A corrida de resistência mais esperada do ano está cada vez mais próxima. A 24 Horas de Le Mans, prevista para os dias 14 e 15 de junho, terá muitas novidades nesta edição de 2014. Novos carros, novo regulamento, mas o desafio continua sempre o mesmo: vencer a Audi, que já tem doze vitórias desde o ano 2000.
Assim como no novo regulamento da F-1, este ano os modelos
híbridos cada vez mais indicam o caminho do futuro. A economia de combustível é
mandatória e a forma de se limitar o desempenho dos carros foi limitar o quanto
de combustível ele pode consumir. Bem simples.
Já falamos anteriormente sobre o regulamento deste ano aqui no Ae. O que queremos mesmo é ver como ficaram os novos carros. A grande
novidade é a volta da Porsche para a categoria principal, a LMP1, com um
protótipo híbrido que nasceu para vencer os Audis. A Toyota também reformulou
seu carro para ser compatível com o regulamento.
Interessante é ver que cada uma das marcas adotou uma
estratégia de conceito do carro. Há diversas formas de se utilizar a
motorização elétrica, bem como qual é seu funcionamento e características de
armazenamento de energia.
Novo Audi R18 nas cores da sua apresentação |
O Audi R18 só tem o nome do modelo de 2013, pois foi todo reformulado por conta do regulamento que mexeu na dimensões externas do carro e nas características do habitáculo. A carroceria nova está bem evoluída em relação ao modelo do ano passado. Sempre pioneiro em tecnologias inovadoras, este novo carro não será exceção.
O novo R18 está equipado com um sistema que dispara lasers. Não é brincadeira. Há lasers no carro. Quando vi a notícia, pensei ser alguma piada em relação à Ferrari, como algum sistema de laser de aviso para os Ferraris à sua frente, em alusão aos diversos acidentes que ocorreram. Na verdade os lasers estão nos faróis dianteiros, para iluminação. O novo conceito está em testes e será usado em Le Mans. Juntamente com os LEDs de alta potência usados atualmente, o novo sistema de laser consegue gerar luz com grande intensidade. Ver melhor à noite é um grande diferenciador em uma corrida exaustiva como Le Mans.
De acordo com os engenheiros, o olho humano é “calibrado”
para melhor enxergar objetos que são iluminados pela luz solar. Existe algo
chamado temperatura de cor, que na verdade é uma forma de quantificar a
tonalidade da luz, como mais branca ou mais amarela. Lembram dos faróis de
xenônio que eram vendidos? Modelos de 8.000 K, 10.000 K etc.? Pois então, estes
números são referentes à temperatura de cor. O sistema com lasers é mais
eficiente que o LED por conseguir reproduzir melhor a temperatura da luz do
sol, dando mais alcance de iluminação, e com um sistema compacto. O BMW i8 é
equipado com este sistema, mas ainda não está à venda. Veja abaixo como isto
funciona:
O motor continua sendo o V-6 turbodiesel, passando de 3,7 para 4 litros, que aciona as rodas traseiras, enquanto que as rodas dianteiras recebem o torque do sistema elétrico, completando o sistema quattro de tração integral, já usado no ano passado. A energia para mover os motores elétricos é armazenada em um volante inercial que gira a alta rotação conforme o carro freia e acumula energia. A novidade é que, assim como na F-1, agora o R18 terá um sistema elétrico acoplado na turbina, equivalente ao MGU-H, para minimizar o turbo lag.
O chassi e suspensão foram revisados para que as dimensões
novas sejam compatíveis com o regulamento. Os carros estão menores. Também
alguma novidade sempre é colocada em prática, como um novo desenho de braço ou
uma nova geometria de amortecedores.
Comparativo entre o R18 e-tron de 2013 e o novo carro de 2014 |
Pelo lado da Toyota, o modelo deste ano chama-se TS040. A
fábrica diz que é um carro totalmente novo e, de fato, pode-se considerar que é,
em função da quantidade de novidades no carro, pouco foi aproveitado do carro
anterior. Nova carroceria e novo conceito de conjunto motriz já justificam o
título de novo carro.
