OS FRUTOS TROPICAIS
Por José Mahar Rezende
Por José Mahar Rezende
Os inícios da indústria brasileira de automóveis foram em cima de projetos e desenhos meio ultrapassados ou fora do padrão da época, verdadeiros enteados da produção desse tempo. Exemplos fortes dessa teoria foram o Volkswagen, o Aero, o Simca e o DKW-Vemag.
Por partes:
Volkswagen
Nos anos 50 o Fusca tinha já um discreto sucesso nos mercados europeus e mesmo por aqui, montados por um grupo brasileiro, mas nada que se comparasse ao furor de vendas que aconteceu nos anos 60 e principalmente nos anos 70.
Nessa época o Fusquinha era um carro meio fora dos padrões da indústria estabelecida, com seu raro motor traseiro boxer refrigerado a ar, e foi no Brasil que aconteceu um alento especial para sua produção, primeiro como carro barato e prático, depois como transporte de massa e, finalmente, como objeto cult nos anos Itamar.
Mas sua rica história não começa e termina no Besouro e no Pão de forma, a Kombi que até hoje é produzida. Vários foram seus derivados que tiveram maior ou menor sucesso, mas sempre desenvolvidos aqui para o nosso mercado.
O mais conhecido desses primos foi sem dúvida alguma a Brasília. Produzida aos milhões nos anos 70 e 80, era montada em cima de uma plataforma aumentada e modificada mas sempre respeitando as origens: chassi plano, suspensão dianteira por barras de torção, eixos oscilantes atrás e o famoso motor de quatro cilindros contrapostos refrigerado a ar, motivo de memoráveis campanhas de publicidade: “o ar não ferve” e outras.
Vendida em muitos países, inclusive em Portugal e no México, a Brasília era uma opção inteligente e mais espaçosa do Besouro, e que por isso teve muito sucesso.
Mas a Brasília não foi o único produto que derivou do Fusca: desde a família 1.00 (Sedan, TL e Variant ) até a Variant II e o Karmann-Ghia TC, muito se fez com mecânica Volks ao longo dos anos.
A família 1600 inaugurou uma nova opção de, digamos assim, luxo quando o poder aquisitivo do comprador brasileiro melhorou e a fábrica sentiu a concorrência se armando para fazer o que a Fiat conseguiu depois de mais de 25 anos: alcançar a liderança por um certo imobilismo da fábrica de São Bernardo do Campo.
O sedan 1600 de 4 portas foi o primeiro, ainda com o motor tradicional de ventoinha em pé, mas já com 60 cv, mesmo que desfavorecido por uma carburação única e a consequente perda de eficiência. Bem maior, o 1600 foi um grande passo à frente que na época foi bem recebido pelo mercado, talvez até demais, pois se tornou o preferido dos taxistas de muitas cidades brasileiras e ficou assim marcado com carro de praça; por isso é um pouco difícil encontrar um sobrevivente dos combates do asfalto em bom estado.
Pouco depois a VW apresentou o TL e a Variant, as versões nacionais do Type 3 alemão. Aí a coisa começou a progredir tecnicamente, pois o motor do carro alemão foi adotado aqui. A ventoinha era atrás do motor, não mais em cima, o que proporcionava bem mais espaço interno. O famoso motor plano também foi o primeiro VW a ter dupla carburação de fábrica, o que lhe deu 65 cv, cinco a mais que aquele usado no sedã de 4 portas.
Na verdade os dois carros eram mais ou menos a mesma coisa, pois só a capota mudava, além de, evidentemente, tampa do porta-malas traseiro no TL ou porta traseira, ou hatch, na Variant. Dessa plataforma avançada derivou também o Karmann-Ghia TC, um projeto que, como quase todos analisados neste texto, só foi fabricado aqui. Sua plataforma era a mesma dos TL, bem como sua armação mecânica de 65 cv e freios a disco na frente sem servo-assistência, porém mais do que suficientes para os menos de 900 kg desses carros de antanho, sem todos os reforços de carroceria contra choques e todos os airbags que fazem com que um carro pequeno de hoje em dia seja bem mais pesado.
