Procurando por um de meus livros acabei encontrando um outro que li em 2007, "Cadê os Líderes" do Lee Iacoca. Para quem não sabe, ele já foi presidente da Ford e da Chrysler. Na Ford foi um dos responsáveis pelo lançamento do Mustang e na Chrysler, por um conceito nada entusiasta mas também de muito sucesso, a minivan.
Folheando o livro reli algumas partes marcadas por mim mesmo que mostram alguns pontos interessantes da indústria automobilística americana:
"O modelo de Sloan de um carro para cada nível de renda motivou pessoas a fazerem trocas melhores à medida que progrediam na vida. Em outras palavras, começava-se com um Chevrolet e acabava-se enterrado com um carro fúnebre Cadillac. O conceito de marca de Sloan fez da GM uma força, e a Ford e a Chrysler seguiram o exemplo. Mas o modelo de Sloan não funciona mais. As empresas estão sendo sufocadas por um bando de marcas e modelos dentro de marca."
Basta ver o que está acontecendo nos EUA com Saturn, Hummer, Saab e Pontiac; todas semi-mortas.
"Os erros recentes da Ford custaram muito e sua crise de identidade tem sido desmoralizante. Nunca entendi porque a Ford precisava adquirir marcas como Jaguar, Volvo, Aston Martin e Land Rover. Às vezes olho pra Ford e sinto vontade de perguntar: o que você quer ser quando crescer? A Ford achou que podia comprar o acesso ao mercado carros de luxo. Não deu certo."
Das marcas citadas apenas a Volvo continua com a Ford; sabe-se lá por quanto tempo mair.
"Durante grande parte da história, a indústria automobilística americana teve uma abordagem burra e invertida ao mercado. A premissa básica era: vamos decidir que carros devemos fabricar e depois vamos tentar convencer as pessoas de que elas desejam e precisam desses carros. Então apareceu alguém com uma ideia brilhante: "Por que não descobrimos que tipo de carro os clientes desejam e precisam e daí os fabricamos? Ainda é uma ideia brilhante."
Fazer como os americanos faziam era algo muito mais entusiasmante para quem o fazia. Em alguns casos até deu certo, mas essa postura, muito arrogante, não se sustentou. Um caso de sucesso em que se descobriu que tipo de carro os clientes querem é o do EcoSport no Brasil. Gostemos uo não de SUVs, o EcoSport é um caso de sucesso comercial. E sucessos comerciais garantem a longevidade das empresas.
"As questões são: por que o utilitário (SUV) tem tanto sucesso? Qual é seu propósito de vida? Pouquíssimas pessoas realmente saem da estrada; portanto não se trata da necessidade de um veículo parrudo que ande em todos os tipos de terreno. O utilitário não tem capacidade de passageiros ou bagagem de uma minivan ou a dirigibilidade de um carro. Portanto qual é a motivação para se comprar um utilitário? Motores maiores (geralmente V-8) não são conhecidos pela economia de combustível e por baixas emissões. Acho que o utilitário supre um forte desejo de segurança e controle na estrada. Nos dias de hoje, as pessoas querem cercar-se do máximo de aço e ferro possível. Equiparam peso a segurança. É um fator, mas não se compara de forma alguma ao projeto estrutural sólido e ao uso de airbags. Acho que as pessoas estão procurando uma vantagem competitiva nas rodovias e gostam de dirigir do alto, na posição de comando, atrás do volante. Com milhares de outros utilitários passando por eles, sem falar nos caminhões, os motoristas se sentem mais seguros. É uma percepção, promovida por Detroit. Uma marca de utilitários era vendida com o seguinte slogan: "Veja-o como um cobertor de segurança de quase duas toneladas."
Pelo visto nós não somos muito diferentes dos americanos. Já falamos um pouco sobre esse assunto no post do Bob sobre visão de comando da estrada. Uma evolução mais apropriada dos SUVs são os crossover, derivado de carros de passeio, mais leves, mais econômicos e bem versáteis.
"Um líder na industria automobilística precisa ser apaixonado por carros e entusiasmado pela inovação."
Com certeza! Mas isso vale partindo-se da premissa que esse apaixonado tenha uma grande visão de negócios. Um líder tem que gerar muito lucro. Lucro suficiente para agradar aos acionistas e manter a empresa. E uma certa sobra para fazer os modelos mais apaixonantes sem quebrar a empresa.
"O imperativo do mercado é tão claro que é preciso ser cego para não enxergar. Temos que fabricar mais carros pequenos. Atualmente, nenhum dos carros menores é fabricado em Detroit."
Depois dos novos limites de consumo de combustível impostos pelo Obama não há mais escapatória para os americanos. Os pequenos serão feitos nos EUA também.
