google.com, pub-3521758178363208, DIRECT, f08c47fec0942fa0 MILLE MIGLIA 1955 - AUTOentusiastas Classic (2008-2014)

MILLE MIGLIA 1955




Stirling Moss foi 4 vezes vice-campeão de Fórmula 1, de 1955 a 1958, mas é considerado um dos melhores pilotos de todos os tempos, capaz de vitórias onde ninguém acreditava que seria possível. Pode-se dizer que ele nunca foi campeão porque havia na mesma época Juan Manuel Fangio, ambos rivais ferrenhos que cultuavam um respeito incrível entre si.

Me lembro muito bem de Moss se referindo ao argentino como um grande amigo e o maior dos cavalheiros das pistas e fora delas, após a morte deste.

Stirling completou 80 anos em 2009, e participou mais uma vez dos eventos de Goodwood, onde sempre dá uma demonstração de condução. A Mille Miglia de 1955 foi sua vitória mais famosa fora da Fórmula 1, em muito devida a Denis Jenkinson (1921-1997), jornalista, piloto e escritor.

Com uma sólida base de habilidade, somada à inteligência da dupla, venceram de forma magistral, e detêm até hoje o recorde nessa prova, que foi realizada 24 vezes, entre 1927 e 1957. Hoje em dia o evento ainda ocorre, mas se destina apenas a carros antigos e não é mais um prova de velocidade, sendo mais um passeio e exposição móvel da história automobilística disfarçado de rali de regularidade.

Mas em 1955 era diferente, com carros protótipos participando, e as fábricas competindo para valer com seus modelos mais novos. O 300 SLR foi preparado para vencer, e ambos treinaram muito antes da prova. São 1.597 km, largando e chegando em Brescia.

Jenkinson criou para essa prova um livro de bordo, com detalhes do trajeto anotados de forma a serem lidos de forma rápida e sem enganos. Esse é o primeiro uso de um recurso desse tipo, e se hoje muitos competem em provas de rali com os road books, notas de andamento ou pacenotes, devem essa invenção ao jornalista inglês pertencente à estirpe dos mestres das palavras, eclético competidor com veículos, e que chegou a um título mundial como co-piloto de side-car, com Eric Oliver, naquele estranho tipo de moto onde o passageiro anda ao lado do piloto, próximo ao asfalto, fazendo o papel de modificador de CG (centro de gravidade) humano.

Jenkinson não era de brincadeira. Tratou a Mille Miglia como algo científico. Havia competido nela um ano antes apenas, e percebeu que era necessário mais do que habilidade do piloto do carro para vencer.
Conversando com o piloto americano John Fitch, concluíram que para suplantar os italianos em casa, a ciência deveria ser empregada.

Como Fitch estava negociando com a Mercedes para a prova de 1955, firmaram um acordo de Jenks ser seu co-piloto, algo que não ocorreu, pois Fitch assinou para correr Le Mans pela Mercedes.

Poucos dias depois, Denis foi convidado por Moss, e rapidamente colocaram no papel o que, nas 3 provas deste em Jaguar e mais a do outro, em um HWM, haviam gravado mentalmente do caminho.

Partiram para um plano de reconhecimento do trajeto que resultou em 6 vezes o trajeto da prova, já que as estradas eram normais e abertas, e julgaram como finalizado o livro de bordo. Criaram uma linguagem de sinais para se comunicar, pois o SLR não tinha capota, ambos usavam capacetes, e não existia sistema de comunicação via rádio confiável à época.

Anotaram primeiramente os locais onde seria mais fácil danificar o carro, como ondulações fortes, degraus, linhas de trem. Depois, graduaram as curvas em 3 níveis de dificuldade, criando um sinal de mão para cada uma. E seguida foram as superfícies mais lisas, com outro sinal. As estradas italianas tinham os marcos quilométricos feitos em pedra, com a inscrição em preto, e isso facilitou o trabalho. Marcaram também as longas retas, com e sem visibilidade plena, onde se poderia acelerar ao máximo.

