Entre os vários carros de competição na garagem do antigo piloto Parnelli Jones, aqui em Torrance, Califórnia, há um que realmente chama a minha atenção. É o Lotus 34, mais conhecido como “Lotus-Ford”, que Jim Clark pilotou na 500 Milhas de Indianápolis de 1964.
Os essenciais são simples. O carro é British Racing Green com listas e grafismos amarelos e o interior estofado em vermelho. Uma combinação de cores relativamente sóbria e completamente desunida que só poderia ser... britânica! O chassi é monocoque de alumínio, baseado no Lotus 29 que correu na Indy de 1963, que em sua fez foi derivado do Lotus 25 que venceu o campeonato da F-1 naquele ano.
O motor central é um Ford V-8 de 4,2 L, mas em vez de ser de ferro fundido e baseado num motor de produção como o Lotus-Ford de 1963, esse é um DOHC totalmente de alumínio e feito exclusivamente para competição. Os quatro comandos de válvulas são acionados por um total de 14 engrenagens de dentes retos (em vez de pinhões e correntes), num arranjo complicado que mais parece o mecanismo de um relógio.
A potência máxima com gasolina é de 425 cv a 8.000 rotações por minuto, aumentando para 475 cv a 8.250 rpm com metanol. Para consumir menos combustível, o carro andou na Indy com gasolina, nesse caso introduzida no motor por um sistema de injeção Hilborn. Os injetores estão no “V” entre as válvulas. O escapamento é no “V” entre os cilindros, parecendo um emaranhado de cobras. O câmbio é ZF, de duas marchas (para arrancar e daí só para manter velocidade).
Peso? Dependendo do seu ponto de vista, ou bem pesado ou bastante leve. O peso seco de um Lotus 25 de Fórmula 1 é de 450 kg. O peso seco do Lotus 34 é na base de 550 kg. Se o diminuto Jim Clark pesava uns 75 kg, os vários fluidos no motor e câmbio uns 30 kg, e um tanque cheio de 200 litros de gasolina ainda uns 150 kg mais, o carro pronto para correr na Indy pesava 805 kg. Leve em comparação com um monoposto, da época, de 950 kg, mas pesado em relação ao Lotus 25.
Sem entrar em grandes detalhes, esse é o carro de deveria ter ganhado a Indy de 1964 com toda facilidade, mas que sabidamente acabou quebrando a suspensão na volta 44 e saindo da competição. A falha foi resultado de peso relativamente alto combinado com temperaturas altas, e o efeito que esses tiveram nos pneus.
Ah, os pneus. O patrocinador do Lotus-Ford, a Ford Motor Company, naturalmente queria pneus Firestone. A Firestone tinha ganho quase todos as Indy 500 desde 1911, e havia ligações fortes (uns casados com outros) entre as famílias Ford e Firestone. Os pneus Firestone de competição eram fortes e resistentes, essencialmente feitos para os monopostos mais pesados que constituía a maioria dos competidores.
Mais do que tudo, o Colin Chapman, dono da Lotus, queria ganhar. E para ganhar, ele achou uns pneus ingleses fornecidos pela Dunlop, que eram mais macios, de maior aderência, mais leves e mais rápidos que os Firestone. Os Dunlop eram baseados em pneus feitos para uso em Fórmula 1, e em carros mais leves que o Lotus 34. Com sua preocupação constante de peso e velocidade, Chapman decidiu correr com os Dunlop.
Big mistake! Logo no início da Indy de 1964, os Dunlop começaram a esquentar e largar pedaços de borracha no asfalto. Isso criou um grande desbalanceamento das rodas, o que acabou quebrando a suspensão traseira. E ai o DNF, did not finish, não terminou a prova.
Após a corrida, os executivos da Ford ficaram furiosos. A corrida era deles, era para ganhar, e eles tinham feito um grande investimento na vitória. Não só em dinheiro, mas em orgulho (abaixo, Benson Ford, vice-presidente da Ford, Jim Clark e Lee Iacocca, presidente da divisão Ford, na apresentação do motor).
Em reação, eles ficaram com os três Lotus 34 (do Clark, do Gurney e um de reserva) feitos pela Lotus, mandaram Chapman de volta à Inglaterra e deram os carros a A.J. Foyt, Walt Hansgen e Parnelli Jones. O carro do Clark, chassi número 3 (ou talvez número 1; ninguém lembra com certeza), acabou com Jones.
