Qual o segredo dos automóveis que marcaram para sempre a sua existência, se tornando ícones na mente dos consumidores? A resposta a esta pergunta é muito mais difícil do que parece e na realidade é o que todas as fabricantes perseguem na ocasião de um novo projeto.
O grande desafio é a regra dos "3B", ou seja, fazê-lo bom, bonito e barato, aplicável a qualquer categoria de veiculo.
Vamos juntos compartilhar, post por post, os meandros do desenvolvimento veicular.
Meu primeiro post é introdutório e de caráter geral, para brevemente ilustrar o processo de desenvolvimento de um novo veiculo.
Como falei anteriormente, o desenvolvimento de um novo veículo segue a regra básica "3B":
Um carro bonito é fundamental para ter sucesso, porem é necessário muito mais para ser um ícone... tem que ser uma obra-prima!
Faço uma analogia com um quadro de um mestre das pinturas. São todos bons, porém poucos se tornam ícones como a Monalisa, de Leonardo da Vinci. O desafio dos designers é colocar a sua própria alma no desenho e conseguir unanimidade eterna na aprovação do consumidor.
Além da beleza, o veículo tem que ser aerodinâmico para reduzir ao máximo a sua a resistência ao ar, objetivando seu desempenho, diminuição do consumo de combustível e também a redução do ruído de vento (turbulências, assovios etc), para maior conforto dos ocupantes.
Veja a dificuldade dos designers, pois nem sempre a melhor aerodinâmica se casa com a beleza das linhas.
Além de ser bonito, o seu preço de venda é fundamental. Para as fabricantes o lucro é obviamente quanto maior melhor e por isso o desafio dos engenheiros de projetar veículos bons e de baixo custo. Isto requer não somente a parte técnica desenvolvida, mas também o poder de negociação dos custos com os fornecedores dos componentes. Além disso, internamente os processos de manufatura devem otimizados e eficientes para reduzir a um mínimo os gastos com ferramental, dispositivos, equipamentos de controle etc.
A regra é fazer certo na primeira vez, pois um erro no projeto e/ou no processo produtivo pode gerar um preço muito alto para a companhia, recalls internos e pior, externos também, com conseqüências desastrosas.
Após esta explanação inicial, vou focar especificamente a parte técnica do desenvolvimento veicular, pois não basta ser somente bonito e barato, tem que ser funcional e, mais do que isso, ser durável e manter as diferenças marcantes que identifiquem a marca (brand image).
Como o consumidor avalia inconscientemente o seu veículo? Através dos seus sensores naturais.
A interação do motorista com o veículo se dá através do volante de direção, do banco, dos pedais, do assoalho, olhos e ouvidos, daí a importância dos controles funcionais passarem confiança e operacionalidade ao consumidor.
Na realidade, os vários atributos funcionais, 17 ao todo, listados abaixo, são avaliados simultânea e inconscientemente pelo consumidor:
Agradar o consumidor é uma tarefa complicada, pois a maioria é leiga tecnicamente e totalmente emocional em suas reações e comentários que poderiam ajudar na adequação de um projeto (feedback de campo através das revendas e meios de comunicação em geral, internet, telefone etc.).
Freqüentemente as pesquisas de qualidade feitas com os consumidores por empresas independentes , requerem uma interpretação de engenharia e que, muitas vezes, não pode ser feita adequadamente por informações falhas e/ou incompletas da pesquisa.
DESENVOLVIMENTO DOS ATRIBUTOS .
Estabilidade
O atributo estabilidade (handling) é a característica de controlabilidade do veículo. Em poucas palavras, o veículo deve ser amigável e com reações previsíveis, ajudando o motorista a ter segurança nas mais diversas situações de rodagem. É a conexão do veículo com o solo.
O atributo estabilidade (handling) é a característica de controlabilidade do veículo. Em poucas palavras, o veículo deve ser amigável e com reações previsíveis, ajudando o motorista a ter segurança nas mais diversas situações de rodagem. É a conexão do veículo com o solo.
Estabilidade em linha reta (Straight Ahead Stability)
É a capacidade do veículo de manter-se em linha reta sem que o motorista tenha sempre que intervir no volante de direção. Inclui também a sensibilidade a ventos laterais
Estabilidade em curvas (Cornering Stability)
É a capacidade e a qualidade do comportamento do veículo em curvas, se mantendo neutro em sua trajetória, sem reações abruptas de sair de frente ou sair de traseira. A segurança é garantida inclusive se for necessário freá-lo dentro da curva.