O píncaro da criatividade a ar da VW foi sem dúvida alguma o Variantão ou Variant II. Criada no final dos anos 70, quando já existia o Passat refrigerado a água, dele aproveitava com sucesso a suspensão dianteira por colunas McPherson e raio de rolagem negativo, o que junto com pneus radiais fez dela o VW a ar melhor em curvas.
Na traseira foi adotada a suspensão da Kombi, com duas juntas homocinéticas e cambagem imutável. Esta preferência técnica eliminou um dos traços mais marcantes dos VW, que era fechar as rodas traseiras em curvas mais intensamente transpostas, e tornou o carro muito mais seguro para usar a potência do motor sem ameaçar o usuário comum.
O ponto alto dessa engenharia tupiniquim foi o SP2. produto da vontade e determinação de Rudolf Leiding, o presidente da filial brasileira que mais tarde chegou ao cume do Grupo VW. Teve o maior motor jamais instalado num Volks de fábrica: Com 1.700 cm³ e 75 cv, o SP2 era um carro de pretensões claramente esportivas e também uma resposta contundente, embora cara, ao Puma, reconhecido nos círculos fusqueiros do mundo como o melhor Volks alternativo jamais fabricado em qualquer lugar do planeta. E aí estão incluídos carros de muitas gerações, que vão desde os cabriolés Hebmüller até os primeiros Porsche, que eram VWs modificados.
Willys
Empresa que foi em alguns dos anos 20 a maior dos Estados Unidos, a fábrica fundada por John North Willys veio para o Brasil no início dos anos 50 pelas mãos de Henry Kaiser. Vendo a saída de seus empreendimentos automobilísticos meio fracassados na América em transferir para os trópicos suas linhas de montagem, Kaiser trouxe para cá o Aero, a Rural e o Jeep e para a Argentina o Kaiser Manhattan e os utilitários, mas com motores flathead de origem Continental, enquanto por aqui nós tivemos em todos esses carros o BF161 de 90 cv e cabeçote em “F”, e suas variações de dupla carburação e depois de três litros e 130 cv, o motor do Itamarati e do Maverick 6.
O primeiro produto brasileiro foi a Rural modificada por Brooks Stevens e a equipe de Roberto de Araújo, pioneiro do design nacional. Embora usando a mesma célula central da carroceria da Rural anterior, ela era um grande avanço pelo menos estético em relação à sua antecessora. E alguma delas tiveram uma característica única à produção brasileira: a suspensão dianteira independente. Nenhuma outra Rural ou utilitário Willys teve independência entre as rodas da frente, tanto que até recentemente seu descendente direto, a Grand Cherokee e a Cherokee normal, têm eixo dianteiro rígido, embora aperfeiçoado principalmente pela Engenharia da Mercedes, a dona da Chrysler que sucedeu à AMC, detentora da fabricação dos Willys na América Do Norte desde os anos 60.
Dos jipes uma versão foi claramente nacional: a Ford que usava o motor 2,3-litros chamado de Taubaté, em homenagem ao local de sua produção. Obviamente esse motor só foi usado aqui, e também a caixa de câmbio de quatro marchas. Essa foi a época em que o Jeep Willys era o carro nacional mais barato.
O Aero foi outro exemplo. Reprojetado pela mesma equipe da Rural, O Aero-Willys Bermuda 1955 veio mais ou menos do mesmo jeito que era fabricado na América. Com exceção das lanternas traseiras, que incorporavam uma luz de ré, o carro era o mesmo fabricado em Toledo, Ohio.
Mas lá por 1962 o peso dos anos se fazia sentir num carro datado do fim dos anos 40. E a ideia foi redesenhar o carro todo, aumentando sua potência por meio de uma providência bem pouco americana: uma dupla carburação que implicava um novo cabeçote. Os carburadores ficavam diretamente no cabeçote, que incorporava o coletor de admissão e, assim , tinha que ser reprojetado. Apesar das dificuldades em mantê-la regulada, a dupla dava 20 cv a mais, vantagem decidida em um mercado frequentado por carros de 100 cv, como o Simca.