Esse mesmo carro, repintado em champanha e branco, e com Jones dirigindo, chegou em segundo na Indy de 1965 (vencida por Clark). E daí competiu numas outras corridas menores na época, ganhando três antes de ser encostado.
O Jones ficou com o carro e uns anos atrás decidiu restaurá-lo do mesmo jeito que correu com Clark na Indy de 1964. Até com os pneus Dunlop! E é assim que pode ser visto hoje na garagem do Parnelli. Um tributo a uma época na Indy em que a corrida e os seus carros tinham significado
e geravam interesse mundial. Tão diferente de hoje!
Para conhecer mais, o livro “Team Lotus, the Indianapolis Years”, por Andrew Ferguson, é o melhor que conheço. Fotos insuperáveis! Foi publicado na Inglaterra em 1996.
RP
Os essenciais são simples. O carro é British Racing Green com listas e grafismos amarelos e o interior estofado em vermelho. Uma combinação de cores relativamente sóbria e completamente desunida que só poderia ser... britânica! O chassi é monocoque de alumínio, baseado no Lotus 29 que correu na Indy de 1963, que em sua fez foi derivado do Lotus 25 que venceu o campeonato da F-1 naquele ano.
O motor central é um Ford V-8 de 4,2 L, mas em vez de ser de ferro fundido e baseado num motor de produção como o Lotus-Ford de 1963, esse é um DOHC totalmente de alumínio e feito exclusivamente para competição. Os quatro comandos de válvulas são acionados por um total de 14 engrenagens de dentes retos (em vez de pinhões e correntes), num arranjo complicado que mais parece o mecanismo de um relógio.
A potência máxima com gasolina é de 425 cv a 8.000 rotações por minuto, aumentando para 475 cv a 8.250 rpm com metanol. Para consumir menos combustível, o carro andou na Indy com gasolina, nesse caso introduzida no motor por um sistema de injeção Hilborn. Os injetores estão no “V” entre as válvulas. O escapamento é no “V” entre os cilindros, parecendo um emaranhado de cobras. O câmbio é ZF, de duas marchas (para arrancar e daí só para manter velocidade).
Peso? Dependendo do seu ponto de vista, ou bem pesado ou bastante leve. O peso seco de um Lotus 25 de Fórmula 1 é de 450 kg. O peso seco do Lotus 34 é na base de 550 kg. Se o diminuto Jim Clark pesava uns 75 kg, os vários fluidos no motor e câmbio uns 30 kg, e um tanque cheio de 200 litros de gasolina ainda uns 150 kg mais, o carro pronto para correr na Indy pesava 805 kg. Leve em comparação com um monoposto, da época, de 950 kg, mas pesado em relação ao Lotus 25.
Sem entrar em grandes detalhes, esse é o carro de deveria ter ganhado a Indy de 1964 com toda facilidade, mas que sabidamente acabou quebrando a suspensão na volta 44 e saindo da competição. A falha foi resultado de peso relativamente alto combinado com temperaturas altas, e o efeito que esses tiveram nos pneus.
Ah, os pneus. O patrocinador do Lotus-Ford, a Ford Motor Company, naturalmente queria pneus Firestone. A Firestone tinha ganho quase todos as Indy 500 desde 1911, e havia ligações fortes (uns casados com outros) entre as famílias Ford e Firestone. Os pneus Firestone de competição eram fortes e resistentes, essencialmente feitos para os monopostos mais pesados que constituía a maioria dos competidores.
Mais do que tudo, o Colin Chapman, dono da Lotus, queria ganhar. E para ganhar, ele achou uns pneus ingleses fornecidos pela Dunlop, que eram mais macios, de maior aderência, mais leves e mais rápidos que os Firestone. Os Dunlop eram baseados em pneus feitos para uso em Fórmula 1, e em carros mais leves que o Lotus 34. Com sua preocupação constante de peso e velocidade, Chapman decidiu correr com os Dunlop.
Big mistake! Logo no início da Indy de 1964, os Dunlop começaram a esquentar e largar pedaços de borracha no asfalto. Isso criou um grande desbalanceamento das rodas, o que acabou quebrando a suspensão traseira. E ai o DNF, did not finish, não terminou a prova.
