Quando ocorreu a Revolução Industrial, a Inglaterra viu surgir um movimento contrário à modernidade tecnológica, que enxergava problemas a curto, médio e longo prazo. Movimento liderado por Ned Ludd, cujos seguidores eram conhecido por luditas. A confusão foi grande, e não é assunto para nosso blog.
Não que eu seja um neo-ludita, mas algumas coisas modernas me incomodam.
A idéia de qualquer-coisa-by-wire é uma delas.
Surgido na aviação militar, com o General Dynamics F-16, e depois na comercial, nos Airbus, os comandos por fios para componentes mecânicos me arrepiam. Não tudo, claro, pois um vidro elétrico, ou um retrovisor não assustam ninguém. Mas os nerds estão querendo mexer em coisa séria, sistemas que comandam itens de segurança. Notadamente freios e direção.
Só de imaginar o quanto de matéria-prima que se economiza ao retirar de um carro uma coluna de direção, já deixa os financistas das fábricas salivando. E obviamente, eles apoiam essas novidades. As vantagem são grandes. Menos componentes pesados, substituídos por fios e conectores, servo-motores e uma central eletrônica.
Desvantagem principais: a confiabilidade deve ser absoluta. Poderia-se até parar por aqui com esse assunto, concluindo que engenheiros servem para isso mesmo, fazer coisas que funcionem e não quebrem. Mas a vida não é tão simples e bela.
Qualquer peça com um mínimo de complexidade tem muita gente e processos envolvidos, e sempre - vejam bem, sempre - existe a possibilidade de algo sair errado.
Pioneira na aplicação do ABS, a Mercedes-Benz manteve a tradição de inovar nessa área e utilizou o brake-by-wire da Bosch nos classe SL desde 2001, classe E no ano seguinte e no CLS, além do McLaren-Mercedes SLR. Após dois recalls que afetararam cerca de 2 milhões de carros em todo mundo, o sistema Sensotronic foi descontinuado em 2006. Esse sistema possui uma linha hidráulica de segurança, sem assistência de um servo, e segundo a fábrica, o risco de acidente era mínimo.
O motivo dos problemas eram bolhas no acumulador de alta pressão e também falhas no software, ou seja no programa de comando de trabalho. A consequência era apenas e tão somente freio off-line, como naquelas vezes em que nosso computador da empresa cai fora da rede e nos deixa com as calças na mão.
Bom, vamos lá. Um sistema de computador, fios, conectores, sensores de velocidade das rodas, motores elétricos, trabalhando também com um programa de ABS, mais um sistema hidráulico de segurança. Simples, não ?
Bom, vamos lá. Um sistema de computador, fios, conectores, sensores de velocidade das rodas, motores elétricos, trabalhando também com um programa de ABS, mais um sistema hidráulico de segurança. Simples, não ?
Ironias a parte, em 2007 foi apresentado o sistema de freio criado pela Siemens VDO (Continental atualmente) chamado de EWB - Electronic Wedge Brake (freio eletrônico por cunha), que está ilustrado abaixo. A intenção é que entre em aplicação comercial já em 2010.
Simples imaginar que o grande desafio é ter certeza que o motor elétrico, que gira um eixo que empurra uma cunha, vai funcionar SEMPRE. E que o programa de computador que comanda a velocidade e força com que esse motor gira e empurra, vai estar perfeito, sem os famosos "bugs", que podem ser explicados como buracos ou incertezas no programa. E agora com o atrativo de frear em menos distância, 15% menos sobre gelo, por exemplo.
Não dá mesmo para acreditar. Depois de uma tentativa que não deu certo, na época em que os Mercedes tiveram o ponto mais baixo de satisfação com a qualidade, a direção da empresa corajosamente resolveu mudar, e determinaram a retirada de muitos itens e funções eletrônicas de seus modelos, divulgado na época como cerca de 600 delas. As reclamações diminuíram, e a qualidade voltou a melhorar.
E se volta a insistir com soluções mirabolantes para freios, e a mesma coisa para sistema de direção também vem por aí.
Devo estar ficando velho.
JJ
A algum tempo eu li sobre os solenóides como sistema para acionamento de válvulas, com variação de tempo e abertura superior a qualquer comando variável atual. Parece que era obra da Valeo. Imagino quanta potência específica poderia ser tirada de um motor, e o tamanho da elasticidade garantida. Claro que isso não vai agradar a todos.
ResponderExcluirJJ,
ResponderExcluirTenho comigo que nada substitui as decisões do córtex humano no controle de qualquer objeto.
Sistemas by wire as vezes me assutam tambem. Acredito que o episódio mais elucidativo disto seja a apresentação da Airbus, na França, no final da década de 80.
Quem sou eu para julgar, mas... Há alguns relatos de aeronaves que simplesmente ganham e perdem altitude, como se fossem aviões de manobra e não de carreira, e machucam as bestas que acham que cinto "machuca", sendo que o voo já estava em "piloto automático".
