Lembra muito pouco um Mercedes-Benz |
A Mercedes-Benz também
fez um carro popular ("volkswagen", apenas um termo, não a marca como conhecemos hoje) para atender ao requisito do governo nacional-socialista
alemão, mas, ao contrário do Fusca, foi um enorme fracasso e produzido em
baixo número.
Sem dúvida, é o carro
menos conhecido da marca e, tal como o Fusca, que todos sabem do que se trata, tem motor
traseiro de quatro cilindros, mas em linha e arrefecido a água. Foi considerado um motor de quatro cilindro horizontais opostos arrefecido a água, mas o quatro-em-linha acabou sendo escolhido.
Apresentado no Internationalen Automobil- und Motorrad-Ausstellung (IAMA), ou Mostra Internacional do Automóvel e da Motocicleta, em Berlim, março de 1934, o 130 H ("H" de Heckmotor, motor traseiro em alemão) provocou muita discussão com sua dianteira sem grade
de radiador. O choque foi
grande, já que se tratava de um carro com a função de ser o "popular" da marca conhecida pela qualidade de seus produtos de luxo, além de ser muito mais
compacto que qualquer outro com a estrela de três pontas sobre a dianteira,
além do pequeno motor 1,3-litro de quatro cilindros e na traseira, ambos primeira vez na marca.
Interior simples porém bem fabricado |
Foi também notório o fato
de a imprensa automobilística alemã nada saber e por isso não publicar notícias prévias a respeito do carro
durante seu desenvolvimento, como é comum, denotando o completo sigilo da
empresa em seu trabalho ao longo do tempo.
Este projeto ambicioso
foi um passo corajoso da marca, saindo totalmente da tradição, a ponto de
no folheto distribuído no salão se ler que o 130 H era “Sem dúvida, um dos mais
interessantes problemas que tiveram que ser solucionados na engenharia
automobilística”. Essa atitude não foi voluntária, já que a situação econômica
da Europa tinha se tornado muito dura.
Para desenvolver novos
mercados, as fábricas precisavam do “carro do povo”, para também atender as
exigências do governo que chegara ao poder um ano antes. Josef Müller, um dos
engenheiros que trabalharam no projeto do 130 H, chamado de W23 dentro da Daimler-Benz, escreveu em suas
memórias que os tempos dos carros grandes e luxuosos tinham acabado. Como
engenheiro, Müller gostou muito do desafio que fora entregue à equipe de
Stuttgart.
O conceito de projeto
parecia oferecer o melhor compromisso possível, e um exemplo disso era todo o
trem de força compacto e colocado na traseira, motor, transeixo e suspensão,
como se fosse um único bloco, para fazer o trabalho de manutenção ou consertos
bem simples e baratos em conseqüência.
O chassis de aço com túnel central funcionava como o apoio da carroceria, também de aço, em duas travessas. Os passageiros traseiros se sentavam, assim, adiante do eixo
traseiro, não sobre ele, fazendo o conforto superior aos carros de então, sendo
o 130 H o melhor carro nesse quesito produzido na Alemanha.
O engenheiro-chefe Hans
Niebel já havia percebido, em 1930, que era preciso correr. A companhia não
podia deixar as idéias florescerem apenas nos concorrentes no atendimento ao
governo alemão. Os times de engenharia de vários campos de atuação da Hanomag,
Steyr ou Tatra estavam efervescentes trabalhando nas soluções. Ferdinand
Porsche, o ex-engenheiro chefe da Daimler-Benz, havia trabalhado para a Zündapp
e NSU e lá ajudado nas definições e construção de protótipos funcionais de
carros de mesmo objetivo, que só seria atendido muitos anos depois, após o
final da Segunda Guerra Mundial, com o mais conhecido carro de todos os tempos, o Volkswagen sedã, apelidado e depois denominado oficialmente Fusca no Brasil.
Não há como não lembrar do Fusca, que viria depois |
E a Mercedes-Benz respondera aos anseios muito mais rapidamente, já que o 130 H entrou em produção no final de 1933, trazendo a característica principal de projeto realmente novo, e não um carro pequeno feito segundo as linhas mestras dos carros grandes da marca, ou de outra que pudesse ser copiada. Havia, sim, a preocupação de deixar isso bem claro ao povo alemão, para que houvesse interesse comercial e, óbvio, dinheiro entrando em caixa, mesmo com o nada normal motor traseiro.