"Pregamos o modo capitalista como se fosse uma religião, mas é preciso indagar se não está nos deixando na mão. Quando os slogans de propaganda são mais conhecidos do que os dez mandamentos ou a declaração dos direitos, quando os shoppings são nossos templos, quando o mau comportamento é justificado desde que leve ao lucro, quando a dívida é justificada desde que resulte em uma televisão de plasma e quando alguém é avaliado pelo tipo de carro que dirige, talvez esteja na hora de perguntar se corrompemos a própria noção de capitalismo."
Já sabemos onde isso está terminando.
O Lee Iacocca ainda fala no livro sobre guerra, petróleo, políticos, corporativismo, livre comércio e mais. Sempre de uma maneira direta e fácil de entender.
Sem dúvida é uma ótima leitura.
PK
PK
Paulo
ResponderExcluirCerta vez eu ouvi uma mulher falar:
"Eu adoro aquele pneuzinho (estepe) pendurado na traseira do carro, mesmo sabendo que jamais conseguiria tirá-lo ou colocá-lo de volta no lugar".
Tirem o estepe da traseira do EcoSport e vejam as vendas caírem vertiginosamente. Ou melhor, pendurem um estepe na traseira de um Fox (como a VW fez) e veja um produto que vende horrores!
O EcoSport sem o estepe pendurado é uma peruazinha, um Fiesta erguido. Simples assim.
FB
Keller, sensacional.
ResponderExcluirSó estas citações já dizem muito.
abs
Bem que o Iacocca podia ser presidente da GM não?
ResponderExcluirJá ajudou a Ford e a Chrysler, só falta a GM...
Paulo,
ResponderExcluirmais do que ótimo, Iacocca é sempre uma escola. Um cara que evoluiu e sempre teve sucesso. E agora, com todo esse curriculum pessoal, pode dizer o que quer e quando quer. Já foi sondado mais de uma vez para a candidatura à presidência dos Estados Unidos e não aceitou.
Considero-o o executivo (ou ex) automotivo mais bem sucedido de todos em tempos modernos, com uma característica das mais importantes: ele sai do mundo empresarial e discute os efeitos das burradas das empresas na sociedade. Isso é o mais importante nele.
Interessante!
ResponderExcluirConfesso que surgiu uma certa curiosidade em ler este...
Quanto ao capitalismo, os estadunidenses realmente perderam noção do seu conceito. Quando um produto é bom, do ponto de vista do consumidor, não haverá necessidade nem de marketing, ironizando o velho ditado popular: "Propaganda é a alma do negócio".
Agora pergunto aos gurus do blog: Qual a opinião de vcs, se uma GM ou Ford adaptasse um "1.X tupiniquim/europeus" para o mercado americano? Afinal, suas plataformas já estão todas desenvolvidas. É uma questão de adaptação "só".
Ao meu ver, seria interessante para "quem está sem grana" uns "carros descartáveis" e de baixíssimo consumo. Ao menos, alguma coisa seria vendida, não "matando" o ciclo do capitalismo.
Paulo, acho que este foi um dos melhores posts dentre os que já li neste blog. Soma de dois assuntos que mais gosto: carros e estratégia empresarial.
ResponderExcluirOs estadunidenses instituíram o conceito de Marketing, mas os executivos automotivos daquele país, na sua maioria, parecem que não aprenderam. O máximo que parecem enxergar são os próprios umbigos.
A recuperação pode vir logo, mas acho que ainda leva uma eternidade para que aquela indústria volte a ter uma forte identidade.
Parabéns pelo post!
Sds,
Der Wolff
Eu li um outro anterior dele que falava sobre as experiências que teve com a Ford e a Chrysler e seus executivos arrogantes. E bota arrogância nisso. Ele saiu da Ford por causa das divergências com o Ford III, e na Chrysler acho que se aposentou após tirar a empresa da bancarrota.
ResponderExcluirmuito bom o post mesmo, com certeza vou procurar esse livro para comprar,
ResponderExcluirgostei muito da frase: "Pregamos o modo capitalista como se fosse uma religião, mas é preciso indagar se não está nos deixando na mão."
e acho que é bem por ai mesmo, esses dias ainda estava conversando com um amigo, e falando exatamente sobre isso, o ambiente profissional e competitivo nos condiciona a sermos pessoas frias, muitas vezes esquecemos do lado humano, e o que acontece é que estamos invertendo as coisas.....
um abraço!
Pessoal,
ResponderExcluirFico contente por terem gostado do post. O livro não fala só de carros mas é muito bom mesmo.
Abraço a todos.
PK
Será que ele morreu?
ResponderExcluirNão ouví falar nada dele, em toda esta "crise"!
É um personagem fantástico!
Poderia ajudar muito, se voltasse à ativa.