Quando tratamos de segurança o que mais precisamos ter é sistemas redundantes. Se um falhar outro tem que assumir de forma imperceptível e voltar a um estado seguro para o todo.
Só que em engenharia existe a máxima: Peça que não existe, é peça que não dá defeito...
Qual a melhor solução? Agregar componentes passíveis de falhas ou simplificar para não ter defeito?
Complicado...
Apesar de trabalhar com tecnologia, eu sou um pouco reticente quanto a adoção de "silício pensante". Afinal, eles são os burros mais rápidos que conhecemos...
Também sou da area de tecnologia e o que eu tenho a dizer é:
ResponderExcluirA tecnologia é muito boa quando não se economiza dinheiro, ou seja, quando o investimento é alto e os equipamentos são bem dimensionados e projetados.
O Problema é que as "equipes de redução de custos (depenação)" das fábricas logo vão querer usar fios com bitola apenas "suficiente", conectores de baixo custo, conduites que se esfarelam, centrais eletrônicas que caso precisem ser substituidas ou vão custar uma fortuna, ou caso já tenha passado algum tempo, a peça não é mais fabricada...
Ou seja, carros cada vez mais descartáveis...
Quando se misturam a lei da física com a lei da química é preciso ter muito cuidado.
Isso que eu falei foi só quanto o quesito hardware.
ResponderExcluirQuanto a questão do software, tem que ser testado e retestado diversas vezes, não é a toa que hoje em dia existem profissionais treinados e voltados especificamente para a área de teste de software.
O problema todo é o custo, o tempo e viabilidade de um projeto desses.
Fico feliz em perceber que não sou o único que se sente desconfortável em relação a sistemas by wire.
ResponderExcluirVou, porém, um pouco além: se dependesse de mim, jamais haveria um sistema de direção e freios by wire. Infelizmente, nos sitemas de hardware e software ainda não foi atingido um grau de confiabilidade que permita substituir sistemas mecânicos com a mesma segurança. Nos aviões, por exemplo, sempre existe redundância de comandos by wire. Aí, a economia vai pro ralo...
Sistema mecânico "avisa" antes de falhar completamente: surgem ruídos, o comando fica mais pesado, aparece um vazamentinho de fluido ali... A parte eletrônica pode estar funcionando perfeitamente ao desligar o carro. Ao ligar para sair novamente, não há como garantir que o freio funcionará perfeitamente na próxima esquina...
E, como o Chiavaloni disse, "silício pensante" é burro ao extremo. Nunca será possível criar um software que agrade a todos. Sistemas mecânicos são 100% flexíveis, pois você é quem comanda integralmente, não há interpretação no caminho...
Eu trabalho com desenvolvimento de software há 14 anos e uma coisa que eu aprendi é que a eletrônica é ótima, mas não quer dizer que é solução pra tudo.
ResponderExcluirNão dá pra se trocar uma lâmpada via software. Não ser uma "solução hi-tec" não é demérito nenhum.
É por isso que eu ando de Opala alimento por Weber 446!!!!
JJ,
ResponderExcluirComo participantes da indústria, que devem trabalhar voltados para o futuro e, o by-wire é parte integrante dele, também vivo dilema semelhante.
Para mim, o que é básico e fundamental, como freio e direção, tem de ser mecânico e ponto.
O caso do último acidente fatal do Airbus deveria servir de alerta. Algo nas 'redundâncias eletrônicas de proteção' também falhou e, sem caixa preta várias incertezas vão se alongar indefinidamente.
Vejo também uma diferença de visão conceitual entre a escola americana e europeia, de engenharia. Os primeiros são safe-simple-reliable. Os europeus, pouco mais ousados, nem tão simple e, por isso, menos reliable.
Tenho um amigo próximo que foi comandante de Boeings na Varig e hoje voa Airbus na TAM e ele é da mesma opinião, mas, insuficiente para parar a história.
"Só de imaginar o quanto de matéria-prima que se economiza ao retirar de um carro uma coluna de direção, já deixa os financistas das fábricas salivando."
ResponderExcluirEssa frase é fantástica!!
PK
O F-16 não foi o primeiro avião operado por cabos. Uns 15 anos antes dele já haviam outros projetos que se aboliram os cabos e hastes para comandar o vôo. O F-16 foi o primeiro caça "instável" de série, o que significa que ele está sempre no limite de descontrole, mas isso é regulado pelos computadores e tem a vantagem de reagir mais rapidamente aos comandos.
ResponderExcluirO problema nas coisas "por fio" é que elas não estão na indústria da aviação, onde segurança e disciplina são levadas a sério. Aqui no chão tem muita gente que negligencia a manutenção do veículo, chegando a absurdos como dirigir com freios insuficientes e volantes com folgas quilométricas.