As últimas variações foram os Itamarati. Lançados em 1966 com o mesmo motor de 110 cv e 2,6 litros, os Itamarati foram equipados com o motor de três litros em 1967, mesmo ano em que foram os únicos carros nacionais a contar com ar-condicionado de fábrica, ainda que uma trapizonga digna de uma Cadillac 1954, ocupando quase a metade do porta-malas.
Outra variação muito rara foi a Limusine, um Itamarati alongado que foi o primeiro carro nacional desse tipo, e foi o primeiro a contar com telefone.
Como nota ao pé de página da história, a Ford tentou um Aero com o motor 272 do Galaxie, mas nenhum dos protótipos ficou inteiro. Em pouco tempo foram destruídos em infortúnios rodoviários. Mesmo 164 cv era demais para a arcaica suspensão dos Aero, piores que qualquer Chevrolet de 1950 mas fortes e resistentes aos caminhos agrestes do Brasil, fazendo o que se pode chamar de cadeira elétrica: um carro muito veloz e incontrolável. Imaginem um Aero com quase 170 cv e capaz de mais de 190 km/h de final...
Ford
Sua história de automóveis começa em 1967 com uma cópia fiel do Ford Galaxie americano de 1966. A carroceria foi unicamente sedã de quatro portas, mas foi sendo evoluída ao longo do tempo até 1983, quando parou sua produção. Usou primeiro o 272 de 4.500 cm³ e 164 cv, com freios a tambor sem hidrovácuo e estreitos pneus diagonais na medida 7.75-15.
Em 1969 chegou o LTD, já uma evolução brasileira com o motor 292, de 4.800 cm³ e 190 cv. Foi o primeiro carro nacional a oferecer transmissão automática, o bom C4 da Ford americana.
Porém o grande carro nacional da Ford foi o Corcel, projeto herdado da Willys. Resultado de sua parceria longa com a Renault francesa, era um derivado sul-americano do Renault 12, lançado mais ou menos na mesma época na França. Tinha motor inicialmente de 1.300 cm³ e 65 cv, com quatro marchas. Foi evoluindo e em 77 substituído pelo Corcel II, a versão brasileira do Renault 18, um carro maior que teve algum tempo depois o motor de 1.555 cm³ e 85 cv em várias versões, inclusive com caixa de cinco marchas. Os últimos Del Rey tiveram um detalhe diferente de todos os Renault: o motor AP 1800 da Volkswagen, coisa que não aconteceu em lugar nenhum do mundo.
General Motors
Por partes:
Volkswagen
Nos anos 50 o Fusca tinha já um discreto sucesso nos mercados europeus e mesmo por aqui, montados por um grupo brasileiro, mas nada que se comparasse ao furor de vendas que aconteceu nos anos 60 e principalmente nos anos 70.
Nessa época o Fusquinha era um carro meio fora dos padrões da indústria estabelecida, com seu raro motor traseiro boxer refrigerado a ar, e foi no Brasil que aconteceu um alento especial para sua produção, primeiro como carro barato e prático, depois como transporte de massa e, finalmente, como objeto cult nos anos Itamar.
Mas sua rica história não começa e termina no Besouro e no Pão de forma, a Kombi que até hoje é produzida. Vários foram seus derivados que tiveram maior ou menor sucesso, mas sempre desenvolvidos aqui para o nosso mercado.
O mais conhecido desses primos foi sem dúvida alguma a Brasília. Produzida aos milhões nos anos 70 e 80, era montada em cima de uma plataforma aumentada e modificada mas sempre respeitando as origens: chassi plano, suspensão dianteira por barras de torção, eixos oscilantes atrás e o famoso motor de quatro cilindros contrapostos refrigerado a ar, motivo de memoráveis campanhas de publicidade: “o ar não ferve” e outras.
