A capa do pitot com o aviso "Remova antes do voo") |
"Manicacada" é jargão aeronáutico para fazer alguma besteira na pilotagem. Também, há um ditado que diz "Só há dois tipos de piloto, os que nunca pousaram com o trem em cima e os que já". O mesmo ditado pode ser aplicado para a capa do tubo pitot, trocando as palavras de acordo. Pois eu já fiz uma manicacada de decolar com o pitot estando com a capa, que serve para evitar a entrada de insetos, que poderia afetar a leitura do indicador de velocidade do ar (air speed indicator).
O tubo de pitot é um dispositivo que faz parte do sistema de informação de velocidade aerodinâmica de uma aeronave.Ele capta o ar que passa pelo avião e a pressão resultante é usada para, por meio de uma membrana, aciomar o ponteiro do instrumento na cabine.
Cedo se aprende a fazer a inspeção pré-voo como passo esssencial antes de decolar. Um dos itens é justamtente certificar-se de que o pitot está sem a capa.
Nos anos 1960 eu costumava voar no Aeroclube de Nova Iguaçu, uma vez que mais próximo, o Aeroclube do Brasil, em Manguinhos, próximo a refinaria de petróleo de mesmo nome, tudo na avenida Brasil, no Rio de Janeiro, havia sido fechado por ordem do presidente Jânio Quadros depois que o Vickers Viscount presidencial e um North American T-6 da Força Aérea Brasileira quase colidiram ali perto. Só que os T-6 não operavam no aeroclube, mas em alguma base aérea, do Galeão ou Afonsos. Mas o Aeroclube do Brasil foi fechado e ponto final, num dos mais absurdos atos do Executivo que se tem notícia.
Eu estava com cerca de 20 horas de voo, portanto no meio do curso de pilotagem. Tive que passar a ir da Gávea a Nova Iguaçu, uma distância considerável. 35 ou 40 quilômetros, para prosseguir com o curso. Na
época, 1962, eu por fazer 20 anos, meu transporte pessoal era uma Vespa 150, que logicamente era como eu fazia o percurso.
Finalmente veio o brevê naquele mesmo ano e continuei frequentando o aeroclube. Voava em tudo que tinha lá: Piper J3 Cub de 65 hp, CAP-4 Paulistinha de 65 hp, Neiva P-56 de 90 hp, Piper PA-11 e PA-18 também de 90 hp e até um Fairchild T-19, motor Ranger de seis cilindros em linha, invertido, 175 hp, cabine aberta, lento (122 mph/195 km/h) mas ótimo de voar.
Fairchild T-19, maravilhoso de voar (ninja-brasil.blogspot.com) |
Mas um belo dia, novidade: A ELA - Escola Livre de Aviação, de Belo Horizonte, começara a operar em Nova Iguaçu com três ou quatro Cessnas 150 zero-hora e o responsável era um velho amigo. Comecei a voá-los imediatamente, a hora de voo custava um pouco mais, mas o prazer compensava. Só o fato de poder levar alguém junto do lado e não atrás - ou na frente, como no J-3 Cub ou no CAP-4 - o mais comum arranjo de bancos em fila (tandem), compensava. E avião zero é como carro, a melhor marca é novo.
Cessna 150 igual ao da Escola Livre de Aviação (jameswiebe.blogspot.com) |
Que diferença para os outros aviões do clube! Todo metálico, motor Continental 0-200-A de 100 hp (101,4 cv) a 2.750 rpm e - luxo dos luxos - flapes elétricos! Um espetáculo de avião. E o trem de pouso era triciclo, como nos aviões "de verdade", não o tradicional de trem principal com a pequena roda na extremidade traseira, na bequilha.
Alguns dados do Cessna 150: .velocidade máxima 122 mph (195 km/h), velocidade de cruzeiro a 75% da potência a 7.000 pés. 117 mph (187 km/h), alcance 475 milhas (760 km/h), autonomia 4.1 horas com 22,5 galões de gasolina (85 litros), o que dá 8,9 km/L. Corrida de decolagem 735 pés (224 metros), corrida de pouso 445 pés (135 metros).
Cessna 150, .iInterior funcional e de bom gosto (pilotfriend.com) |
Ele tinha uma operação diferente de todos os outros no uso do motor. Em vez de decolar e a 100 pés reduzir potência para a subida, era acelerador "no esbarro", aceleração total até o nível de cruzeiro. Tinha piloto que não "punha fé" nisso e reduzia potência como nos outros, o que empobrecia a mistura e levava a superaquecimento do cabeçote. Tinha que seguir o manual mesmo!
