No final dos anos 1960 e princípio dos 1970, a indústria automobilística estava muito focada em novas tecnologias. Como a era de ouro dos carros americanos já tinha passado, quando basicamente a cada ano um novo design era apresentado, mas sempre usando o mesmo conceito mecânico de motor e chassi, as novidades agora teriam que ser esta área.
Os americanos, em especial, concentraram
muito dinheiro e tempo em conceitos arrojados de motores não convencionais,
como as turbinas a gás e os motores de ciclo Wankel.
A Chevrolet foi uma delas, apostou no
Wankel como opção para seus carros, a princípio, no Vega. Ed Cole, então
presidente da GM, estava em um momento de fascinação pelo projeto do alemão
Felix Wankel, visto que os japoneses da Mazda já estavam vendendo carros com os
motores de rotores triangulares. A suavidade e potência deste tipo de motor fez
a cabeça de Cole, assim ele conseguiu liberar alguns milhões de dólares da
empresa para o desenvolvimento de uma unidade própria.
Em paralelo, a GM estava no auge com o
Corvette, seu carro esporte, que já estava ganhando fama em função das
competições internacionais e regionais. Seria um caminho relativamente natural
que o Corvette recebesse, nem que fosse apenas para estudo, uma proposta com o
motor rotativo. E foi exatamente o que aconteceu.
O programa criado para o desenvolvimento
do motor Wankel da GM foi o General
Motors Rotary Combustion Engine (GMRCE, ou Motor Rotativo a Combustão da General Motors) e já
estava em andamento. Uma unidade com dois rotores já havia sido desenvolvida.
Seria um bom começo para colocar um motor deste tipo em um Corvette e ver o que
acontecia. Estamos falando em acontecimentos de 1970 e 1971.
O Corvette foi um dos modelos da GM que
mais carros-conceito teve. Alguns anos antes, o protótipo chamado XP-882 havia
sido criado como uma proposta para um Corvette de motor central, grande sonho
do genial engenheiro Zora Arkus-Duntov, o pai do Corvette com motor V-8. Um desses, central, de
400 pol³ (6,5 litros) montado transversalmente e acoplado a um transeixo de
Oldsmobile Toronado fazia o XP-882 ser similar ao Lamborghini Miura, sucesso em meio
aos carros esportivos.
O projeto XP-882 havia sido cancelado
por John DeLorean, ao assumir a diretoria de projetos da empresa, por ser um
programa custoso demais, e o protótipo foi guardado. Este seria usado como base
para um dos dois conceitos de Corvette Wankel a serem criados. Ed Cole havia
encaminhado o pedido de construção de dois carros, um com motor de dois rotores
e outro com motor de quatro rotores, mais arrojado.
DeLorean autorizou o uso do chassi do
XP-882 já existente para criar o novo conceito. Como o carro estava guardado e
sem uso, além de não ter havido nenhuma informação de que o XP-882 poderia
entrar em produção, não havia nenhum problema em utilizá-lo.
Alguma modificação de design seria
necessária para não ficar na cara que era o mesmo carro apenas com um motor
novo. Bill Mitchell, chefe de estilo da marca, projetou uma nova carroceria em
alumínio, juntamente com a Reynolds Aluminum, muito similar até com a existente
do XP-882, bem harmoniosa e instigante, com portas de abertura tipo asa de
gaivota e frente bem baixa. Este seria o XP-895.
Vista lateral do estudo de posição do motor do XP-895 |
Dois motores experimentais RC2-195 de
dois rotores foram unidos para criar uma nova unidade de quatro rotores e 585
pol³ (9,5-litros) e quase de 400 cv. A montagem transversal seria similar ao do
V-8 já existente.
A chance do XP-895, ou Corvette 4-Rotor (quatro rotores) como ficou conhecido o carro, de entrar em produção
era pequena, pois não seria muito diferente do XP-882 em termos de custos e
complexidade de construção. Sua existência era mais uma questão de medir forças
com os europeus, sendo que a Mercedes-Benz já tinha um carro conceito similar
com motor Wankel de três rotores, o C-111.
O modelo de quatro rotores era custoso e
complexo, muito arrojado. Ed Cole, com boa visão, também encomendou um conceito
mais em conta e realista, e assim nasceu o XP-897 GT, com a supervisão direta
de DeLorean. Com um motor de dois rotores totalizando 266 pol³ (4,3 litros) e
com quase 200 cv, o carro era mais convencional.