Um avião "fly by wire" tem 4 níveis de redundância, ou quatro sistemas independentes para comandar o vôo. Ele pode voar com apenas um operacional, numa emergência. Se isso fosse transferido para os veículos terrestres (carros e caminhões), muita gente deixaria o sistema morrer até restar apenas um sistema operante, que na opinião equivocada deles, "estaria bom dimais".
Clésio Luiz
ResponderExcluirVocê não poderia estar mais correto.
Aeronáutica é uma coisa séria, quantos de nós temos um hangar nos fundos de nossas casas, com um aviãozinho? Pouquíssimos, é totalmente diferente do mundo automotivo.
Aqui o "mexânico" pega um Classe A com uma luzinha acesa, ele simplesmente vai lá e faz uma gambiarra, não para consertar, mas sim para que a luzinha chata não acenda mais.
Agora imagine num carro todo by wire. O primeiro dono usa os 3 primeiros anos de garantia e vende para um segundo dono, menos abonado. E história vai se repetindo até o carro cair em desgraça total.
Não que seja muito diferente hoje em dia com sistemas mecânicos e hidráulicos, mas acredito que seria muito, muito pior.
FB
Eu creio que o maior problema de ser enfrentado por um sistema by wire é a sensibilidade do pedal, bem como ocorre com a direção. Quando se tem um pedal, o mesmo transmite as reações ao pé, como ocorre com o pedal da embreagem e freio. O acelerador já é um pouco mais complicado pois a sensibilidade é outra, espero que me entendam. No freio, quando se freia em paralelepipedo é uma sensação, em asfalto é outra, mesma coisa são os trancos de uma embreagem. Agora, imagine a direção sem a reação do piso. Eu gosto de sentir no volante as pedras do asfalto, num drive by wire creio que isso não seja possível. Creio que se desenvolvam sistemas seguros, mas, passar a sensibilidade não é possível de forma simples. Para ter uma base basta lembrar dos Citroens DS (não tinham pedal de freio e sim um botão, tal qual o de troca de luz alta baixa dos corcel II) e, pelo que me lembro, as BMWs com controle de rolagem, onde tiveram que deixar a correceria rolar mais para evitar que o motorista levasse o carro ao lemite sem perceber.
ResponderExcluirDo meu ponto de vista, sistemas mecânicos são necessários para termos esta sensibilidade do que o carro nos repassa. Não somos DRONES e sim Humanos. (para quem assiste Hotwheels).
Sds,
Cristiano, adoro fusca sem hidrovácuo e com varão.
Clésio, também tem o Eurofighter e o B-2 Spirit (esse então, eu diria que é o "máximo da engenharia fly-by-wire", na minha opinião, pelo simples fato do desenho ser uma "asa voadora", naturalmente quase completamente instável e que, creio eu, poderia literalmente cair do céu sem controle, tal qual uma folha seca que se solta da árvore no outono. Tanto que, como no F-16 e no Eurofighter, os computadores estão ajustando cada superfície da aeronave o tempo todo.
ResponderExcluirClésio,
ResponderExcluiro primeiro avião com fly-by-wire voou em maio de 1972, um F-8C Crusader de pesquisas da NASA. O F-16 é o primeiro avião operacional com esse sistema, entregue à USAF apenas em 18 de agosto de 1978.
Não encontrei referências anteriores a 1972, me informe se você encontrar.
Se os jovens de hoje que vivem e trabalham com a tecnologia são de certa forma contra a mesma, o que sobra para um Matusalem feito eu?
ResponderExcluirMatusalém,
ResponderExcluirSobra o sarcófago.
Anônimo,
ResponderExcluirMe respeite ô seu muleque!
Tu é um garotinho inocente juvenil, criado leite com pêra e ovomaltiiino!
Não aguenta 5 minutos de porrada comigo!
Obrigado pelo garotinho, Seu Matusa.
ResponderExcluirIdade? Sou de 42. 1942. E tomo, vez ou outra, OvomaltinE sim.
Faz bem para a memória.
FREIO ELÉTRICO OU NÃO, O FACTO É QUE OS FREIOS HIDRÁULICOS TAMBEM NÃO SAO CONFIÁVEIS. LEMBRA-SE DAQUELE "CANO MESTRE" QUE TINHA NO FUSCA, BRASILIA, TL, VARIANT E OUTROS? QUANDO VOCE PISAVA MAIS FORTE NO FREIO ELE ESTOURAVA E ADEUS FRENAGEM! ATUALMENTE OS FREIOS TAMBEM PODEM FALHAR DE QUALQUER MANEIRA. ELÉTRICO OU NÃO, O FACTO É QUE EM TUDO HÁ O PÓS E CONTRA.
ResponderExcluirJulio Mota
ResponderExcluirSem dúvida que freios podem falhar, sendo essa a razão de hoje todo carro ter dois circuitos hidráulicos de freio totalmente independentes. No Brasil, desde 1977.