Um dia fui sair no 150, fiz a inspeção prévia, entrei, dei partida, taxiei e iniciei a decolagem. Na corrida para decolar, nada do ponteiro do airspeed (velocidade do ar) se mexer: 60, 65, 70, 75 milhas por hora e nada. Ué, por que será que o ponteiro não mexe?, me perguntei, até uma varrida de olhos da asa direita à asa esquerda elucidar o mistério: pitot com a capa. "Que cag..........!", repreendi-me. Mas como o avião já estava leve, senti que já havia sustentação, puxei o volante do manche e o nariz logo se mexeu. Puxei mais e o solo se afastou de maneira convincente. Decolagem normal.
Um indicador de velocidade do ar típico (culturaaeronautica.blogspot.com) |
Dei a volta do campo, fiz o circuito de tráfego, fiz a aproximação padrão - já conhecia a velocidade vertical de planeio e o quanto de potência usar - e o pouso foi absolutamente normal. Parei o Cessna na cabeceira onde nada havia senão mato para ninguém ver, saltei sem desligar o motor e rapidamente tirei a capa do pitot. Taxiei até a outra cabeceira e decolei de novo para mais um belo passeio e treino, tremenda curtição.
Erro primário meu? Claro que foi, felizmente sem consequências. Mesma sorte não teve a tripulação de passageiros de um DC-3 que decolou do aeroporto de Congonhas com o elevador e o leme, ambas as superfícies de comando localizadas na cauda, com as travas usadas enquanto estacionado, para não serem movimentadas pelo vento e avariadas. Estatelou-se no bairro do Morumbi, parcamente habitado no início dos anos 1950. Não houve sobreviventes.
Trava de leme num DC-3 (em vermelho) (phase.com) |
BS
Bob, é a primeira vez que vc revela sua manicacada???
ResponderExcluirEste tubo pitot, me parece um tanto sujeito a falhas, precisa de capa para impedir entrada de insetos e quando entra cristais de gelo deixa de marcar corretamente. Não me parece um bom sistema.
ResponderExcluirTô achando que quanto mais dispositivos de segurança um aparelho têm, há mais chances de erros. E será que tudo o que é informado no painel, é interpretado como verdade absoluta pelos operadores?
Bob, voei lá no início da década de 90, esse T-19 após anos guardado, foi recuperado e voltou a voar. Me lembro de um instrutor meio porra-louca, o Pergentino, dando rasantes na pista com ele.
ResponderExcluirUm amigão meu, hoje comandante de A330, pegou um AB 115 com arranque bichado e pediu para o mecânico (o Paraná) 'dar hélice'. O que ele não se tocou é que o aluno anterior, cortou na mistura mas não virou a chave dos magnetos.
Resultado, quando o Paraná gritava 'contato', ele botava em livre e o motor não pegava, e na segunda balançada de hélice para encher os cilindros, quando o Paraná imaginava estar no 'livre', o motor pegou de repente e quase causou um acidente feio.
Quanto a velocidade dos CAP-4, quando voávamos lá para o lado de Queimados, onde a Dutra já é mais vazia, era comum observarmos carros andando mais rápido que a gente.
Ciro,
ResponderExcluirSim, primeira vez.
Tive experiência semelhante, meu amigo no comando do P56-D, 159 hp, para reboque de planadores, decolávamos de Rio Claro, ele ditando o checo-list de cabeceira, eu disse 'e aquela capa de pitot'?
ResponderExcluirHoje ele voa A320, relato comum entre pilotos desse avião, eles não o 'sentem', curioso para saber como ele se comporta no estol, a tripulação jamais sentiu o estol, ate o fim...
MAS
Bob;
ResponderExcluirApesar do topico nao ter este objetivo...
PT-19 com seu Ranger L-440 e 175cv em linha, CAP-4, Neiva 56, Piper J-3, todos eles respiram uma época maravilhosa da aviaão, a aviação pé e mão, mapas, calculo de triangulos de vento, o voar como voar mesmo.
Hoje em dia até ultraleve tem GPS!
Um grande abraço
Houve um acidente uma vez, não me lembro em que pais, que foi causado por não colocar a capa no pitot. Vespas obstruíram o tubo, o piloto louco pra voltar pra casa após um mês de espera não abortou a decolagem quando percebeu que seu velocímetro não funcionava e o piloto automático da aeronave só usava a informação do comandante, apesar do indicador do primeiro oficial estar correta. Se estatelou na agua.
ResponderExcluirLegal seu post Bob! Se dirigir já exige uma responsabilidade muito grande, imagina pilotar avião, onde erros são muito menos perdoados.