Manteve-se o motor V-8 a gasolina, porém com um novo sistema
híbrido. O TS030 usava a potência do motor elétrico para acionar as rodas
traseiras, junto com o motor a combustão, mas este ano o TS040 terá tração
dianteira elétrica, como o Audi. O atual conjunto híbrido da Denso do eixo
traseiro foi mantido e um sistema adicional no eixo dianteiro, feito pela Aisin
AW, foi incorporado. Isto significa que o carro terá tração auxiliar elétrica
nas quatro rodas, uma novidade. A potência total combinada pode chegar a 990 cv.
O sistema de armazenamento de energia é composto por um
conjunto de supercapacitores. A escolha por este sistema é direcionada pelas
características de descarga de energia, bem maior que de uma bateria
convencional. Baterias normais, como as dos nossos carros de rua, e mesmo as
modernas de íons de lítio, toda vez que são carregadas e descarregadas
rapidamente sofrem uma degradação, algo em que os supercapacitores são bem menos sensíveis.
Abaixo, um video da Toyota mostrando o funcionamento do seu sistema híbrido:
No começo eles mostram a adição do sistema elétrico ao eixo dianteiro. Depois, vemos que durante a frenagem, os supercapacitores são carregados e a energia depois é liberada para as rodas traseiras e dianteiras na aceleração.
A Toyota está confiante de que seus novos métodos de cálculo e
simulação tenham gerado bons frutos, capaz de rivalizar com os alemães. A
aerodinâmica foi alvo de grande empenho, uma vez que a geração de força
vertical descendente (downforce) sem aumentar o
arrasto tem sido a meta de todos os projetistas há anos. Além de econômicos, os
carros devem ser rápidos, e estamos falando em termos de velocidades de F-1.
É interessante ver como a Toyota abordou a questão da
aerodinâmica da parte dianteira do carro. A região dos pára-lamas dianteiros que
recebem os faróis são quase retas, verticais. Não muito tempo atrás, se um
engenheiro chegasse com esta proposta, seria crucificado. Como é possível uma
superfície vertical, nada penetrante na parede de ar formada a mais de 300
km/h? Linhas fluidas e suaves não são mais exigências para que o design
funcione bem. Muito interessante!
O TS030 era rápido, sem dúvida, até mais rápido que os Audi
no caso de pistas mais lentas, mas alguns problemas de confiabilidade acabaram
com o sonho de vencer em Le Mans. A capacidade de evolução técnica da Toyota
foi surpreendente, muito melhor do que a tentativa frustrada de entrar na F-1. Em
pouco tempo, o TS030 foi competitivo e deu um susto nos alemães. O TS040 também
deve ser muito rápido.
A grande expectativa, entretanto, está no novo Porsche 919 (foto acima).
O filme abaixo foi mostrado pela Porsche no começo do desenvolvimento como
forma de marketing e recordação de que quando os carros de Stuttgart/Zuffenhausen entram na
pista, não é para brincar.
O novo 919 nasceu moldado no regulamento de 2014, projetado do zero para atender todas as regras sem necessidade de adaptações ou mudanças. O conceito da carroceira é mais similar ao Audi que ao Toyota, com o bico quadrado e alto. Parece até o antigo Audi R15 TDI.
O que ninguém esperava era o motor a gasolina que o 919
usaria. Há quem acreditava em um V-8 derivado do 918 Spyder de rua, que por sua
vez, veio do motor de corrida usado no antigo RS Spyder da LMP2, muito bem
sucedido. Um boxer de seis cilindros também não seria surpresa para ninguém. Mas
o que apareceu foi um V-4 de dois litros a gasolina, equipado com um
turbocompressor. Abaixo um vídeo da Porsche mostrando o desenvolvimento deste novo motor:
É possível ver na foto abaixo que o motor é muito compacto e fica distante do transeixo. Há uma grande caixa seca em compósito de fibra de carbono unindo as duas unidades, indicando que a distribuição de peso no carro foi muito bem calculada e o motor precisava estar perto do centro. A caixa não poderia acompanhar o motor para o centro do carro, pois as juntas homocinéticas das semi-árvores não acomodariam o ângulo de trabalho excessivo.
