "ponto setenta". O coletor de admissão original voltou, junto com o consagrado carburador Solex H34, devidamente trabalhado para cuidar bem da alimentação.
Bastou uma semana para que o guerreiro Braseixos pedisse arrego: voltávamos à velha teoria do fusível, que nos diz que todo carro é tão forte quanto o ponto mais fraco dele. O que a caixa Clark suportava sem abrir o bico era imediatamente transmitido para o diferencial, que passou a quebrar o eixo-pino das satélites praticamente toda semana.
Um soldante (também conhecido como "blocante de pobre") foi utilizado durante algum tempo, mas não provou ser uma ideia muito feliz quando combinado a uma direção sem assistência, de reações muito lentas pela grande desmultiplicação. A solução veio algum tempo depois, com o bom e velho Dana 44, desta vez doado por um Maverick.
Foi então que ela se transformou em uma máquina de provocar astigmatismo, pelo menos em linha reta, com aquela suavidade que só não era perfeita graças a um eixo cardã perigosamente desbalanceado. Curioso foi imaginar o que havia alterado a distribuição de massas dele, já que funcionava perfeitamente antes. Seria o cardã o novo fusível, prestes a abrir o bico?
Como dito anteriormente, os 30 anos lhe pesavam de uma maneira considerável, de tal forma que há muito ela não brilhava. E nem poderia: havia na parede de fogo uma enorme trinca, que ia de um para-lama ao outro. O que havia de bom em motor e transmissão faltava em estrutura: a impressão é que ela poderia simplesmente partir-se ao meio, a qualquer instante.
A coisa ficava ainda mais emocionante durante as sessões de astigmatismo provocado: a trinca na parede de fogo funcionava como uma fonte de ar previamente aquecido pelo motor e pelo soprador que enfiava ar goela abaixo do Solex, tal qual um produtor de foie gras enfia ração goela abaixo de um ganso. E na hora de parar, havia apenas um par de discos dianteiros em estado não muito bom.
É isso mesmo: não havia freio traseiro. Seu dono sempre nos dizia: "Tenha fé, mais valem dois discos do que quatro tambores". E nós acabávamos confiando, ainda que essa matemática soasse um tanto estranha. Graças ao bom Deus, essa combinação de ignorância e irresponsabilidade não teve nenhuma consequência funesta, mas a manda a prudência que a besta não deve ser provocada de pirraça.
Há muito que não ouço falar dela: quis o destino que tomássemos rumos distintos e assim foi cada um para um lado. Restaram apenas as boas e divertidas lembranças, mas espero que ela esteja bem, fazendo a alegria dos futuros entusiastas por mais 30 anos (ou muito além disso).
FB
eolha que a linha opala so teve um monobloco decente a partir de 1975...
ResponderExcluirEra uma Caravan?
ResponderExcluirVi essa ultima foto, lembrei de uma coisa da minha familia, meu pai quando era bebê tirou uma foto no volante do Chevrolet 52 do meu bisavô, eu quando era bebê tirei uma foto do mesmo estilo na Caravan do Vô e minha irmã, tirou uma na Bonanza do meu Pai, bons tempos.
ResponderExcluirEita pau veio!!
ResponderExcluirEra uma Veraneio?
ResponderExcluirA minha e 76, mas ainda de encontra ótima forma!
ResponderExcluirEla tinha nome não tinha???
ResponderExcluirChorei de saudade de andar na Caravéia.
ResponderExcluirEla é modesta, primeira da linhagem remodelada totalmente, Comodoro 81, um simplório 4 cilindros, com apenas 2500cc de força bruta, mas que te garante diversão, e um rodar suave, sentindo o vento batendo pelas ventarolas, enquanto tu para no sinal e te pedem. QUER VENDER ?
Ah, se eu tivesse como mante-la não seria obrigado a ver ela, descansando eternamente na garagem.
Mas o ritual segue, toda semana, virar o arranque e ouvir os balanceiros funcionando sem óleo por alguns segundos, como se fosse um Frankenstein acordando de um longo e profundo repouso.
Felipe, sobre as marchas do Clark e pensando que era transmissão até comum em outras épocas e usada em vários veículos, não havia alguma forma de se montar marchas ou relação de diferencial mais longas? Sei lá, fico aqui pensando nisso, ainda mais que o Dana 44 tinha opção de relação mais longa nos Mavericks.