Após verificações para eliminar erros, tudo foi re-verificado nas duas voltas finais do reconhecimento, detalhando pontos de visibilidade ótima, que serviriam de referência a Jenkinson mesmo em chuva ou com Sol de frente.

O livro de bordo ficou finalizado com 17 páginas. Para o trabalho, utilizaram um carro igual ao que correriam, o SLR, um 300 SL normal e um sedan 220 de propriedade de Moss, sendo que o SLR sofreu um acidente nesse reconhecimento, que, segundo Jenks, foi em muitos trechos feito a velocidades "positivamente indecentes e que não podem ser publicadas".

Para se ter uma idéia melhor da personalidade de Denis Jenkinson, ele testou um Lotus de Fórmula 2 no dia de Natal de 1958, nas estradas próximas de Hampshire, onde morava. Um ato ilegal, mas perfeitamente lógico para ele, pois o tráfego era quase nulo, e não havia policiamento para atrapalhar seu trabalho para a revista Motor Sport.

As 17 páginas foram transcritas para uma folha única de 18 pés, quase 5,5 metros de comprimento, montada em um sistema de carretilha, que permitia desenrolar e enrolar sem a preocupação de virar folhas no vento do carro aberto.

Assim, Moss pode ser informado de tudo que estava por vir à frente, e se preocupava em percorrer na maior velocidade possível, confiante das informações que vinham de Jenkinson.

A equipe tinha 4 carros, pilotados por Moss, Fangio, Karl Kling e Hans Herrmann. Alfred Neubauer era o chefe de equipe.

Nas imediações de Verona, onde estão as maiores retas de todo o percurso, atingiram as 7.500 rpm de potência máxima na última das 5 marchas, a cerca de 274 km/h, as 170 mph declaradas pela fábrica como o limite do carro, que lembremos, tinha apenas 290 bhp (294 cv), potência baixa para os dias de hoje, extraídos do motor de apenas 3 litros.

Imaginem os italianos, donos da casa e acostumados com os locais percorridos, serem suplantados por dois ingleses em um carro alemão!

Por oito anos seguidos os italianos haviam vencido, e mesmo com todo o trabalho de reconhecimento da dupla, poucos achavam que seria possível superar a vantagem dos italianos. Afinal, havia um grande número de pilotos de ponta com Ferraris de até 4,4 litros, e nas 21 edições anteriores, os italianos haviam vencido 19 vezes, sempre com carros da casa, na maioria, Alfa Romeo.

O número do carro mostra o horário de largada, o 722 sendo 7 horas e 22 minutos da manhã. O tempo total de Moss-Jenkinson foi de 10 horas 7 minutos e 48 segundos, 6 minutos à frente do segundo colocado, Fangio, que correu sozinho, sem seu co-piloto que havia falecido há pouco tempo em outra prova. Fangio tinha o carro número 658, tendo largado 24 minutos antes de Moss e Jenkinson. A velocidade média foi de 157,65 km/h.

Jenkinson, Neubauer e Moss exultantes com a vitória
No livro "Jenks: A Passion for Motor Sports", publicado postumamente, há um texto escrito pelo próprio Jenkinson, intitulado "With Moss in the Mille Miglia", detalhando toda a preparação e a corrida. Uma das passagens descreve quando atravessavam uma pequena cidade, a cerca de 150 mph (240 km/h), e uma curva sem visibilidade da saída foi feita com perfeição, sem erros, confiando totalmente nas anotações que fizeram história no esporte motorizado.
JJ

20 comentários :

  1. JJ, excelente post,belo documento histórico, tenho vários vídeos de Goodwood e em um dele aparece a dupla na 300SLR,o Jenks já bem velhinho, deve ter sido pouco antes de morrer ,certas situações ficarão marcadas e faladas eternamente.....mas temos novidades pelas terras brasilis, é uma tal réplica da SLR, a turma ficou doida qdo ventilei isso.Mahar foi um deles.....
    http://colunistas.ig.com.br/flaviogomes/page/6/