Vendida em muitos países, inclusive em Portugal e no México, a Brasília era uma opção inteligente e mais espaçosa do Besouro, e que por isso teve muito sucesso.
Mas a Brasília não foi o único produto que derivou do Fusca: desde a família 1.00 (Sedan, TL e Variant ) até a Variant II e o Karmann-Ghia TC, muito se fez com mecânica Volks ao longo dos anos.
A família 1600 inaugurou uma nova opção de, digamos assim, luxo quando o poder aquisitivo do comprador brasileiro melhorou e a fábrica sentiu a concorrência se armando para fazer o que a Fiat conseguiu depois de mais de 25 anos: alcançar a liderança por um certo imobilismo da fábrica de São Bernardo do Campo.
O sedan 1600 de 4 portas foi o primeiro, ainda com o motor tradicional de ventoinha em pé, mas já com 60 cv, mesmo que desfavorecido por uma carburação única e a consequente perda de eficiência. Bem maior, o 1600 foi um grande passo à frente que na época foi bem recebido pelo mercado, talvez até demais, pois se tornou o preferido dos taxistas de muitas cidades brasileiras e ficou assim marcado com carro de praça; por isso é um pouco difícil encontrar um sobrevivente dos combates do asfalto em bom estado.
Pouco depois a VW apresentou o TL e a Variant, as versões nacionais do Type 3 alemão. Aí a coisa começou a progredir tecnicamente, pois o motor do carro alemão foi adotado aqui. A ventoinha era atrás do motor, não mais em cima, o que proporcionava bem mais espaço interno. O famoso motor plano também foi o primeiro VW a ter dupla carburação de fábrica, o que lhe deu 65 cv, cinco a mais que aquele usado no sedã de 4 portas.
Na verdade os dois carros eram mais ou menos a mesma coisa, pois só a capota mudava, além de, evidentemente, tampa do porta-malas traseiro no TL ou porta traseira, ou hatch, na Variant. Dessa plataforma avançada derivou também o Karmann-Ghia TC, um projeto que, como quase todos analisados neste texto, só foi fabricado aqui. Sua plataforma era a mesma dos TL, bem como sua armação mecânica de 65 cv e freios a disco na frente sem servo-assistência, porém mais do que suficientes para os menos de 900 kg desses carros de antanho, sem todos os reforços de carroceria contra choques e todos os airbags que fazem com que um carro pequeno de hoje em dia seja bem mais pesado.
O píncaro da criatividade a ar da VW foi sem dúvida alguma o Variantão ou Variant II. Criada no final dos anos 70, quando já existia o Passat refrigerado a água, dele aproveitava com sucesso a suspensão dianteira por colunas McPherson e raio de rolagem negativo, o que junto com pneus radiais fez dela o VW a ar melhor em curvas.
Na traseira foi adotada a suspensão da Kombi, com duas juntas homocinéticas e cambagem imutável. Esta preferência técnica eliminou um dos traços mais marcantes dos VW, que era fechar as rodas traseiras em curvas mais intensamente transpostas, e tornou o carro muito mais seguro para usar a potência do motor sem ameaçar o usuário comum.
O ponto alto dessa engenharia tupiniquim foi o SP2. produto da vontade e determinação de Rudolf Leiding, o presidente da filial brasileira que mais tarde chegou ao cume do Grupo VW. Teve o maior motor jamais instalado num Volks de fábrica: Com 1.700 cm³ e 75 cv, o SP2 era um carro de pretensões claramente esportivas e também uma resposta contundente, embora cara, ao Puma, reconhecido nos círculos fusqueiros do mundo como o melhor Volks alternativo jamais fabricado em qualquer lugar do planeta. E aí estão incluídos carros de muitas gerações, que vão desde os cabriolés Hebmüller até os primeiros Porsche, que eram VWs modificados.