ResponderExcluirTer aprendido a pilotar deve ter lhe ajudado como motorista, não? Em aviação se aprende muito sobre como é importante seguir prossedimentos que muitas vezes se aplicam a outras áreas.
Taí uma coisa que eu quero fazer um dia: aprender a pilotar aviões.
Gulherme
ResponderExcluirAprenda a voar, tire o brevê. É uma experiência maravilhosa. Ajuda, e como, a dirigir melhor, especialmente a ser suave com os comandos.
Daniel
ResponderExcluirUma pena o cara ter caído, pois há vários sinais de que a velocidade está baixa demais, como comandos moles, que não dão a resposta normal, e até o ruído de vento, que muda bastante.
m
ResponderExcluirVelocidade do ar é um dado importante para o piloto, mas nem todos reagem de maneira igual diante de uma imprecisão ou falta de leitura. O caso do AF 447 é um deles.
Shimomoto
ResponderExcluirIsso mesmo, a época do IFR - I follow the road...
Bob,
ResponderExcluirRealmente. No caso desse acidente que citei, o problema foi durante a subida. A tripulação ficou confusa com as informações conflitantes. O computador indicava overspeed ao mesmo tempo que o stick shaker indicava stall. Mesmo pedindo motor, eles não respondiam pois ela estava com o nariz muito alto, fazendo faltar ar.
Veja o artigo sobre esse acidente:
http://en.wikipedia.org/wiki/Birgenair_Flight_301
Senta a pua!!
ResponderExcluirBob;
ResponderExcluirMeu pai dizia que havia dois tipos de VOR:
Voar Olhando Rodovia (caso da saída de São Paulo) e o Voar Olhando Rio quando ia para o Mato Grosso
______
Voce teve um prazer ímpar, para poucos: Pilotar um Fairchild PT-19B. Um avião excepcional, um verdadeiro treinador!
Um grande Abraço
Bob, sou CPR e gosto muito de voar, sou do tipo chato, que confere toda a aeronave antes de voar.
ResponderExcluirToda inspeção que faço, sigo rigorosamente uma planilha, seja no visual externo, dentro da aeronave, testes dos magnetos e por ai vai...
Você disse que tinha feito a inspeção antes de voar, mas como que você se esqueceu do tubo?
Quer um conselho, siga uma tipo de planilha escrita mesmo, mesmo que você tenha milhares de horas de voo, quando a gente mais pensa que já decorou tudo, e ai que nos damos mau.
Eu sou do tipo que confere o nível de óleo do motor em toda decolagem, no meu caso, o Bravo 700 fabricado aqui mesmo em BH é equipado com o motor Rotax de 100Hp aspirado mesmo, adoro esse motor, nunca me deu um só susto.
ADG HIGH TORQUE
ResponderExcluirVocê está mais do que certo nisso. Ou a inspeção é total, ou não é. Aviação não admite meio-termo.
Não sei se todos sabem, mas qualquer um pode voar, não precisa fazer um curso de PP para curtir essa grande emoção.
ResponderExcluirAqui deixo um vídeo de um avião experimental Bravo 700 voando de Vitória no Espírito Santo até Goias passando por BH.
Esqueci o principal, rs
ResponderExcluirhttp://www.youtube.com/watch?v=V_z_s3kzoWk
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirBob, depois assista esse vídeo com motor calado, repare na glissagem caprichada do Comandante.
ResponderExcluirhttp://www.youtube.com/watch?v=YE5LMvhBXRo&feature=related
Danniel
ResponderExcluirSe o avião estava em subida, nunca poderia estar em overspeed. Tratava-se evidentemente de erro de velocímetro. Eles tinham altímetro, horizonte artificial e climb para consultar. O que fizeram foi fixarem-se na airspeed e tirar potência. Shake pré-estol só se resolve com nariz para baixo. Por isso o post "Nas mãos dos outros"...
ADG HIGH TORQUE
ResponderExcluirMuito legal, especialmente o planejamento. Já fiz isso uma vez, o instrutor mandou fazer uma perda do 3° tipo sem motor e pouco antes da perda ele desligou os magnetos. Voo de planador..Estávamos a 2.000 pés na vertical do campo (Nova Iguaçu) e foi só planejar e pousar normalmente. Aí ele saltou e deu hélice e decolamos para mais instrução...
Shimomoto
ResponderExcluirNão conhecia esse VOR...O T-19 (PT-19 antes da criação da USAF em 1947) era mesmo muito bom de voar. A precisão do manche era fantástica. Você me corrigiu, é Piper J-3, J3 é o JAC (risos). Corrigi no texto.
