Calibrador de Vernier, Nônio ou paquímetro. Compacto |
Quando Henry Ford, criador do Modelo T e corajoso implantador do
processo de fabricação por linha de montagem, tarefas específicas, em seqüência
e cadência, desenvolveu seu primeiro automóvel, usou os métodos da época,
moldes, formas como base para a padronização das peças. Era, na nascente
atividade, caminho coerente, empregando tecnologia então atualizada e
disponível — especialmente a um mecânico talentoso, criativo, como era o
engenheiro Ford. A denominação engenheiro advinha do fato de cuidar de
um gerador de eletricidade, na companhia criada por seu empregador e amigo por
toda a vida, o inventor da lâmpada elétrica incandescente Thomas Alva Edison.
Sem formação acadêmica, sem freqüentar tal meio, tanto por tal distância
da sua realidade para os degraus superiores da academia e da tecnologia, e por
fatores diversos, em seus nascentes veículos havia discrepâncias, e nem todas
as peças eram rigorosamente iguais — em peças, conjuntos, veículos.
A ascensão de vendas, o ocupar espaço no mercado, o fazer veículos
simples, operacionais e resistentes, quando à época o foco geral era inspirado
nas carruagens e veículos de tração animal, DNA traçando caminho em tratamento
luxuoso e preço elevado. As diferenças criaram críticas, e à época se diziam
lançadas ao vento por Alexander Wilton, pequeno construtor de um veículo com o
nome do criador, caro e tecnicamente bem cuidado. Wilton, alimentava-se à
competição naquele pequeno e nascente mundo de carruagens sem cavalo, perder
uma corrida para Ford. Ambos — e apenas — alinharam para uma corrida em Grosse
Point, Detroit. Winton, engenheiro, fabricante de bicicletas e nascentes
automóveis, ficou assustado com a precariedade do sistema de direção do carro
de Ford, e o perigo que poderia representar, deu-lhe um de sua produção. Ford
ganhou porque seu carro não tinha freios, ao contrário do Winton... Que tempos.
Foi deste fato, disputa entre marcas dos insólitos veículos, e não de pilotos, surgiram investimentos e encomendas para Ford, laborioso técnico e agora vitorioso piloto. Na essência tais críticas miravam firme sobre qualidade alegadamente prejudicada pela quantidade. E os Wilton tinham-na em nível superior.
Ford era rápido em decisões e soluções, e pouco tempo antes contratara
alguns engenheiros e especialistas da Escandinávia, recomendados pela excelente
vivência e formação técnica. Contratara um destes engenheiros, e o sueco
Charles Sorensen, há pouco seu braço para os assuntos de técnica e fundição.
Este sugeriu aplicar equipamentos simples para verificação contínua de
medidas das peças. E garantiu, isto tornaria os Ford tão acurados em construção
quanto os Wilton e os carros de Henry Leland, engenheiro, empreendedor,
fabricante dos Cadillac — os primeiros estadunidenses a ter peças
intercambiáveis. Wilton e Leland eram reconhecidos em seu mercado como os
construtores mais dedicados à exatidão e à qualidade em seus produtos.
Sorensen listou as atividades de construção onde as medidas deviam ser
aferidas, e sugeriu, no atacado das etapas industriais, aferição de medidas e
volumes por JoBlocks. Era sistema criado por Carl Johansen, também
sueco, inspetor de qualidade da fábrica estatal de rifles, baseado na junção de
blocos metálicos com dimensões padrão. Cubos e barras de diversas medidas
exatas, de modo que sua soma e montagem dessem medida padrão. Também, o uso
de Caliper Rule — evolução do paquímetro de Vernier, criado
quatro séculos antes —, uma régua e suas variáveis, com duas escalas
sobrepostas.