O compacto V-4 Porsche, com sistema regenerativo na turbina, e uma grande capa seca para espaçar o transeixo |
O sistema híbrido é composto de diversas baterias de íons de
lítio, similares as de um laptop e refrigeradas a água, que ficam ao lado do
piloto em uma “caixa” blindada, e um sistema motor-gerador no eixo dianteiro,
como no Audi e Toyota. O 919 é também um carro com tração integral, porém pelo
descritivo da Porsche terá um acionamento por um botão no volante que libera uma
potência extra nas rodas dianteiras à disposição do piloto. Assim como no Audi,
o Porsche possui um sistema de recuperação de energia na árvores do
turbocompressor que reduz o lag.
A pista francesa de Le Mans está no DNA da Porsche. Esta
sempre foi um laboratório de testes para a fábrica, que já acumulou nada menos
que dezesseis vitórias na 24 Horas. Não apenas em Le Mans, mas em qualquer
tipo de competição automobilística, a Porsche desenvolve novas tecnologias que
depois entram no mercado de carros de rua. No lançamento do 919, a Porsche
preparou uma tabelinha com suas inovações, quando foram usadas pela primeira
vez em um carro de corrida e quando foram usadas pela primeira vez em um carro
de rua. Há alguns itens questionáveis, mas marketing é marketing, e não deixa
de ser interessante.
Lista de inovações da Porsche, presente no dia do lançamento do 919 |
As fotos que já foram liberadas e a apresentação do 919 com
certeza não mostram todos os detalhes do carro. Raramente um carro novo é
mostrado antes do campeonato em sua real configuração de corrida. Detalhes da
carroceria, entradas e saídas de ar, elementos da asa traseira, tudo que puder
ser disfarçado, será. Podem apostar que na primeira corrida, algumas diferenças
serão notadas em relação ao carro do Salão de Genebra. Isto vale para Audi e
Toyota também.
Além dos três grandes competidores, a LMP1 também terá a
participação da Lotus. O carro será baseado no chassi Lola do T128, modelo que
correu ano passado na LMP2. O motor deve ser um V-6 biturbo da AER sem o uso de
sistema híbrido, uma vez que é vedado aos carros de equipes particulares. A equipe
Rebellion, também particular, terá carros na categoria principal, totalizando
nove carros no grid da LMP1, a princípio.
O Automobile Club de L'Ouest (ACO), organizador das 24 Horas de Le Mans, está apontando
para o caminho certo, ao meu ver, liberando o desenvolvimento técnico e
restringindo apenas o que interessa. No caso, consumo de combustível e emissões
de poluentes.
Cada um dos três grandes optou por um caminho diferente em
termos de sistema híbrido. Três formas diferentes de armazenar energia poderão
ser colocadas à prova simultaneamente. Caso não haja nenhuma grande
infelicidade ao longo do ano, os três sistemas serão muito bem trabalhados e
evoluirão de forma a trazer benefícios futuros aos carros de rua.
Quando a Audi foi para Le Mans com um carro diesel, todos
acharam estranho. Quando foram com um carro híbrido, também fico-se na dúvida
se seria confiável. Agora é a vez da Porsche, com baterias de íons de litio e um motor
V-4 de apenas dois litros. Não é uma revolução como os Audis foram, mas no
contexto, é a novidade.
No primeiro treino que colocou cara a cara os três modelos,
a Audi saiu na frente. Na pista de Paul Ricard (França), o R18 foi um décimo
mais rápido que o Porsche. O Toyota ficou pouco mais de um segundo atrás do
Audi, o que mostra que realmente a disputa será forte entre os três. Só o tempo
dirá qual dos dois alemães, ambos debaixo da poderosa VW, terá êxito, ou se
veremos neste ano o segundo carro japonês a vencer a 24 Horas.