Nascido na Pininfarina sobre o chassi de
um Porsche 914 modificado, o Corvette 2-Rotor (dois rotores) GT tinha um design
contemporâneo e que poderia fazer frente aos concorrentes europeus. O motor era
central, assim como no seu irmão maior e no 914, fechado em um compartimento
isolado entre a cabine e o porta-malas.
Inicialmente na cor prata, o protótipo
foi uma sensação, e poderia ser o próximo Corvette de produção. Isto na mente
dos homens da GM. Seria difícil o público americano aceitar um motor central
rotativo de pequeno deslocamento e potência, se comparado aos amados V-8 big blocks com mais de 7 litros da
geração atual.
O diferenciador do 2-Rotor era mesmo seu
design, mais voltado para o público europeu. A carroceria feita pela
Pininfarina era de aço, não de plástico como os Corvettes de produção, com faróis
retangulares embutidos e uma traseira tipo fastback,
similar ao DeTomaso Mangusta.
Ambos os conceitos foram apresentados em
1973, e a repercussão foi grande. Com os dois protótipos carregando motores
Wankel e o nome Corvette, o público tinha uma visão que algo grande estaria por
vir para a próxima geração do carro esporte da GM. De fato, a terceira geração,
conhecida por Stingray, traria uma lembrança das linhas do 4-Rotor, com o
bico pontudo, capô longo e traseira com uma queda suave.
O sucesso de mídia foi interessante para
a empresa, muito se deve a novidade apresentada, e aceitação do público ficou
dividida, alguns abertos ao novo e diferente, e outros mais tradicionais,
avessos ao abandono do V-8. O fato é que os dois conceitos estavam condenados,
quase que ao mesmo tempo que foram apresentados.
A GM já havia decretado a morte do GMRCE
e de qualquer outro programa ligado ao motor Wankel. Muito atrativo no papel,
na prática o motor era beberrão e passava longe de atender as normas de
emissões cada vez mais rígidas. Milhões foram gastos em desenvolvimento e o
resultado ainda não era o esperado.
Para ajudar ainda mais a acabar com as
chances do programa Wankel, a crise do petróleo do Oriente Médio e os embargos
fizeram com que o custo dos combustíveis fossem afetados, e um motor beberrão
com potência não muito alta não teria futuro.
Ainda em 1973, John DeLorean deixava seu
cargo na GM, assim como um possível futuro como executivo-chefe da empresa, para algum
tempo depois se aventurar na construção de seu próprio carro, o DeLorean
DMC-12.
Detalhe curioso: o DMC-12 por pouco não
deixou de existir por causa do XP-897 GT. Ao sair da GM, DeLorean queria levar
consigo o projeto do GT de dois rotores. O carro fascinou DeLorean, era sua
criação (indireta) e ele acreditava que poderia tornar-se realidade.
Infelizmente seu pedido para comprar os direitos sobre o projeto foi negado, e
então ele teve que se contentar com o não menos curioso DMC-12.
Mas o que aconteceu com os dois
Corvettes de motor Wankel? Alguns dos principais nomes da GM que tiveram
ligação com os dois carros estavam fora. Em 1974, DeLorean já não trabalhava
mais na empresa e Ed Cole estava aposentado. Zora-Duntov se aposentaria em
1975. Restava Bill Mitchell, o responsável pelo design do 4-Rotor.
Veja bem, ele não desenhou o 2-Rotor GT,
apenas o 4-Rotor, e talvez por isso, ele o odiava. Muitos afirmam que ele se
negava a aceitar aquele protótipo como um Corvette. Corvettes deveriam ser
grandiosos, imponentes e com grandes V-8. Mitchell aparentemente também não
gostava de Porsches, e o GT tinha chassi de 914 por debaixo dos panos.
Era o suficiente para ele mandar
destruir o carro, que de um jeito ou de outro, acabou se perdendo nos Estados
Unidos e foi parar nas mãos de um colecionador chamado Tom Falconer. Hoje em
dia o carro está com um motor Mazda 13B, pois o original foi retirado ainda na
GM.
O 4-Rotor teve mais sorte que seu irmão
menor. Em 1976, Mitchell resgatou o protótipo de seu local de descanso e fez
algumas modificações. O motor de quatro rotores foi removido e o V-8 de 400
pol³ voltou para o carro, na mesma posição transversal. O carro foi rebatizado
de Aerovette. Este seria um dos últimos trabalhos de Mitchell na GM, que se
aposentou em 1977.