Willys
Empresa que foi em alguns dos anos 20 a maior dos Estados Unidos, a fábrica fundada por John North Willys veio para o Brasil no início dos anos 50 pelas mãos de Henry Kaiser. Vendo a saída de seus empreendimentos automobilísticos meio fracassados na América em transferir para os trópicos suas linhas de montagem, Kaiser trouxe para cá o Aero, a Rural e o Jeep e para a Argentina o Kaiser Manhattan e os utilitários, mas com motores flathead de origem Continental, enquanto por aqui nós tivemos em todos esses carros o BF161 de 90 cv e cabeçote em “F”, e suas variações de dupla carburação e depois de três litros e 130 cv, o motor do Itamarati e do Maverick 6.
O primeiro produto brasileiro foi a Rural modificada por Brooks Stevens e a equipe de Roberto de Araújo, pioneiro do design nacional. Embora usando a mesma célula central da carroceria da Rural anterior, ela era um grande avanço pelo menos estético em relação à sua antecessora. E alguma delas tiveram uma característica única à produção brasileira: a suspensão dianteira independente. Nenhuma outra Rural ou utilitário Willys teve independência entre as rodas da frente, tanto que até recentemente seu descendente direto, a Grand Cherokee e a Cherokee normal, têm eixo dianteiro rígido, embora aperfeiçoado principalmente pela Engenharia da Mercedes, a dona da Chrysler que sucedeu à AMC, detentora da fabricação dos Willys na América Do Norte desde os anos 60.
Dos jipes uma versão foi claramente nacional: a Ford que usava o motor 2,3-litros chamado de Taubaté, em homenagem ao local de sua produção. Obviamente esse motor só foi usado aqui, e também a caixa de câmbio de quatro marchas. Essa foi a época em que o Jeep Willys era o carro nacional mais barato.
O Aero foi outro exemplo. Reprojetado pela mesma equipe da Rural, O Aero-Willys Bermuda 1955 veio mais ou menos do mesmo jeito que era fabricado na América. Com exceção das lanternas traseiras, que incorporavam uma luz de ré, o carro era o mesmo fabricado em Toledo, Ohio.
Mas lá por 1962 o peso dos anos se fazia sentir num carro datado do fim dos anos 40. E a ideia foi redesenhar o carro todo, aumentando sua potência por meio de uma providência bem pouco americana: uma dupla carburação que implicava um novo cabeçote. Os carburadores ficavam diretamente no cabeçote, que incorporava o coletor de admissão e, assim , tinha que ser reprojetado. Apesar das dificuldades em mantê-la regulada, a dupla dava 20 cv a mais, vantagem decidida em um mercado frequentado por carros de 100 cv, como o Simca.
As últimas variações foram os Itamarati. Lançados em 1966 com o mesmo motor de 110 cv e 2,6 litros, os Itamarati foram equipados com o motor de três litros em 1967, mesmo ano em que foram os únicos carros nacionais a contar com ar-condicionado de fábrica, ainda que uma trapizonga digna de uma Cadillac 1954, ocupando quase a metade do porta-malas.
Outra variação muito rara foi a Limusine, um Itamarati alongado que foi o primeiro carro nacional desse tipo, e foi o primeiro a contar com telefone.
Como nota ao pé de página da história, a Ford tentou um Aero com o motor 272 do Galaxie, mas nenhum dos protótipos ficou inteiro. Em pouco tempo foram destruídos em infortúnios rodoviários. Mesmo 164 cv era demais para a arcaica suspensão dos Aero, piores que qualquer Chevrolet de 1950 mas fortes e resistentes aos caminhos agrestes do Brasil, fazendo o que se pode chamar de cadeira elétrica: um carro muito veloz e incontrolável. Imaginem um Aero com quase 170 cv e capaz de mais de 190 km/h de final...
Ford
Sua história de automóveis começa em 1967 com uma cópia fiel do Ford Galaxie americano de 1966. A carroceria foi unicamente sedã de quatro portas, mas foi sendo evoluída ao longo do tempo até 1983, quando parou sua produção. Usou primeiro o 272 de 4.500 cm³ e 164 cv, com freios a tambor sem hidrovácuo e estreitos pneus diagonais na medida 7.75-15.