ResponderExcluirEm tempos: realmente essa Caravan tinha uma senhora força oriunda do seis em linha, hein? Se conseguiram quebrar um Braseixos em uma semana...
Do jeito que ela estava, o mais provável é que ela tenha matado o comprador...
ResponderExcluirEntre os anonimos de hoje, o das 11:17 é meu filho, que por modestia não comentou que fui criado em 12 opalas e caravans, antes de fotografar os filhos em diplomatas e bonanzas. Fui pra lua de mel com uma 85 2500 comodoro a gasolina que viajava o dia todo a 170, dando pau na 87 diplomata 4100 a alcool do meu pai. Tempos depois fui saber que as versões a alcool de 86 e 87 tinham um comando murcho, pra serem homologadas com 99 cvs e vendidas assim ao governo federal. Bastava uma troca e os 145 cvs apareciam do nada. As 4 cilindros não entravam em concorrencia e mantinham sua evolução como meio bloco de V8.
ResponderExcluirLuiz CJ
Opala e Caravan é só apego emocional, como carro, umas merdas!
ResponderExcluirpelo seu "da lambretta", carro bom deve ser gordini, afinal inspirou Costin e Duckworth a fazer V8.
ResponderExcluirLuiz CJ
Luiz CJ, o motor 4 cilindros do Opala (153 até 1975, 151 de 1976 em diante) não é aparentado com nenhum V8 da Chevrolet, mas sim é modular com o seis em linha (230/250). No caso do 153 e do 230, é modularidade ainda mais perfeita, pois usam mesmos pistões e bielas, fora terem o mesmo curso e diâmetro.
ResponderExcluirFora isso, esses motores sempre tiveram uma boa quantidade de peças intercambiáveis, mesmo quando o 151 e o 250 tinham mais diferenças entre si do que as existentes entre o 153 e o 230. Vale lembrar, por exemplo, que nas últimas mudanças que a GM fez no 250, estava o uso de bielas iguais às do 151, mais longas, para conferir maior suavidade de funcionamento.
Quando soube que meu primo de Ribeirão Preto ia vender um Fusca que estava na família desde quase zero, fui pra lá e comprei o carro. De cara, vi que a direção tinha uma folga de mais de 10 centímetros... Não tive dúvidas em mandar o carro em uma cegonha para São Bernardo. Daí o Fusca foi direto para a oficina, onde ganhou uma caixa de direção TRW nova, lonas novas, e teve freio e suspensão revisados. Só fui pensar em buscar cavalinhos no motor uma ano e meio depois, ocasião em que refiz o motor e dei uma melhoradinha nas especificações (1500, etc), inclusive mexendo na suspensão e instalando freios a discos dianteiros.
ResponderExcluirNa minha avaliação, um "bólido" como o descrito no post é uma autêntica bicheira (trinca métrica no firewall, sem freio traseiro, mas com turbo). Só gosto de ver carros assim apreendidos em blitz! Torço para que o novo proprietário tenha sido um desmanche...
O 4100 encarnado no Omega tem mesmo bielas forjadas ou isso é lenda?
ResponderExcluirPara quem mora em SP - capital e quer encontrar um antigo carro, é fácil.
ResponderExcluirBasta entrar no site da controlar e dar o Renavam. Vc vai saber quando ele fará a inspeção e pode se "encontrar" com ele... rs
Só não vale desmascar a inspeção e ferrar o novo dono hein!
Bitu,
ResponderExcluirbela estória amigo. Emocionante. São esses "primeiros carros" e alguns nem tão primeiros assim que nos marcam profundamente.
Deu saudades do Chevette 78.....
Já curti essa.69, branco, motor 3.800, parede corta fogo rachada, freios??????. Nunca deu nada, mas tinha q saber levar o bixo, q até andava legal para quem tinha 15 anos de idade. Tem uns carros q da uma saudade danada dos velhos tempos, das namoradas, até das professoras. O fim deste foi para sucata a carroceria e a mecânica um cara comprou e levou. Ficou so a saudade.
ResponderExcluirTazio Nuvolari
FELIPE, MUITO LEGAL O TEXTO MAS ESTÁS FOTOS SÃO DO INTERIOR DA CARAVAM 75??????? SE SÃO A SUA É BEM RARA UMA DAS PRIMEIRAS QUE OS MOSTRADORES SÃO DO MODELO 74
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