A reverência do Juvenal ao Audi Quattro é mais do que justificada. O carro pode ser considerado um marco divisor. A História do Automóvel, quando for escrita depois que o último deixar de existir -- se é que isso ocorrerá um dia -- terá um tomo iniciado justamente pelo Audi Quattro.
A história que o Juvenal contou fala acertadamente num carro-mula Audi 80, mas como a Audi chegou até ele é uma história incrível que merece ser compartilhada com os leitores do AUTOentusiastas. Um história que tem a ver com a foto acima.
Em 1958 a Vemag, que já vinha produzindo a perua DKW desde 24 de novembro de 1956, resolveu fabricar no Brasil o utilitário tipo jipe da marca, que já existia na Alemanha. Importou alguns e começou o planejamento da produção. Era preciso desenvolvê-lo, encontrar fornecedores e validá-lo. Para isso era preciso contratar um funcionário de perfil especial, algo não tão fácil numa indústria incipiente.
Ângelo Gonçalves era o gerente de engenharia da fábrica e convidou um amigo para tocar essa parte. Era Jorge Lettry, um italiano que havia chegado ao Brasil no colo da mãe com menos de um ano de idade mas que era mais brasileiro do que muitos nascidos aqui.
Ângelo mostrou o jipe a Lettry e pediu que ele desse uma volta, que dissesse o que achava. Saiu e demorou, demorou, a ponto de deixar Ângelo bastante preocupado, pois Lettry era conhecido por dirigir muito rápido. Logo imaginou o pior.
Depois de cerca de duas horas Lettry leva o DKW (ao lado) de volta para a fábrica e, perguntado sobre o que tinha achado, se via condições de tê-lo produzido aqui e, principalmente, se teria mercado (o forte concorrente era o Jeep Willys CJ-5), Lettry disse logo, de cara: "Dr. Ângelo, este é o melhor carro esporte que já dirigi". Claro, o Dr. Ângelo pensou que o Jorge havia enlouquecido. Tratava-se de um utilitário e ele vinha falar em...carro esporte!? Quem teve a oportunidade de dirigir um sabe que Jorge Lettry não exagerou na avaliação.
Quase 20 anos mais tarde, a Volkswagen se preparava-se para lançar o Iltis. Como se sabe, a VW ficara com a Auto Union em 1965, que pertencia à Daimler-Benz desde 1958. O Iltis nada mais era que o jipe DKW, que aqui passara a se chamar Candango, em 1960, atualizado.
Saiu o motor de três cilindros dois-tempos de 981 cm³/44 cv e entrou um 827 (o nosso AP) de 1.716 cm³ (79,5 x 86,4 mm), 76 cv a 5.500 rpm. Em vez do transeixo dianteiro de quatro marchas com caixa de transferência e reduzida, um de cinco marchas com primeira tratora (7,6:1). A segunda 3,91:1 é que era usada normalmente para arrancar. E um tratamento no estilo frontal, com farois embutidos nos para-lamas, como se vê na foto de abertura. O chassi rolante permaneceu exatamente igual, a mesma suspensão independente nas quatro rodas, mas a tração integral deu lugar a uma 4x4 temporária.
Ferdinand Piëch, neto de Ferdinand Porsche, era diretor de engenharia da Audi nesse tempo e deram-lhe um Iltis para rodar no fim de semana, como é habitual nas fábricas de automóveis. Piëch era um engenheiro de mão cheia, é dele o motor Porsche de seis cilindros que estreou no 911. Nada mais natural que sua opinião fosse essencial em qualquer produto.
Piëch ficou tão impressionado com o comportamento em curva do "Candango", mesmo com o curtíssimo entre-eixos de 2.015 mm, que ao chegar à empresa na segunda-feira reuniu os seus colaboradores diretos e determinou que criassem um trem de força semelhante para um Audi 80. Nascia naquele momento o Audi Quattro. Dois anos depois o novo Audi era a sensação do Salão de Genebra.
Lettry e Piëch estavam certos.
BS
A história que o Juvenal contou fala acertadamente num carro-mula Audi 80, mas como a Audi chegou até ele é uma história incrível que merece ser compartilhada com os leitores do AUTOentusiastas. Um história que tem a ver com a foto acima.
Em 1958 a Vemag, que já vinha produzindo a perua DKW desde 24 de novembro de 1956, resolveu fabricar no Brasil o utilitário tipo jipe da marca, que já existia na Alemanha. Importou alguns e começou o planejamento da produção. Era preciso desenvolvê-lo, encontrar fornecedores e validá-lo. Para isso era preciso contratar um funcionário de perfil especial, algo não tão fácil numa indústria incipiente.
Ângelo Gonçalves era o gerente de engenharia da fábrica e convidou um amigo para tocar essa parte. Era Jorge Lettry, um italiano que havia chegado ao Brasil no colo da mãe com menos de um ano de idade mas que era mais brasileiro do que muitos nascidos aqui.
Ângelo mostrou o jipe a Lettry e pediu que ele desse uma volta, que dissesse o que achava. Saiu e demorou, demorou, a ponto de deixar Ângelo bastante preocupado, pois Lettry era conhecido por dirigir muito rápido. Logo imaginou o pior.
Depois de cerca de duas horas Lettry leva o DKW (ao lado) de volta para a fábrica e, perguntado sobre o que tinha achado, se via condições de tê-lo produzido aqui e, principalmente, se teria mercado (o forte concorrente era o Jeep Willys CJ-5), Lettry disse logo, de cara: "Dr. Ângelo, este é o melhor carro esporte que já dirigi". Claro, o Dr. Ângelo pensou que o Jorge havia enlouquecido. Tratava-se de um utilitário e ele vinha falar em...carro esporte!? Quem teve a oportunidade de dirigir um sabe que Jorge Lettry não exagerou na avaliação.