Estabilidade Transicional (Transitional Stability - lane changes)
Estabilidade durante as mudanças de faixa de rolamento, mantendo o controle de inclinação da carroceria (Roll Control)
Como garantir no projeto que todas estas características sejam mantidas e entregues ao consumidor? Até o início da década de 1980 quase tudo era feito "no peito e na raça", no processo de tentativa e erro. As molas, a barra estabilizadora, os amortecedores e pneus eram escolhidos quase que experimentalmente. (80% experimental e 20% calculado). A geometria da suspensão/direção também era basicamente experimental
Hoje tudo se inverteu. Os poderosos softwares, totalmente correlacionados, predizem com precisão qual vai ser o comportamento do veiculo em quase todas as situações. Aproximadamente 80% do trabalho é feito virtualmente e os 20% restantes ajustado experimentalmente pelos especialistas.
Além das características de estabilidade, o veiculo tem que ser confortável ao rodar nas diversas condições de piso. Outra missão importante dos especialistas que é conciliar estabilidade e conforto estabelecendo o melhor compromisso possível.
Conforto de Rodagem
É basicamente a capacidade do veiculo de isolar os ocupantes das imperfeições da pista evitando movimentos e vibrações indesejáveis da carroceria. Depende basicamente das características de isolação da suspensão (molas, buchas, batentes, suportes) e da rigidez da carroceria à flexão/torção. Os bancos também contribuem como isoladores de vibrações.
Podemos dividir o conforto de rodagem em três situações:
1- Conforto de rodagem primário (Primary Ride)
Movimentos de baixa freqüência devido a ondulações da pista
2- Conforto de rodagem secundário (Secondary Ride)
Vibrações causadas pelas imperfeições da pista e sentida nos bancos, volante de direção, pedais, controles e na carroceria de maneira geral
3- Impactos (Impacts)
Capacidade do veículo de isolar os ocupantes de eventos singulares da pista (buracos, juntas de dilatação, trilhos, blocos redutores de velocidade, lombadas etc) com ou sem ruído associado. Inclui também os ruídos de impacto nos batentes de final de curso da suspensão, tanto na extensão como na compressão total.
O trabalho de estabelecer o compromisso de estabilidade e conforto é facilitado quando conduzidos em campos de prova especialmente projetados com pistas de baixa e alta velocidades, pistas especiais com vários tipos de pavimentação, circuitos de terra e cascalho, asfalto liso e irregular etc.). A Ford, em particular, tem vários campos de prova no mundo, incluindo um na cidade de Tatuí, no interior de São Paulo. que facilitam muito o desenvolvimento veicular, mantendo sempre as mesmas condições padrão de avaliações e testes com repetibilidade garantida.
Campo de Provas de Tatuí, da Ford
Vista aérea
O Escort igual esse da foto e com mecânica atual, poderia ser o "da Vinci" dos automóveis.
ResponderExcluirCCN 1410,
ExcluirA Ford realmente inovou com os três volumes e meio (rabetinha). O XR3 marcou época na década de 80
Não seriam Dois volumes e meio?
ExcluirMarco Aurelio
Marco Aurelio Mil desculpas, 2 volumes e meio
ExcluirMuito bom! Espero pela sequencia!
ResponderExcluirUma pergunta: na pista de Tatuí era possível a verificação da velocidade máxima?
Harerton,
ExcluirA pista de provas de Tatuí não permitia testes de velocidade máxima. Ainda bem que hoje podemos fazer o teste virtualmente com muito boa correlação.
esse campo de prova é fichinha perto das ruas do meu bairro :D
ResponderExcluirbrincadeira (com um fundo de verdade hahaha)
Anônimo,
ExcluirGostaria de poder mostrar todas as pistas especiais, os laboratórios, as pistas de alta e baixa velocidades etc, porem necessito de autorização por parte da Ford pois o Campo de Provas de Tatuí é considerado área totalmente restrita.
Obrigado
Mostrar o processo de concepção e produção do produto apenas aproxima o cliente da marca. É por isso que várias empresas abrem as portas para visitação. As empresas que estabelecerem uma relação aberta com seus clientes, transparente, liderará nesse século.
ExcluirGustavo,
ExcluirGustavo,
Concordo com você que a transparência das fabricas com os consumidores vem para o bem, criando a confiança com a marca.
Obrigado pelo excelente comentário.