Foi dada atenção
especial ao espaço interno, que era de carros médios, apesar das dimensões
externas contidas (4.050 mm de comprimento, 1.520 mm de largura e 1.510 mm de altura),
e com o conforto provindo dos 2.500 mm de distância entre eixos e da suspensão traseira independente — sem os trancos dos eixos rígidos de conceito
pós-carruagem — por semi-eixos
oscilantes com molas helicoidais, como nos carros grandes da marca desde o início (e como viria a ser no Fusca, porém com barras de torção). Na dianteira independente havia um feixe de molas transversal de duas lâminas que servia como braço superior da suspensão, mesma solução do DKW Front de 1932.
Pouco espaço para bagagem, mas bom para quatro pessoas |
Protótipo do chassis com o motor arrefecido a ar |
Nesse outro, o motor arrefecido a água |
Transeixo entre a bifurcação do chassis, como no Fusca. Note as travessas de apoio da carroceria |
Em 1931 já havia doze
protótipos com o motor a gasolina arrefecido a ar de 26 cv a 3.600 rpm, mais
alguns com unidade Diesel de 30 cv. Ao final, o de ciclo
Otto de arrefecimento a líquido mostrou-se o mais adequado para entrar em produção. Com cilindrada de 1.308 cm³ (70 mm de diâmetro dos cilindros e 85 mm de curso dos pistões), válvulas verticais no cabeçote e carburador de fluxo ascendente, desenvolvia 26 cv a 3.400 rpm e 6,8 m·kgf de torque máximo a 1.800
rpm, aliado a uma taxa de
compressão superbaixa de 6:1, necessário para a gasolina de baixa
octanagem da Alemanha nos anos 1930. Alcançava 92 km/h
Vista superior do 4- cilindros contrapostos |
Vista lateral do mesmo motor e transeixo |
Qualquer pessoa
habituada a automóveis diria com certeza que os problemas de arrefecimento
seriam muito fáceis de ocorrer com essa configuração. Mas a Mercedes-Benz,
muito tecnicamente administrada já naquele tempo, obteve dos especialistas da
Behr (empresa dedicada a arrefecimento de motores e aquecimento de cabine, existente até hoje e com filial no Brasil), resultados e conselhos decorrentes de testes em túnel de vento, que
mostrou que a posição de melhor eficiência para o radiador era na frente do
motor, com ventilador para auxiliar na velocidade e constância de fluxo. Esse
ar entrava no compartimento do motor por aberturas debaixo dos vidros laterais
traseiros.
Dois 130 H, um fechado e um cabrio, em exposição de antigos |
As aberturas de tomada de ar para o motor |
Havia quase dez litros de fluido de arrefecimento, mas mesmo assim,
a temperatura não era nunca a melhor, o que levou a atuais colecionadores do
modelo a adotar cortes na tampa do motor para permitir saída de ar do
compartimento, uma maneira muito simples e lógica e que deveria existir em
qualquer carro, mas que são raras ainda hoje, nesse tempo de motores hiperquentes que causam queimaduras facilmente em quem se atreve a mexer em seus
alojamentos, mesmo sem tocar no motor propriamente dito.
Na área de estabilidade,
uma preocupação em carros com motor "pendurado" atrás do eixo traseiro: o líder
de engenharia de chassis Max Wagner não estava feliz com as escolhas de maciez
de pneus e molas, que só foram melhorados após muitos testes práticos com a
frota de protótipos, que levaram também a alterações em dureza de buchas de
borracha tanto da suspensão dianteira quanto da traseira. Não se pode afirmar
que a finalização foi perfeita, já que mesmo dentro da empresa, nessa época,
era comum dizer que o 130H escapava de traseira e rodava quando abusado. Os
freios de tambor nas quatro rodas de acionamento hidráulico eram
adequados à massa de 880 kg em ordem de marcha, mas já marginais com os mais
440 kg de carga, 50% da massa básica.
Ao ser entregue à
revistas e jornais da época para teste o resultado foi claro. O carro tinha um
comportamento longe do ótimo, sendo sensível em demasia a ventos laterais e
diferenças de pressão de pneus.
Isso gerou desconfiança
em potencias compradores, o que levou a problemas e tensões dentro da área de
vendas da Mercedes-Benz, que divulgava maciçamente as cartas com opiniões
positivas de compradores satisfeitos. A efetividade da tração era um
ponto forte do carro, já que com duas pessoas a bordo 75% da massa ficava
sobre as rodas traseiras.