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  2. Arnaldo Keller30/01/2010, 19:14

    Que post saboroso!
    Essa corrida foi demais. Média de 157 km/h é muita coisa, mesmo.
    Entrevistei o Moss há ano e meio para a Car and Driver e ele disse que os aviões que filmavam o rali, nas retas não acompanhavam o carro dele. Doidaços.
    Agora, tem uma coisa aí: como vc disse, o Fangio ficou só 6 minutos atrás, numa prova de mais de 10 horas, e sem co-piloto nem nada, o que considero um feito ainda mais notável que o dos vitoriosos.
    O Fangio era o Fangio, assim como o Pelé é o Pelé. Insuperáveis.
    MAO, manda mais dessas histórias!

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  3. Costumo traçar um paralelo entre as carreiras de Stirling Moss e do Rubens Barrichello.
    Moss foi contemporâneo e colega de equipe do maior piloto de sua época, Juan Manuel Fangio. Exatamente como Rubens, contemporâneo e colega de Michael Schumacher na Ferrari.
    O fato de Moss e Barrichello nunca terem sido campeões em nada lhes empana o brilho, e ninguém medianamente interessado em automobilismo desportivo ousaria colocar em dúvida seus talentos ao volante.
    Não fosse a coincidência, talvez as histórias de Stirling e Rubens pudessem ser bem diferentes…

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  4. Opa, finalmente alguém fala bem do Barrichello!
    Dou muito valor a ele. Pode não ser o piloto número 1, mas só pelo fato de ter chegado na Formula 1 e se mantido por tanto tempo já tem muito mérito.
    Eu tenho uma teoria da conspiração que diz que o Barrichello poderia ser muito melhor do que é, mas depois do grave acidente que sofreu (aquele onde até o Ayrton Senna foi visitá-lo no hospital), preferiu ser um piloto mais conservador. Pode não ter uma pilotagem muito arrojada, mas está pilotando por muito tempo (pra quem pilota, quanto mais tempo pilotando o carro, melhor!!!)

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  5. Arnaldo Keller31/01/2010, 08:25

    ôps! Achei que o post era do MAO e depois, comendo uma pizza com o Juvenal Jorge é que fiquei sabendo que o post é dele. Nessas ele me disse que o Fangio chegou 6 minutos depois do Moss, OK, mas havia largado 24 minutos antes. Portanto, o Fangio, segundo o JJ, levou meia hora mais tempo de percurso. Aí muda de figura.
    Esclareça isso direito aí, JJ.
    Outra coisa: Antes do Fangio ir correr na Europa ele teve um acidente num rali maluco de carretera, onde partiram de Buenos Aires, foram até pelo menos o Perú e voltaram, coisa de uns 9 mil km, cruzando os Andes e tudo. Nesse acidente seu mecânico e grande amigo morreu. Dali pra frente nunca mais o Fangio correu com alguém ao lado. Daí que acho que é por isso que ele correu a Mille Miglia sem co-piloto.
    E aí, JJ! Agora que você já está estufado de pizza esclareça-nos, please.

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  6. JJ,

    Sensacional post.

    Só acrescento uma coisa: Correu uma lenda entre o povo italiano que Moss só ganhou porque levou um padre barbudo com ele, que ficou lendo a bíblia o caminho todo para ele!

    MAO

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  7. A Motorsport publicou há um par de anos o relato original do Jenks.
    Eles levavam frutas, mas o Moss só comia banana, pois tinha nojo das mão do Jenks sujas de graxa. Recusou um gomo de laranja e só comeu banana. O Jenks era famoso por não ser fanático de asseio, vivia em um chalé sem eletricidade e água corrente no interior da Inglaterra.
    Na mesma revista há um relato atual do Moss onde ele cita que tomou umas pílulas que o Fangio lhe deu. Era uma formula de um médico "arrentino". O Moss correu a MM, foi para a Alemanha, fez o que tinha que fazer e foi para Inglaterra de carro. Só dormiu na Holanda, acho que em Ostende.
    Para quem quiser ler o relato hospedei as páginas escaneadas no meu blog: http://rzullino.blogspot.com/

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  8. Muito bom, esse post do JJ sobre Moss e Jenks - e absolutamente genial a "lenda" sobre o padre barbudo no banco do passageiro!