Desdobrando-se |
Nônio, Vernier
Dita ferramenta de aferição não surgiu designada como paquímetro, como conhecemos, mas Calibrador de Vernier, quando apresentado ao final do século XVI. Era trabalho de Pierre Vernier (1580–1638), engenheiro de origem francesa, mas criado e estudado na Espanha, baseado nos estudos do português Pedro Nunes (1502–1558). Este, judeu, cristão novo, considerado o maior matemático luso, não estava à procura de maneira para medir pequenos objetos. Ao contrário, no período em que vivia Portugal estava em grande atividade de conquistas marítimas, descoberta de novas terras, formação de colônias, e o grande desenvolvimento da navegação lusitana gerou tecnologias de projeto e construção de barcos, assim como de série de aparelhos para a medição. Uma delas transferia as medidas tomadas pelo astrolábio, transpondo-a da aferição vertical para um plano horizontal, eliminando a deformação da medida na simples transferência de planos. Coisa complicada, raciocínio matemático, à base de uma teoria sobre triângulos. Coisa competente, inovadora — embora tenha demorado a ser absorvida e ter aplicação em uso nas viagens marítimas, foi rotulado vertendo-se ao latim o sobrenome Nunes — deu em Nonius que, em marcha à ré para o português, se transformou em Nônio ...
Dita ferramenta de aferição não surgiu designada como paquímetro, como conhecemos, mas Calibrador de Vernier, quando apresentado ao final do século XVI. Era trabalho de Pierre Vernier (1580–1638), engenheiro de origem francesa, mas criado e estudado na Espanha, baseado nos estudos do português Pedro Nunes (1502–1558). Este, judeu, cristão novo, considerado o maior matemático luso, não estava à procura de maneira para medir pequenos objetos. Ao contrário, no período em que vivia Portugal estava em grande atividade de conquistas marítimas, descoberta de novas terras, formação de colônias, e o grande desenvolvimento da navegação lusitana gerou tecnologias de projeto e construção de barcos, assim como de série de aparelhos para a medição. Uma delas transferia as medidas tomadas pelo astrolábio, transpondo-a da aferição vertical para um plano horizontal, eliminando a deformação da medida na simples transferência de planos. Coisa complicada, raciocínio matemático, à base de uma teoria sobre triângulos. Coisa competente, inovadora — embora tenha demorado a ser absorvida e ter aplicação em uso nas viagens marítimas, foi rotulado vertendo-se ao latim o sobrenome Nunes — deu em Nonius que, em marcha à ré para o português, se transformou em Nônio ...
Vernier, criador e construtor de aparelhos para a agrimensura, deu
função prática ao amplo trabalho e o simplificou com um aparelho baseado em
duas escalas sobrepostas e graduadas à base de 1/20 de milímetro, ou seja, 0,05 mm. No memorial
descritivo de sua invenção, foi digno e generoso, concedendo a origem ao estudo
do Nônio.
Então,
Com os JoBlocks equipe de metrologia conferia moldes,
matrizes, ferramentas. Na linha de produção os montadores, Caliper Rules nas
mãos, conferiam as peças construídas em casa, na grande operação verticalizada,
onde a diferença máxima era o mínimo aferido pelo Calibrador/Paquímetro de
Vernier. Para a tecnologia de hoje tal medida é coisa grosseira.
A ordem de Ford, digamos o Cala Boca, era simples, barato —
como gostava e exigia — porém foi uma sub-revolução econômico industrial no
processo, garantindo apuro, pouco refugo e qualidade no produto. Ford piscava cifrões e logo encontrou meio de ter resultado prático.
Chamou o sueco Johansen a uma associação e, maior fabricante de automóveis do
mundo, dinamizou o uso das ferramentas de aferição, gerando hábito industrial.
Até os concorrentes se tornaram clientes dos JoBlocks, dos
paquímetros, micrômetros e ampla lista de ferramentas produzidas pela empresa
especialista. Seu uso permeou para as indústrias menores, ferramentarias,
torneiros, oficinas, ampliando a qualidade em todos os setores. De se imaginar,
não houvesse a iniciativa a partir da empresa que se tornaria a maior
fabricante do mundo, com fábricas, importação, e todas as conseqüências incluindo
assistência técnica, escolas de formação de mecânicos etc., talvez a invenção
portuguesa, aprimorada na Espanha, fabricada na Suécia, demorasse muito tempo a
divulgar-se.