Fabricar/tropicalizar carros para o Brasil deve ser o último nível de dificuldade para um engenheiro. Aqui todos têm que ser um pouquinho "off-road" , além de ter que agradar a maioria leiga e a minoria entusiasta, para se tornar um ícone, e nem assim todos os ícones são unanimidade ou vendem bem. O pós venda também é importantíssimo, as vezes temos carros magníficos, porém com deficiência de peças no mercado de reposição ou com valores de peças ou manutenção muitas vezes perto do valor do veículo depois de alguns anos, e então o possível ícone acaba morrendo por ter uma sobrevida bastante curta.
ResponderExcluirAnsioso pelo próximo post.
Seria muito interessante também um post (ou uma série) esmiuçando as razões de um carro essencialmente bom ou muito bom, com qualidades o bastante para se transformar em um ícone, ser rejeitado pelo mercado. Algumas dessas razões, você mesmo citou.
ExcluirUm exemplo disso e o Renault Logan
ExcluirSem duvida!
Anônimo das 19:55.
ExcluirAprenda pelo menos a pontuar as palavras que usa para traçar essas mal traçadas linhas.
Depois de terminar a alfabetização, parta para vôos mais altos ao invés de ficar divagando sobre o carros dos outros...
Na verdade foi um elogio ao Logan, carro do meu amigo Mr. Car
ExcluirO que ocorre e que vc nao teve QI suficiente para perceber
Umas sulinas de interpretação de texto o fariam muito bem
Tchau
Carlos,
ResponderExcluirToda a vez que se publica um texto no AE com excelência técnica em sua confecção e ao mesmo tempo facilidade de compreensão para a maioria das pessoas, leigas ou não, sempre encaminho a um grupo de amigos por e-mail (sempre com os créditos e o link para a matéria, claro).
Fico feliz em dizer que este seu primeiro texto no AE encaminhei para todos os contatos da minha lista de conhecidos entusiastas.
Excelente leitura! Parabéns!
Obrigado !
ExcluirEssa pista especial de Tatuí é um caminho de rosas comparada as ruas que dão acesso a casa da minha namorada em Cubatão... passar sobre os trilhos do trem é a parte mais suave do caminho, só pra vocês terem uma ideia de como o sistema é bruto por lá.
ResponderExcluirInteressante como a gente vê o carro pronto e sequer imagina o mundaréu de trabalho que levou pra ele nascer.
Pois é Leonardo, e pensar que nos anos 70 e até 80 testavam os protótipos por no mínimo 5 anos, para poder lançarem no mercado. A tecnologia tem ajudado muito neste aspecto.
ExcluirMarconi
Carlos,
ResponderExcluirBom ter você aqui no time dos redatores, estreando em grande estilo com o post sobre a cor branca nos automóveis. Agora, essa série de post promete ser muito interessante para aumentar nossos conhecimentos automotivos. Será muito gratificante contar com os próximos posts!Abraço!
Obrigado Thiago, vamos fazer todo o possível para que os proxímos posts sejam cada vez mais interessantes
ExcluirCaro Meccia
ResponderExcluirÉ uma grande satisfação vê-lo no Autoentusiastas, garantia de que muito conhecimento, bom senso e "braço" serão agregados à este excelente blog.
Fomos colegas na Autolatina e continuo na VW.
Um Grande Abraço
Mancha
Mancha obrigado pelo elogio e boa sorte na VW
ExcluirPela vista aérea, o traçado dá uma ideia de que uma corrida poderia ser disputada ali. Mas, pelas fotos anteriores, parte das retas tem metade da pista de aspecto liso e a outra metade com imperfeições ou simulação de ondulação.
ResponderExcluirCarlos, parabéns pela mostra detalhada do início do processo de desenvolvimento de projetos.
ass: KzR
Obrigado, vou me esforçar cada vez mais para que os posts sejam elucidativos e atinjam a expectativa de todos os leitores
ExcluirOlá e seja bem vindo Carlos Meccia.
ResponderExcluirEngraçado que isso é conhecido pelos fabricantes e não é utilizado ao pé da letra, o que contradiz estranhamente a questão do principio básico de uma empresa que é o lucro e liderança ou posicionamento no mercado.