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  9. Zamariolli,
    seu raciocínio é perfeito. Campeões dependem de habilidade própria e dos concorrentes não serem melhores do que eles. Concordo com você.

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  10. Maluhy,
    vou olhar essa estória da réplica.

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  11. Zullino,
    essas pílulas, pelo que apurei, eram anfetaminas, substâncias não proibidas naquela época.

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  12. Bussoranga,
    eu chamo essas conspirações de "prioridades econômicas".

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  13. MAO,
    é verdade. Os italianos confundiram Jenkinson com um padre lendo a Bíblia, pois nunca haviam visto um co-piloto olhando para dentro do carro na maior parte do tempo.

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  14. Arnaldo,
    você explicou no seu segundo comentário. É isso mesmo, Fangio largou 24 minutos antes, e chegou 6 minutos depois, diferença de 30 minutos. Isso dá uma idéia da habilidade do argentino, sozinho, apenas 30 minutos depois de uma dupla que havia percorrido 6 vezes o trajeto da prova e tinha todos os detalhes anotados. Isso em uma prova de mais de 10 horas de lenha pura. Fangio é algo sem paralelos.

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  15. Exatamente, anfetaminas estiveram em moda nos anos 40 e 50, foram largamente usadas na segunda guerra por ambos os lados. No entanto, nunca devem ter saido de moda haja visto o nivel de rebitagem ainda hoje praticado por caminhoneiros.
    A discussão das melhores marcar era comum nos fundos dos boxes de Interlagos na época heróica das Mil Milhas, 25 horas, 1600 km.
    O Jenks não tomou.

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  16. A melhor MM do Fangio não foi essa. Ele chegou em segundo em 1952 (?) com uma Alfa Romeo com apenas uma roda esterçando.
    A caixa de direção foi quebrando o suporte e ficou frouxa, o carro só esterçava uma roda. Ele percebeu e na hora que parou para reabastecimento olhou e fechou logo o capo para os mecânicos não perceberem.
    O "arrentino" ganhou um monte de corridas com carreteras, uma delas de 10 mil km, Baires, Lima, Baires. MM para ele era fácil.

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  17. Muito legal o post e também os comentários, pois foram dados vários detalhes desses verdadeiros heróis que corriam naquela época. 157 km/h de média, numa corrida de rua, em 1955, não era para qualquer um... Muito menos correr sem co-piloto por mais de 10 horas seguidas!

    Também sempre considerei o Rubens Barrichello um bom piloto. Ele é o tipo de piloto que, quando sua habilidade é colocada em dúvida, faz umas duas ou três corridas seguidas de forma completamente diferente, pilotando de maneira muito mais arrojada que o normal. Sem contar que é um excelente ajustador de carros.

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  18. Arnaldo Keller01/02/2010, 10:34

    Alguém aí já viu o Barrichello fazndo besteira? Saindo da pista, batendo à toa em outro, etc?
    Alguém aí já o viu sendo ultrapassado por qualquer outro, tendo um carro parelho?
    E quando chove? aguaceiro, quem é que largou em 18o e ganhou?
    Do Senna pra cá ele sempre se manteve nosso melhor piloto.

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  19. Esse post me lembrou a história da primeira vez de um buggy Meyers Manx no Baja 1000 americano, é uma história e tanto, vocês poderiam pensar em publicá-la!
    Sei que a praia aqui não é muito o fora-de-estrada, mas fica a sugestão!

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  20. JJ, ano passado pude ver ao vivo Sir Moss correndo com um Lola no circuito de Laguna Seca, com seus oitenta anos. É de arrepiar, e ele não deu mole pra ninguém, colocando o carro de lado e tudo que tinha direito.
    abs,

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