Gostei bastante desse post! Me lembrou os tempos da velha Motor 3 que em suas edições mais antigas sempre tinha teste com aviões, barcos e motos.
ResponderExcluirCom ou sem asas, esses veículos são a paixão de qualquer entusiasta.
Bob safadénho, décadas escondendo a c@gada, hehe.
ResponderExcluirFalando sério, costumo acessar sempre o www.jetsite.com.br que conta várias histórias legais, de aviões até acidentes.
Incrível como um procedimento fora do manual pode custar a vida de muitas pessoas.
Pois é
ResponderExcluirConversando com varios pilotos novatos detectei que nenhum sabia da "manicacada" do piloto da Varig que seguia para o Para e acabou nas selvas do mato grosso.
"Manicacada " são coisas que devem ser debatidas e quem sabe um dia salvar vidas.
Isso me lembrou do acidente com um 757 quase novo da Aeroperu, uns 15 anos atrás. O avião, cujo esquema visual era em alumínio polido, havia sido lavado durante o dia, ocasião em que cobriram as entradas dos pitots com fita silvertape. Finda a limpeza, esquecerem de tirar a fita; na inspeção visual feita antes do vôo (por infelicidade, noturno), a tripulação não detectou o silvertape... Mal acabaram de decolar, os pilotos constataram que não existiam indicações consistentes nos instrumentos. O tempo nebuloso em nada ajudou... Ficaram subindo e descendo sem orientação sobre o Pacífico, em frente a Lima, até se estatelarem no mar.
ResponderExcluir1. Toda decolagem é opcional. Todas as aterrissagens são obrigatórias.
ResponderExcluir2. Se empurras manche para frente, as casas ficam maiores. Se puxas para trás, ficam pequenas. Agora, se mantiver o manche totalmente atrás, então as casas ficarão grandes outra vez.
3. Voar não é perigoso. Chocar-se sim é perigoso.
4. Sempre é melhor estar aqui embaixo e desejar estar lá encima que estar lá encima e desejar estar aqui embaixo.
5. O único momento que se tem combustível demais a bordo é quando o avião está pegando fogo.
6. A hélice é simplesmente um ventilador enorme que em frente do avião se usa para refrescar o piloto, quando ela para, o piloto imediatamente começa a suar.
7. Quando duvidares, mantenha a altitude, nada hà de se chocar contra o céu.
8. Uma boa aterrissagem é aquela de que podes sair andando. Uma aterrissagem perfeita é aquela que o avião pode ser utilizado outra vez.
9. Aprende com os erros dos outros.Nunca viverás o suficiente para cometer todos eles tu mesmo.
10. Sabe-se quando se aterrissou com o trem levantado quando se necessita de empuxe de decolagem para ir ao estacionamento.
11. A probabilidade de sobreviver é inversamente proporcional ao ângulo de decida. Quanto maior o ângulo de decida, menor é a probabilidade de sobreviver, e vice-versa.
12. Nunca deseje que um avião te leve a um lugar onde teu cérebro não havia decidido cinco minutos antes.
13. Mantenha-se fora das nuvens. Os sábios asseguram que as montanhas sabem esconder-se atrás das nuvens.
14. Tente manter sempre o mesmo número de decolagens e aterrissagem.
15. Há três simples regras para conseguir aterrissagem suaves. Infelizmente nada se conhece sobre elas.
16. Se pensas em voar com uma bolsa cheia de sorte e outra vazia de experiência. A malícia consiste em encher a de experiência antes de esvaziar a de sorte..
17. Se o que você vê através de um guichê é a terra que está ficando cada vez mais redonda e se pode olhar a comoção da cabine de passagem, as coisas não estão indo como deveriam.
18. Na competição de objetos de alumínio vindo a centenas de quilômetros por hora e a terra indo a zero por hora, a terra tem todas as chances de vencer.
19. O bom juízo vem das experiências. Infelizmente, a experiência normalmente é resultado de más decisões.
20. É sempre uma boa idéia manter o nariz do avião apontado para frente sempre que possível.
21. Veja ao seu redor. Há sempre algo que é esquecido.
22. Lembre-se, a gravidade não é simplesmente uma boa idéia. É a lei. E não deve ser ignorada de forma caprichosa.
23. As três coisas menos úteis para um piloto são: a altitude acima, a pista que fica para trás e um décimo de segundo antes.
24. Mais vale um vôo atrasado que um acidente no horário.
História muito legal!!!
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