Em 1969 chegou o LTD, já uma evolução brasileira com o motor 292, de 4.800 cm³ e 190 cv. Foi o primeiro carro nacional a oferecer transmissão automática, o bom C4 da Ford americana.
Porém o grande carro nacional da Ford foi o Corcel, projeto herdado da Willys. Resultado de sua parceria longa com a Renault francesa, era um derivado sul-americano do Renault 12, lançado mais ou menos na mesma época na França. Tinha motor inicialmente de 1.300 cm³ e 65 cv, com quatro marchas. Foi evoluindo e em 77 substituído pelo Corcel II, a versão brasileira do Renault 18, um carro maior que teve algum tempo depois o motor de 1.555 cm³ e 85 cv em várias versões, inclusive com caixa de cinco marchas. Os últimos Del Rey tiveram um detalhe diferente de todos os Renault: o motor AP 1800 da Volkswagen, coisa que não aconteceu em lugar nenhum do mundo.
General Motors
Estabelecida no país desde 1925, a GM foi muito cautelosa ou desconfiada de um mercado brasileiro. Como sua concorrente Ford, só acreditou que houvesse mercado para fabricar aqui caminhões e nada fez em relação a automóveis até o fim dos anos 60, quando chegou o Chevrolet Opala, que visitaremos mais adiante.
Mas mesmo os caminhões da GMB sempre foram da cozinha brasileira. Além de algumas unidades em 55 e 56 idênticas às americanas, todos os veículos da GMB a partir de 1957 tinham uma aparência brasileira. Equipados com o indestrutível 261 Stovebolt, o tradicional motor de seis cilindros em linha com 4.280 cm³ e 142 cv, os Chevrolet brasileiros tinham cabines e no caso dos utilitários, carrocerias exclusivas para o nosso mercado, os chamados Chevrolet Brasil.
Embora os utilitários mantivessem a suspensão por eixo rígido até 1963, em 1964 foi lançada a Veraneio com uma suspensão dianteira independente exclusiva para o Brasil, ainda que bem semelhante à americana, com triângulos superpostos e molas helicoidais até na traseira, num layout parecido com o do Chevrolet 1958 de passageiros. Esse chassi sobreviveu evoluído até às Silverado, que eram uma cabina americana com chassi brasileiro.
Desses motores e de uma suspensão de Corvette 1953 foi desenhado e fabricado pela Brasinca um carro esporte inesquecível: o 4200 GT que depois se chamou Uirapuru. Uma mistura de Corvette e Jaguar nacional, o Uirapuru marcou toda uma época e é um dos clássicos brasileiros de primeira linha.
As séries posteriores até os anos 80 também tiveram desenho exclusivo e usaram motores diesel e de Opala, bem como o 292 de seis cilindros. Com 4.800 cm³, era uma variação interessante do 250/4100 que equipou os caminhões a álcool.
Mas a cozinha brasileira foi mais bem representada pelo Opala de 1968. Mistura bem-sucedida de uma carroceria alemã de Opel Rekord A e mecânica de Chevy II, sempre foi distinto de seu irmão alemão, às vezes em desvantagem. Um exemplo claro foi o tempo que demorou para que fosse instalada um ventilação eficiente, com renovação de ar e um desembaçador decente, que só chegaram no meio dos anos 70. O Opala sempre teve suas atualizações feitas para o nosso mercado e sobreviveu durante mais de 20 anos por ser também um carro muito adequado ao ambiente em que vivia.
Simca
Principal concorrente da Willys na rua e na pista, a fábrica francesa que começou montando Fiat 1100 na França de 1951 herdou da Ford francesa um produto que deu dor de cabeça num país de gasolina cara: O Ford Vedette planejado nos Estados Unidos durante a guerra. Nessa época se acreditava que haveria um mercado para carros pequenos por lá, coisa que levou muita gente boa a dificuldades, como a Hudson e a Willys.