MB
Fotos: Audi, Porsche, Toyota, Motorsport.com
Excelente texto, como sempre, Milton!
ResponderExcluirEssa última foto, em especial, mostra como os carros estão menores para esse ano. Idem para a primeira do post, com o R18 nas ruas.
A Porsche não vem para brincar, mas eu me surpreenderia se já no primeiro ano eles conseguissem vencer, sem ajuda de nenhum infortúnio muito grande.
A Audi vem desafiando a lógica de que quando se chega ao topo, é apenas questão de tempo até a queda. Tirando 2009 e, questionavelmente, 2003, ela ganhou tudo que podia desde a 1a vez que subiu ao pódio em primeiro. São os favoritos, não dá para negar, mas eles se sentem confortáveis com isso.
Quanto à Toyota, acho que depende muito de como essas mudanças no sistema híbrido são encaradas. Se é uma pequena revolução na maneira deles gerenciarem a potência do carro, agora que também tem tração elétrica na dianteira, acho que eles caem no mesmo caso da Porsche: drivetrain muito novo e não necessariamente confiável.
Já se pros engenheiros da Toyota isso não for nada além de uma evolução, acho que eles vem muito fortes. Porque aí acumularia toda bagagem do TS030, com uma "pequena" adição no eixo dianteiro. Afinal, o motor V8 e o sistema elétrico traseiro são os mesmos, praticamente.
Vai ser legal ver a disputa esse ano. Mas algo me diz que fora de série mesmo, vai ser a disputa do ano que vem!
A Porsche que foi a mais rápida nos testes em Paul Ricard, ficando com o 1º e o 3º melhor tempo.
ResponderExcluirAudi ficou com 2º e 5º tempo. Toyota, 4º e 6º.
Classificação Geral dos testes:
http://fiawec.alkamelsystems.com/Results/04_2014/00_THE%20PROLOGUE%20-%20PAUL%20RICARD/35_FIA%20WEC/201403291700_Overall/90_Classification_Overall.PDF
É a porsche não vem para brincar! Esse motor 2.0 V-4 parece ser interessante, basta saber o consumo de combustível, mas já marcou melhor tempo nos treinos, a Audi deve estar bem preocupada.
ResponderExcluirSó um pensamento, a FIA poderia deixar esta questão ambiental apenas para as corridas de longa duração e deixar os F-1 beber a vontade, podia voltar até o abastecimento, esse negócio de ficar poupando o carro pra não ficar com pane seca está acabando com as corridas.
Não sei o porque cargas d'água os carros de corrida estão ficando a cada dia mais distantes de um carro normal. Seja do WEC ou da F1, estão muito feios e pode-se dizer que, em comum com os carros de rua, só têm o fato de (ainda) terem quatro rodas e um piloto (que em breve poderá ser substituído por um robô, ou ser comandado do box, via joy-stick). Muito sem graça...
ResponderExcluirConcordo contigo.
ExcluirCarros de corrida de categorias de ponta nunca foram parecido com os carros civis, e nunca serão! Ainda mais protótipo e formulas. Eles carregam densa tecnologia e são sempre a frente do seu tempo, natural então que otimizem ao máximo o funcionamento de cada detalhe pra provar seu desempenho e viabilodade. Mas nunca devemos considerar que o automobilismo é feito apenas disso. Se olhar mesmo le mans vai encontrar carros mundanos, se duvidar ate uma serie 3 (e36) diesel como fez o top gear uma vez. No automobilismo há vitrine pra todos. Quanto a ser sem graça, isso depende dos olhos de cada um.
ExcluirAinda acho que os caros têm que ter apelo visual. Estão muito feios sim, e poderia ser diferente. O fato de carregarem tecnologia de ponta não exige que sejam feios.
ExcluirÉ, os carros de F-1 e do Grupo C da década de 80 eram muito parecidos os carros de rua da época mesmo...
ResponderExcluir