Quase 20 anos mais tarde, a Volkswagen se preparava-se para lançar o Iltis. Como se sabe, a VW ficara com a Auto Union em 1965, que pertencia à Daimler-Benz desde 1958. O Iltis nada mais era que o jipe DKW, que aqui passara a se chamar Candango, em 1960, atualizado.
Saiu o motor de três cilindros dois-tempos de 981 cm³/44 cv e entrou um 827 (o nosso AP) de 1.716 cm³ (79,5 x 86,4 mm), 76 cv a 5.500 rpm. Em vez do transeixo dianteiro de quatro marchas com caixa de transferência e reduzida, um de cinco marchas com primeira tratora (7,6:1). A segunda 3,91:1 é que era usada normalmente para arrancar. E um tratamento no estilo frontal, com farois embutidos nos para-lamas, como se vê na foto de abertura. O chassi rolante permaneceu exatamente igual, a mesma suspensão independente nas quatro rodas, mas a tração integral deu lugar a uma 4x4 temporária.
Ferdinand Piëch, neto de Ferdinand Porsche, era diretor de engenharia da Audi nesse tempo e deram-lhe um Iltis para rodar no fim de semana, como é habitual nas fábricas de automóveis. Piëch era um engenheiro de mão cheia, é dele o motor Porsche de seis cilindros que estreou no 911. Nada mais natural que sua opinião fosse essencial em qualquer produto.
Piëch ficou tão impressionado com o comportamento em curva do "Candango", mesmo com o curtíssimo entre-eixos de 2.015 mm, que ao chegar à empresa na segunda-feira reuniu os seus colaboradores diretos e determinou que criassem um trem de força semelhante para um Audi 80. Nascia naquele momento o Audi Quattro. Dois anos depois o novo Audi era a sensação do Salão de Genebra.
Lettry e Piëch estavam certos.
BS
Excelente história! Fico imaginando onde estão esses perssonagens, mas nas histórias das inovações recentes dos automóveis. Onde estão os Piech de hoje em dia? Com capacidade técnica, paixão e numa posição de decidir?
ResponderExcluirLuís F.
Me desculpem pelo erro em "perssonagens".
ResponderExcluirQue foda essa história !
ResponderExcluirEsse Ferdinand Piëch devia ser uma baita engenheiro mesmo !
Leonardo,
ResponderExcluirDevia ser, não: é um baita engenheiro, está ativo aos 72 anos e é o presidente do conselho de administração da Volkswagen AG, cargo mais importante que o do presidente executivo, fora que é um dos donos da Porsche.
A genosidade já está embutida no DNA do Piëch. Quem diría que um jipinho ajudaria a mudar a história.
ResponderExcluirBob,
ResponderExcluirespetacular narrativa de uma espetacular história.
Estava para escrever algo sobre o Quattro há meses, e fico mais feliz ainda de ter disparado esse seu post.
Joel,
ResponderExcluirJoel,
DNA inclusive na saída de força na traseira da caixa: era assim no anfíbio Schwimmwagen, que tinha tração nas quatro rodas, projetado por seu avô Ferdinand Porsche e Karl Frölich, o engenheiro de transmissões da firma de consultoria de Porsche. Só que a saída era para frente, devido ao motor traseiro.
Juvenal,
ResponderExcluirUma grande marca e um grande produto só poderiam suscitar histórias incríveis. Foi ótima a sua iniciativa, a sua "centelha inicial".
Incrível história!
ResponderExcluirÉ impressionante como os eventos desencadeiam uma série de outros no mundo do automóvel e uma opinião contra ou a favor pode mudar o rumo da história.
Talvez se Lettry não tivesse gostado do utilitário da DKW, reprovando-o em seu teste, a dinastia Quattro da Audi não existiria...
Só quem já andou de Candango sabe o quanto o Lettry estava certo....o primiro veiculo BR com tração permanente nas quatro rodas é uma obra de arte, que faz o JEEP parecer o que é: um veiculo agrícola...E não é só a trração, ams a fantástica suspensão também.
ResponderExcluirm
Mahar,
ResponderExcluirLembro-me do Ricardo Achcar falando maravilhas do Candango 4 na antiga estrada para Juiz de Fora, em que ele a fez mais rápido do que com qualquer outro carro até então. Era fantástico e olhe que não tinha diferencial central. Só agarrava ligeiramente em manobras, graças ao enrre-eixos de 2,015 metros.
Mas, vem cá... essa volta que o Lettry deu foi o tempo todo em tração 4x4 ??
ResponderExcluirO Candango era 4x4 o tempo todo ou ela só podia ser usada/acoplada em baixas velocidades como no Jeep ?
Andei uma vez num Candango, na década de 70. Achei valente... estávamos em uns 9 escoteiros mais o motorista e voltamos dum acampamento pra casa tranquilamente no carrinho, subia e descia inclinações com essa carga e não esmorecia...
Bob, vou ser redundante. Que bela história!
ResponderExcluirXracer,
ResponderExcluirO jipe de 1958 como o verde tinha apenas tração integral, permanente. Podia ser usado em qualquer tipo de piso, daí ter impressionado Lettry e Piëch, que perceberam comportamento típico de carro esporte. Era mesmo muito valente, por isso ganhou a concorrência para o exército alemão e para as forças da Otan diante do Porscha Jagdwagen (carro caçador) e de um utilitário Gutbrod.
Obrigado pelo esclarecimento, Bob !
ResponderExcluirSem dúvida um precursor e inspirador do Audi Quattro !