Do mesmo modo que a GM planejou um carro menor que deu origem aos Holden australianos, a Ford percebeu que o povo americano queria mesmo carros maiores e mais potentes e mandou seu projeto pra a filial francesa de Poissy, onde começou a ser fabricado em 1955.
Como nesse ano a presidência francesa foi ganha por Vincent Auriol, candidato da esquerda, Henry Ford teve um momento de paranóia e resolveu vender a fábrica a quem se oferecesse para compra-la, antes que acontecesse a encampação que lhe parecia inevitável. Por isso existem quase 1.600 carros com a marca Ford e a carroceria parecida com a Chambord, mas sem os rabos de peixe posteriores, uma tentativa de atualização estética. Mas o problema era o consumo de gasolina do V-8 herdado da Ford. Versão idêntica ao Ford V-8 60-cv dos anos 30, o Aquilon foi até trocado na França pelos quatro cilindros 1300 da própria Simca, mas sempre foi um enteado na linha. A solução foi mandar a tralha toda para os trópicos, onde se imaginava ser possível vender qualquer coisa em um país esfomeado de transporte, mas pobre de divisas para comprar.
Daí a coisa foi evoluindo para os modelos de 1965, os Tufão com a capota diferente do original, e em 1966 para os Emisul. Tinham um cabeçote de câmaras hemisféricas derivado da invenção de Zora Arkus-Duntov, o pai da Corvette que projetou esses cabeçotes para aumentar a potência dos antigos Ford flathead, ou cabeça chata, de válvulas laterais. Com válvulas no cabeçote, esse motor rendia 140 cv e só foi fabricado no Brasil, o tornando um sonho de consumo para os colecionadores franceses da marca.
Em 1967 foi apresentado o Simca Esplanada, que tinha uma carroceria cuja célula central era a mesma, mas com clipes dianteiros e traseiros diferentes. Esse projeto foi aproveitado pela Chrysler, que comprou a Simca inteira no Brasil e na França em fins de 1967, e dele derivou a melhor versão: o GTX de quatro marchas, produzido até 1969, quando foi lançado o Dodge Dart brasileiro.
A Chrysler teve versões brasileiras levemente modificadas, cujas características não a enquadram aqui, mesmo contando com os Le Baron de clipes em fibra nas extremidades.
Alfa Romeo e Fiat
A Alfa se estabeleceu aqui em 1960 por meio de uma licença de fabricação para a Fábrica Nacional de Motores, que se dedicava durante a 2ª Guerra a fabricar motores Pratt&Whitney de aviação. Nesse ano foi lançado o FNM 2000 JK, em homenagem ao presidente que estabeleceu a indústria automobilística brasileira.
O JK foi o primeiro carro brasileiro a dispor de dois comandos de válvulas e caixa da câmbio com cinco marchas, o que lhe deu múltiplas vitórias nas pistas. Dele foi derivado, em 1969, o Alfa Romeo 2150, um carro de luxo com nítido pendor esportivo, que em 1970 teve freios a disco e só foi fabricado aqui, além de projetado na Alfa Romeo, já brasileira, por Elio Dumovich, na frente onde o coração esportivo foi feito mais baixo e aerodinâmico.
Baseada em seu monobloco e mecânica foi fabricada uma versão esportiva, o Onça, que ecoava as linhas do Mustang americano, e em 1974 a Alfa Romeo 2300. Calcada nas linhas do Alfetta dessa época, o 2300 foi exclusivo do Brasil, embora fosse muito parecida com o Alfa Sei, o primeiro carro da marca a usar o V-6 que é produzido até hoje, cantando para os ouvidos aficionados.