Três anos depois da saída de Mitchell,
em 1980, o então executivo-chefe Thomas Murphy aprovou o Aerovette para produção,
fruto de uma insistente campanha de Bill Mitchell para que sua criação se
tornasse o novo super Corvette. Estava tudo certo para o primeiro Corvette de
motor central e carroceria de metal entrasse na linha de montagem.
O único porém foi o fato de que tudo
gira em torno de três pilares nas grandes empresas. Dinheiro, dinheiro e
dinheiro. Os estrategistas e times de marketing estavam de olho no mercado, e
as vendas do Corvette convencional não eram das melhores. Pior do que as vendas
do carro atual, só as vendas de carros esporte europeus de motor central.
Obviamente, não era negócio seguir com o projeto, e foi o que ocorreu.
Foi o alívio do engenheiro-chefe Dave
McLellan, que assumiu o posto deixado por Duntov como o responsável pelo carro
esporte da GM. Dave sempre defendeu que a melhor opção para o Corvette era
manter a receita do motor V-8 dianteiro e a carroceria de compósito.
Hoje em dia, o Aerovette sobreviveu e
está muito bem guardado no Museu Histórico da GM. Este poderia ter sido um dos
grandes carros esporte dos anos 1980.
MB
Fotos: GM
Heritage Center, Car and Driver, Wikipedia, Greg Steinmayer
Interessante que o motor Wankel, que gerava muito interesse na GM dos anos 1960, foi cogitado para ser utilizado no nosso Opala, que na época estava sendo desenvolvido.
ResponderExcluirA idéia era importar motores convencionais para o seu início de produção, e, posteriormente, quando os Wankel tivessem seus problemas de vedação e consumo resolvidos, este motor seria produzido no Brasil e se tornaria o padrão para o carro.
Foi então que a GM chegou à conclusão que os problemas dos Wankel eram insolúveis para a época e a idéia foi abandonada.
BlueGopher,
ExcluirProcede mesmo essa informação sobre o motor Wankel ser cogitado para uso no Opala? Pergunto isso porque todo o projeto do Opala foi pensado, desde o início, para ter o menor custo possível, usando-se ao máximo peças de prateleira do grupo GM.
Abraço!
É verdade, Road Runner.
ExcluirFiquei sabendo durante uma conversa informal que tive com um diretor da montadora, responsável pelo projeto Opala.
Aparentemente foi uma idéia que não saiu do papel devido aos problemas de desenvolvimento que a GM americana estava tendo com o Wankel, na época.
Não foram feitos protótipos do Opala Wankel.
Eu nunca tive uma confirmação dessa história, sempre foram só boatos.
ExcluirVou tentar buscar mais informações e se conseguir, disponibilizo no AE.
Por isso a importância dos carros esportivos: são eles que testam as novas tecnologias. Pode reparar como quase toda boa ideia é testada primeiro pela divisão/parte esportiva da empresa (no caso da GM, os responsáveis pelo Corvette).
ResponderExcluirCada vez que leio essas histórias bacanas do grupo GM nos anos 60 e 70, fica evidente que as cabeças pensantes no grupo eram pessoas entusiastas, que se permitiam alguns devaneios, para criar modelos inusitados, fora do padrão comum de então. Mesmo havendo um controle de custos, foram criados modelos bem legais. Fato curioso é que os grandes da GM na época saíram praticamente em seqüência (DeLorean, Ed Cole, Duntov e Mitchell).
ResponderExcluirEu não consigo entender como uma motor compacto, com muito menos peças móveis e que trabalha de forma mais eficiente (na busca por performance) que um motor convencional não tenha vingado entre os esportivos. As vezes, penso que administradores de empresas deveriam ficar bem longe das áreas de engenharia e de tecnologia da informação das empresas.
ResponderExcluirA Mazda insistiu, e provou a viabilidade no uso dessa tecnologia - tanto que seu 787-B venceu em Le-Mans em 1989 na categoria Esporte Protótipos, e logo na seqüência, o uso de motores Wankel foi banido do regulamento - seria porque os grandes - ou melhor, tradicionais fabricantes - que disputavam a prova não teriam tempo hábil para desenvolver um motor a altura? Até hoje essa atitude é um mistério...
Em competição, o Wankel era ligeiramente superior sim, pois seu pequeno deslocamento se sobresaía em relação aos V-8 maiores, mas o importante é que não havia limitações de emissões de polutentes.
ExcluirPara os carros de rua, este detalhe era significativo, e demorou muito até que o Wankel fosse adequado aos regulamentos globais de poluição.