Tema curioso, começou como ferramenta marítima criada por um matemático,
e foi simplificada para uso prático e de varejo. O autor da teoria à época se
chamando Nunes, ficou importante no panorama mundial de ciências, e
teve o nome vertido ao latim, sendo tratado Petrus Nonius. Daí,
voltou à realidade portuguesa, traduzido como Nónio, uma ida e
volta no mesmo caminho, chegando a resultado diferente. Curioso, também, que a
criação do matemático de Portugal, e seu foco dado por um engenheiro na
Espanha, tenham se tornado referência mundial como fórmula acadêmica e
ferramenta prática, e que estes países atualmente não se destaquem no campo da
tecnologia.
Assim,
Li esta história há algum tempo e, pela curiosidade, escrevi publicando
texto superficial a respeito. Allah, clemente e misericordioso, invisível
defensor do Museu Nacional do Automóvel, apontou com seu potente
indicador como localizar, conseguir e importar um dos Caliper Rule,
cópia dos originais produzidos por Ford e Johansen, a se transformar em peça de
memorabilia no Museu.
É interessante. Constitui-se por quatro pequenas réguas de madeira,
unidas por dobradiças em latão, permitindo dobrar-se em duas, com delicados
pinos de encaixe para dar firmeza. Numa das partes corte abriga a haste de uma
peça em latão, assemelhada, a grosso modo, a uma picareta com apenas uma ponta.
As pequenas réguas medem 3“-7,51 cm; multiplicam-se por dois – 6”-15,1 cm; e, abrindo-se em
quatro partes atingem 12”- 30,04
cm. Dita picareta tem curso graduado de
3”– 7,51 cm.
Fechada, implementada pela citada picareta e dobradiça
central, vai a pouco menos de 8
cm de comprimento, 1 cm de espessura, 2,5 cm de altura.
Simples, prático, bem bolado, apesar de tanta teoria, matemática e história em seu caminho.
P.S.: E
paquímetro? Expressão grega utilizada no Brasil. Paqui,
espessura. Metro, medida. A imprecisão de um paquímetro é aferida
em medida própria: P=1-C/n, onde C é o comprimento do mininônio, e
n é o número de divisões do Nônio.
Totalmente aberto é régua de 30 cm |
RN
Quem diria que um instrumento tão simples, mas inovador, fizesse parte da revolução de Ford.
ResponderExcluirOff - Topic
ResponderExcluirVejam outra imbecilidade tupiniquim o Alô Senado fazendo a seguinte enquete:
"Você é a favor ou contra a proposta que inclui o limitador de velocidade entre os equipamentos obrigatórios de veículos (PLS 235/2003)?"
Tá difícil ser brasileiro.
J. Paulo
ExcluirTem ou não que mandar prender o Jorge Ben Jor por pregar que patropi é abençoado por Deus?
http://www.senado.gov.br/senado/alosenado/
Excluireste é o link, já votei.
Já votei. O diabo é que esta imbecilidade está ganhando.
ExcluirHahahaha.... essa foi boa Bob.
ExcluirÉ... E é provável que ganhem.
ExcluirDaqui a pouco os AUTOentusiastas viveremos como os cubanos, pois como os carros novos não dão mais prazer (limitadores, "assistências", peso excessivo, etc.), eu pelo menos vou ficar gambiarrando minha Parati quadrada até ela literalmente desmanchar na estrada devido à idade e ao uso.
ExcluirEsse pessoal tá de sacanagem, só pode... Onde já se viu colocar limitador de velocidade nos veículos?
ExcluirLimpe os cookies do navegador e votem novamente! rsrsrs
ExcluirEstou fazendo a minha parte!