A Fiat desde o começo fabricou um carro especial para o Brasil, o Fiat 147. Derivada do Fiat 127, o último trabalho do glorioso projetista Dante Giacosa, autor do 500 Topolino, o 147 era levemente diferente do 127, mais fortemente na estrutura bem reforçada para aguentar os caminhos do Brasil. Estes reforços levaram a Fiat a exportar uma versão para a Itália, que lá foi chamada de Rustica. Do 147 derivou toda uma família de automóveis planejados aqui, como a camioneta Panorama, o sedã Oggi e vários tipos de picapes e utilitários Fiorino.
Vemag
Iniciada como uma fábrica de implementos agrícolas, que depois importou Studebaker, a Veículos e Maquinas Agrícolas S.A. obteve uma licença de fabricação em 1955 e teve seu projeto aprovado pelo Geia, lançando em 1956 o DKW Sonderklasse, o primeiro carro verdadeiramente nacional.
Dele foram sendo fabricadas várias versões, das quais merece citação o Fissore, um sedã de duas portas projetado pelo famoso carrozziere italiano, e que só foi fabricado no Brasil. Além dos modelos 1967, bastante modificados em sua face e com freios a disco, o valente motorzinho de 981 cm³ e dois tempos moveu também um dos grandes clássicos brasileiros, o GT Malzoni e depois o Puma GT, um dos primeiros esportivos de verdade a ser fabricado no Brasil.
A biografia do Mahar pode ser lida aqui: O MESTRE MAHAR
Excelente "resumão" dos primórdios da indústria automobilística nacional. O texto traz detalhes interessantíssimos dos principais fabricantes que se estabeleceram em terras tupiniquins.
ResponderExcluirNão sabia que houve protótipos dos Aero-Willys com motor V8. Dá mesmo para imaginar a temeridade que eram... Também foi novidade para mim a informação de que os motores V8 Emisul dos Simca foram exclusivos do Brasil.
Uma pena que a VW não tenha ousado mais na preparação do motor para o SP2. Poderiam ter mantido o mesmo boxer "a ar", mas com uso de um kit 1,8-litro, comando mais bravo e dupla carburação menos sovina... Nos anos 70 era comum adaptarem os Solex 40 dos Opala 4 cilindros nesses motores, conseguindo resultados interessantes a custo baixo.
que aula, senhoras e senhores, que aula do mestre Mahar...
ResponderExcluirDe fato, uma aula... da "Enciclopédia Mahar".
ResponderExcluirÉ preciso um toque de gênio para traçar um competente panorama do início de nossa indústria automobilística, em "somente" um breve texto.
Parabéns, Mahar!
Sds,
Der Wolff
Mahar, ótima missiva resumida da caminhada feita pela industria automotiva brasileira,abraços do Maluhy!
ResponderExcluirCaramba !!! um belo descritivo dos primórios. Muito bom.
ResponderExcluirE pensar que esse cara quase comprou a minha caravan!
ResponderExcluirMahar, um abração.
Talles Wang
Adorei o post. Uma viagem ao início da indústria automotiva no Brasil. Eu nem imaginava que existia um motor GM 292.
ResponderExcluirM,
ResponderExcluirdelícia de texto. Curto muito os modelos que só foram feitos em determinados mercados. Escort com motor CHT Renaut, provavelmente só aqui.
Eu não sabia que o Corcel II era um derivado o Renault 18, eu pensava que era apenas uma extensa remodelação do Corcel I.
ResponderExcluirMahar,
ResponderExcluirMuito bom o resumo, legal pacas. Agora que vc aprendeu o caminho, faça o favor de aparecer mais por aqui, falou?
Mestre Mahar,
ResponderExcluirmais uma vez os meus parabéns pelo magnífico texto traçando um histórico preciso e conciso sobre a nossa indústria automobilística...
Tomei a liberdade de copiá-lo na íntegra (e dar os devidos créditos, tanto a ti,quanto ao blog) e envia-lo a alguns grandes amigos que sequer sabem do assunto, é certo que eles aprenderam um pouco agora !!!
Grande abraço desse amigo Chevroleteiro e AutoEntusiasta de coração,
Mário César Buzian
Faltou falar da Chrysler. Um pequeno comentario ao final dos Simcas não foi suficiente.
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