Após a corrida, os executivos da Ford ficaram furiosos. A corrida era deles, era para ganhar, e eles tinham feito um grande investimento na vitória. Não só em dinheiro, mas em orgulho (abaixo, Benson Ford, vice-presidente da Ford, Jim Clark e Lee Iacocca, presidente da divisão Ford, na apresentação do motor).
Em reação, eles ficaram com os três Lotus 34 (do Clark, do Gurney e um de reserva) feitos pela Lotus, mandaram Chapman de volta à Inglaterra e deram os carros a A.J. Foyt, Walt Hansgen e Parnelli Jones. O carro do Clark, chassi número 3 (ou talvez número 1; ninguém lembra com certeza), acabou com Jones.
Esse mesmo carro, repintado em champanha e branco, e com Jones dirigindo, chegou em segundo na Indy de 1965 (vencida por Clark). E daí competiu numas outras corridas menores na época, ganhando três antes de ser encostado.
O Jones ficou com o carro e uns anos atrás decidiu restaurá-lo do mesmo jeito que correu com Clark na Indy de 1964. Até com os pneus Dunlop! E é assim que pode ser visto hoje na garagem do Parnelli. Um tributo a uma época na Indy em que a corrida e os seus carros tinham significado
e geravam interesse mundial. Tão diferente de hoje!
Para conhecer mais, o livro “Team Lotus, the Indianapolis Years”, por Andrew Ferguson, é o melhor que conheço. Fotos insuperáveis! Foi publicado na Inglaterra em 1996.
RP
Grande carro, grande piloto e grande post. E, para não fugir do padrão, post de estréia em grande estilo!
ResponderExcluirBelo post, Sr. Bob. Esse era mesmo o espírito competitivo do Chapman, pena que os pneus Dunlop deixaram a desejar.
ResponderExcluirNeste final de semana está acontecendo o Festival de GoodWood, tinha a McLaren F1 MP4/4 do Senna, em demonstração. Mas só o Bruno Senna conseguiu andar nela, o Hamilton andaria hoje, se não tivesse tido problema no câmbio.
http://www.goodwood.co.uk/site/content/festivalofspeed/Default.aspx
Abraço.
Bob e Rex,
ResponderExcluirSensacional este texto. Retrata bem uma época na qual a engenharia de motores da Ford produziu exageros sensacionais como este motor aqui descrito. Na mesma safra vieram outros vários, alguns ainda baseados em motores normais de produção e outros não. Coincidentemente e não gratuitamente tiveram tantos sucessos nas mais variadas arenas automotivas nas quais se inseriram. Muito bom texto, muito legal lembrar coisas bacanas. Parabéns!
Rex, post muito interessante e preciso, parabéns!
ResponderExcluirNaqueles tempos o sujeito tinha que ter grandes bolas pra correr nos fórmulas de alto desempenho.
ResponderExcluirRex,
ResponderExcluirseja mesmo muito bem-vindo. Tenho certeza que você nos iluminará com sua experiência.
Competições estão no topo das minhas preferências automotivas, e quando uma boa dose de assuntos técnicos complementa a competição, aí eu me realizo.
Trem de engrenagens para acionar o comando de válvulas é algo maravilhoso. Finesse mecânica e confiabilidade. Um show !
Hoje de manhã acordei e lembrei que sonhei com esse motor e texto.
ResponderExcluirEu havia lido ele ontem a noite.
Coisa linda de tudo, fiquei muito curioso pra escutar o som dele com as suas 14 engrenagens de dentes retos.
Parabéns Bob
Parabéns, RP!!
ResponderExcluirVocê foi de cara ao que há de melhor, mais fino, mais entusiasmante. E nos descrweveu com maestria.
Seja benvindo!
Grechejr,
ResponderExcluirSabe que pensei a mesma coisa, como seria o ruído dessas engrenagens?
Bob,
ResponderExcluirCertamente altissimo, possivel de ser ouvido apesar do escape direto. É muito comum em motores de arrancada que trabalhem em rotações altas se substituir a crrente de distribuição por engrenagens. Há vários modelos disponiveis para os V8 populares e para muitos deles duas opções, uma que chamam de quiet, que tem alguma inclinação nos dentes, ou seja, as engrenagens são helicoidais, e os chamados de noisy, barulhentos, com corte reto, como os desse motor citado no post. O barulho é irreal e absurdo. Se ouve tão alto e claro quanto como se o motor tivesse um superalimentador do tipo roots.