Pagamos impostos absurdos e não recebemos estradas em mínimas condições de tráfego. A partir disso, recebemos leis e obrigatoriedades "guela abaixo" indo contra tudo e contra todo o resto do mundo desenvolvido... Democracia... quem precisa ?
ExcluirAlguns aspectos deste texto eu já conhecia, pois atualmente estou no terceiro livro da coleção "A história do automóvel", de José Luiz Vieira (Editora Alaúde). Vale a associação com a "invasão" dos asiáticos no início dos anos '70 que, pelo que li e aprendi, tinham menores tolerâncias em medidas nas usinagens e na fabricação em geral. Conforme palavras de um dos meus professores da faculdade "Um Charger zero quilômetro tinha sua primeira troca de óleo aos 1500km, e as duas posteriores em 2500km cada, sendo que antes das três primeiras não era aconselhado subir muito o giro e o motor deveria ser tratado com uma série de cuidados. No que os EUA abriram as portas aos japoneses, o pessoal de 'olhos puxados' te entregavam as chaves de um zero km dizendo: Volte para uma revisão daqui á 15000km."
ResponderExcluirHoje, com equipamentos de medição á laser, têm-se motores cada vez mais duráveis e de performance elevada. Muito obrigado, senhores milésimos de milímetros!
No Brasil do Século 21, a Volkswagen manda trocar o óleo a cada 5000km / 6 meses. Ou seja andamos pra trás...
ExcluirVai ver o Caliper Rule ainda não chegou lá!
ExcluirNasser,
ResponderExcluirbela história, não conhecia absolutamente nada sobre isso. Obrigado por compartilhar.
Conhece a piada que alemão é um português que aprendeu matemática ?
Talvez o Nunes tenha sido um dos poucos meio-alemães, daí a habilidade criadora.
Ele era "cristão novo", portanto judeu, então está explicado.
ExcluirEsse "caliper rule" mais parece um cruzamento de régua de pedreiro com um paquímetro rudimentar. Como a precisão daqueles automóveis não era crítica, devia dar pro gasto. Na verdade, o problema não é o instrumento de medida em si, mas convencer as pessoas a usá-lo e respeitá-lo. Aqui no Brasil, se você aparece com um desses, te olham torto.
ExcluirBelíssima história...Eu, engenheiro mecânico de formação jurássica não conhecia a origem do paquímetro...Fico pensando: Quanta informação se perdeu nestes ultimos milênios de existência da humanidade e suas invenções...Realmente na natureza nada se cria...Tudo se (desenvolve) copia!
ResponderExcluirAdoro o Autoentusiastas justamente pelo alto nível técnico exposto de maneira simples. Por mais que este texto seja simples ele trata de algo muito importante e fundalmentalmente técnico.
ResponderExcluirHistória interessantíssima, desconhecia completamente a origem dessa ferramenta de versatilidade incrível que é o paquímetro.
ResponderExcluirNossa "Terra Brasilis', talvez nem agora, século 21, tenha alcançado o nível técnico exibido pela Ford no século passado, exceto em algumas e honrosas exceções representadas por empresas sérias e competentes, porém em meio à massa ignara, a plebe, a ralé chamada, com certeza, estamos longe, muito longe, de determos capacitação técnica para o uso de um simples fio de prumo, de um esquadro e de um medidor de nível, essenciais para qualquer obra de construção, por simples que seja; temos pedreiros, carpinteiros e marceneiros, em sua maioria incapazes de construirem vãos de portas e janelas que sejam no esquadro e prumo, encaixes e ângulos retos e acabamento pelo menos sofrível. O resultado, qualquer pessoa que adquira um imóvel e tenha um minimo de senso de simetria, já sabe, cantos arredondados, vãos fora de esquadro tapados com massa, peitoris e soleiras que retêm agua, cerâmicas que não acompanham as paredes e estas quase sempre tortas e fora de prumo; talvez nos tenha faltado um Ford, ou quiçá, um Nunes!
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