Anos atrás, com a preguiça que uns dias de férias em Campos do Jordão são capazes de provocar, lá estava eu com a cachola mais em branco que a tela do computador estampada na minha frente. Eu estava num cyber-café do centrinho e tinha que escrever naquela hora a coluna que mantinha no site Best Cars. Porca miséria! Êta situação!
E eis que veio a luz. No dia anterior eu havia descido parte da Serra Velha de Campos com o amigo Sandrão na sua picape Chevy. Tínhamos ido ver uns cavalos num sítio serra abaixo e, na descida, o Sandro, piloto de motocross, foi falando porque é que ele tinha essa picapinha já meio velhusca. Volta e meia ele a carregava com uma ou duas motos e se metia lá por aquelas estradas de terra. Quem conhece a região, quem já se embarafustou por aquele sobe e desce em caminhos sombrios e tortuosos, com chão úmido que não seca nunca, aquela terrinha lisa que a gente escorrega mesmo andando a pé, quem já conhece sabe que nunca na vida que uma picape com tração dianteira andaria por ali carregando duas motos na caçamba. Mas nunca! Na primeira subida, com o peso se deslocando para trás, as rodas dianteiras começariam a patinar e a ciscar o caminho pra lá e pra cá. Dali ela só iria pra trás. Uma vez, me lembro, estando com minhas filhas pequenas na nossa perua Belina, tive que subir de ré uma dessas ladeiras. Uma vez ou outra, vá bene, é diversão pra garotada, mas a toda hora é inviável, um saco.
E foi bem isso que o Sandrão afirmou, enquanto mandava uma bota legal serra abaixo na sua Chevy e respirávamos o ar fresco da mata.
— É uma merda, Naldão! Os caras não fazem mais uma picapinha que preste com tração traseira. O jeito é eu ir cuidando bem desta daqui porque odeio essas picaponas e odeio carro grande (o Sandro é italiano de pai e mãe, portanto, apesar de grandão gosta de carro minúsculo). Na hora que não tiver mais Chevy no mundo estou ferrado!
Descemos a serra, fizemos o que fomos fazer e voltei guiando a Chevy serra acima. Serrinha travada para ser feita em 2a e 3a marcha. Lenha na bichinha. Nessa hora, guiando a Chevy, lembrei daquela noite que eu subira a mesma serra com minha Brasília motor 2.100, dois Weber 48 duplos, comando Engle, mais de 150 cv. Noite alta, sozinho, uma semana sem ver minha mulher e filhas, a Brasa nervosa e com a traseira doida que só ela, andando de lado quase o tempo todo, cavocando o asfalto e metralhando pedriscos pela mata adentro.
— Bah! Sandrão! Também não agüento mais essas porcarias de tração dianteira. Lembra da minha Brasa branca? Pois é, bichão, ela subiu engolindo esta serra que vou te dizer. Obrigado por me deixar guiar essa tua mulinha velha. Olha aqui o que ela faz...
E tung na freada forte antes da curva, e zap, uma jogadinha da traseira pra fora e é nóis andando de lado e contraesterçando na Chevy, com tralhas na caçamba batendo pra lá e pra cá. Êta gostoso!
Que motor tinha a Chevy? Originalzinho. Andava muito ela? Não, tadinha. O motorzinho tinha lá uns 70 ou 80 cavalos pangarés e todos eles estavam trabalhando com a língua pra fora naquele momento. Precisava mais que isso pra esses dois doidos se divertirem? Não, não precisava, não. Bastava a tração.
E foi assim que surgiu a coluna. Essa despretensiosa manhã atrás de cavalos e essa despretensiosa picapinha trabalhadeira inspiraram a coluna em que dou voz ao nosso grupo de amigos que imploram às fábricas que produzam um raio de um carrinho despretensioso em que só uma coisa é obrigatória: tração traseira. Isso mesmo, tração traseira que nem cavalo. Veja a musculatura do bicho e compare a da anca com a das paletas. Observe-o galopando e veja como é que se faz um bicho pra correr.
Então, prezados fabricantes de automóveis, por favor, voltem a nos fornecer carros com tração no lugar certo e o resto deixem com a gente. Meter uns tantos de potência a mais, acertar uns amortecedores mais justinhos, uns pneuzinhos mais agarrados, isso tudo deixem com a gente, não se preocupem com isso; o prazer é nosso.
Os que acham que fazem parte deste grupo de "desajustados" e quiserem assinar a campanha pedindo tração traseira, cliquem aqui: "Queremos a Tração Traseira!"
Arnaldo Keller
Há uns 2 anos, quando conheci o Best Cars, comecei a vasculhar e achei a citada coluna, tive um profundo pesar ao observar nossa carência de carros (acessíveis) de tração posterior. Quando foi divulgado aquele ensaio de um brasileiro do que poderia ser o novo SP2 pensei como seria legal para nós, os aficionados por carro e os não tanto, que um projeto daquele saísse do papel. Um estudo muito interessante, ainda mais feito por um brasileiro. Mesmo que o motor não fosse traseiro, mas que respeitasse a tração posterior, já estaria muito bom, com certeza faria sucesso caso tivesse um valor coerente. Ontem ao visitar o Webmotors relembrei da nossa carência ao ver um estudo de estudantes brasileiros tratando de um Opala moderno. A julgar apenas pela posição do motor, Santana, Gol (até o chamado G4) e derivados destes poderiam ter tido tração traseira.
ResponderExcluirPor isso adoro minha BM e meu Fuca.
ResponderExcluirOK, Naldo, mas lembre-se que a Chevy só tem bom desempenho naquele tipo de subida quando está com duas motos na caçamba, com mais peso sobre as rodas motrizes. A configuraçao motor dianteiro-tração traseira é longe de ser campeã em aderência longitudinal das rodas motrizes. Vazia pode até ser pior do que uma picapinha de tração dianteira. Com toda certeza a melhor picape pequena hoje, do ponto de vista tração em subidas, é a Courier, com seu entreeixos bem longo, 2.830 mm, que reduz bastante a transferência de peso para trás nessa situação.
ResponderExcluirArnaldo,
ResponderExcluirFinalmente postastes!
Bem vindo!
E Chevy 500 RULEZ!!!
MAO