Tudo bem que não podemos querer comparar por exemplo um Lada com um Porsche, até porque nem estão no mesmo seguimento ou concorrência, mas porque sabiamente se em teoria estes pré-requisitos tem que ser seguidos e é a formula correta neste nicho, mas porque a Lada ou qualquer uma que seja não faz este óbvio ? Porque lançar algo mais ou menos no mercado, meio bom ou até ruim ??? Será que é tão lucrativo mesmo assim lançar um carro mais ou menos ? Porque não fazer sempre melhor e brigar pelo mercado caramba ! Qual o problema (ou acordo) ? Será que o raios dos investimentos e capacidade real de uma determinada marca é tão limitada assim a não poder "brigar" pelo que garante sua posição no mercado ?
Isso que não entra na minha cabeça de forma alguma pois sou empresário de médio porte e mesmo assim não dou sossego e não paro nunca para ter e defender meu ideal e minha marca, mas parece que a indústria automobilista tem uma "ressalva", um "acordo" ou se lá o que mantém algumas marcas em um plano, outras abaixo e por assim vai a pirâmide, mas o que prende as demais a subir e fazer produtos melhores e subir de nível ? Pois é...
Não sou o Carlos Meccia, mas darei meu pitaco.
ExcluirComo ele mesmo disse, o carro tem que ser bom, bonito e barato. E é justamente o pilar destacado que costuma limitar os atributos de um projeto, de uma forma ou de outra (e inclusive destaca os fabricantes ótimos dos medianos). Exemplo mais atual disso para ilustrar é o VW up! comparado a seus concorrentes: É melhor em quase tudo comparado a concorrência, mas quem o quer, terá de pagar pelo preço (29 mil na versão 4 portas sem qualquer item de serie).
Outro elemento que influencia nos atributos, só que mais indiretamente, é a história da marca. Voltando ao exemplo, mesmo o up! custando mais que seus concorrentes, consegue vender em bons números. Agora se uma fabricante novata no ramo (uma chinesa, por exemplo), mesmo com engenheiros, designers e economistas de ponta, projetassem um carro praticamente igual ao up! nos atributos, com um belo design, você acha que esse carro seria vendido aqui no Brasil por 29 mil? Qual o brasileiro preferiria? (supondo que tenha 4 portas).
Tenho na cabeça que é possível sim uma empresa novata no ramo fazer um ótimo carro, porém o custo de fabricação limita bastante o que se pode ou não fazer, e mesmo que isso seja um problema superado, fica complicado colocar o veículo ao mesmo preço que seus similares, principalmente em locais onde há um conservadorismo dos clientes em relação a marcas. Brasil, ainda que melhorando de pouco em pouco, tem problemas em aceitar marcas novas, o que complica a situação. Pelo menos, no meu entendimento.
Fora isso, acho que o pecado maior de algumas marcas é o pós-venda, e não digo nem pelos serviços da rede autorizada em si, mas sim pelo custo de uma eventual manutenção (amortecedores, correias, rolamentos entre outras peças que se desgastam com o tempo com preços altíssimos).
Antonio Filho,
ExcluirCarros diferentes não vendem. Por exemplo, a Citroën quase faliu algumas vezes por fabricar carros com a fantástica suspensão hidropneumática, a Subaru não consegue emplacar um grande sucesso com seus motores boxer (mesmo tendo preço e qualidade para competir), entre outros exemplos de carros que deveriam revolucionar (como o Ford Edsel) e micaram feio.
Enquanto isso a Toyota vai de vento em popa vendendo seus carros que são apenas o que se espera de um carro, sem nunca surpreender (a única exceção talvez seja o GT86).
Toda empresa deve fazer o que o mercado deseja. Se o mercado quer mediocridade, então as empresas devem ser medíocres.
Ótimo texto Carlos Meccia ! Muito me interessa esse assunto, ainda mais ensinado por alguém com experiência na área. Vejo que a tarefa dos profissionais não é fácil, atender os requisitos emocionais dos clientes e fazer algo bom e funcional encima disso. Me lembro de uma palestra de um designer em que ele falava que queriam usar capôs altos, que são moda agora, e como os engenheiros ficavam zangados rsrs. Essa pista de testes de Tatuí deve ser uma alegria para os pilotos e engenheiros. No aguardo da continuação. Abraço
ResponderExcluirObrigado !
ExcluirCarlos
ResponderExcluirOtimo artigo.
Bom saber como pensam os fabricantes.
Vamos para os próximos atributos em breve. Obrigado !
ExcluirMeccião!!!
ResponderExcluirMuito bom o post!! Parabéns!! Vai ajudar os colegas aqui a aprender também!!
Obrigado amigo Danilo. Vamos em frente melhorando a cada post, com certeza !
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