Com teto aberto, carro de curtição |
O desempenho era normal
para a década 1930, com os mais de 90 km/h já descritos e aceleração de 0 a
70 km/h em 30 segundos. O consumo rondava os 10 km/l, dando 300 km de autonomia
com o tanque de 30 litros.
Mas o preço de 3.375
RM (reichmarks, marcos imperiais) fazia o modelo muito caro para a época e ao cliente que se dirigia (um Opel P4 "volkswagen" custava 1.450 RM), e seu
objetivo de ser um “carro do povo”. Foram produzidas apenas 4.298 unidades entre 1934 e
1936. Não se obteve a revolução com esse modelo, nem com o 150 H, feito apenas em versão roadster com motor
central ou o 170 H com motor de 1,7 litro que o sucederam.
JJ
Fotos:
blog.mercedes-benz-passion.com; media.mercedesbenz.com; mercedes-fans.de
Para quem quiser ver um bichinho desses (versão 170H) andando - e em português -, é só clicar aqui.
ResponderExcluirAlexandre Zamariolli,
ExcluirMuito bom o vídeo.
O milagre é ainda ter sobrevivido um carro inteiro que fosse, após a tempestade de bombas que atingiu a Alemanha na II Guerra Mundial... milhões de quilos de bombas que explodiram lá e que até hoje em dia acham enterradas.
ResponderExcluirPost fantástico, no padrão AutoEntusiastas !
Xracer,
Excluirmuito obrigado pelas palavras.
E quem quiser ficar a um metro de um deles, basta ir ao museu Matarazzo em Bebedouro-SP. Corra antes que acabe. Frequento lá desde 1990 e algumas preciosidades estão sumindo silenciosamente, no abandono de público que sofrem nossos museus. Além das catástrofes naturais que o museu já sofreu.
ResponderExcluirLá tem um modelo 120h/130h com o emblema frontal Mercedes já trocado por um moderno e maior. Carro todo preto, não me lembro do teto, se rígido ou lona.
Essas fotos do chassis, comandos e mecânica no post me lembra o livro sobre Josef Ganz, cada vez mais acredito que meu ídolo Porsche foi um ladrão de idéias desse pobre jornalista-engenheiro e judeu.
Luiz CJ.
Pois é! Se metade do que está descrito no livro for verdade ( e acredito que é! ) o qual tem uma preciosidade impar de informações técnicas e desenhos, Josef Ganz precisa de algum reconhecimento ( Mesmo que póstumo! ) Pois tudo que vimos como genial em automóvel alemão á época, havia sido veementemente criticado e combatido pelas tradicionais montadoras germânicas.Estando Ganz preso e perseguido pelo racismo factóide antisemita de Hitler, foi escancaradamente copiado e as cópias apresentadas pelos apadrinhados do regime como "Soluções originais!" Uma história que merecia ser melhor contada... Sabemos que todos nós ,humanos, em alguma parte de nossas existências demonstramos um lado negro de nossa indole, que sabe a de Porsche tenha sido esta...Nos dias de hoje, seria um simples "case" de oportunismo...
ExcluirHüttner
ExcluirÑão caia nessa do Josef Ganz. Ele nada mais fez que seguir a onda da época, o Zeistgeist (espírito da época, em alemão) de carros com chassi de túnel central e era praticamente um microcarro, impraticável. Além disso, seu caráter é longe de ser elogiável, uma vez que ele era editor da revista de automóveis alemã Motor-Kritik e, ao mesmo tempo, consultor técnico da Daimler-Benz, BMW e Hanomag, atividades completamente conflitantes – seria o mesmo que eu ser consultor de alguma fabricante. Isso está no livro sobre ele, "A verdadeira história do Fusca", de Paul Schilperoord, 2011, disponível na editora Alaúde. Li o livro e quando vi essa parte fiquei chocado. Tem também na Amazon.com, "The Extraordinary Life of Josef Ganz: The Jewish Engineer Behind Hitler's Volkswagen.
Perfeito, Bob. Ganz era na realidade um marqueteiro de 1a classe. Durante os anos 20, através da revista "Motor-Kritik", ele defendeu o conceito de carro popular com motor traseiro, mas não foi o inventor deste esquema construtivo. O criador foi Edmund Rumpler, logo após a 1a Guerra. Ganz chegou a desenvolver um modelo chamado Standard Superior na fábrica Gutbrod, mas não obteve grande sucesso por vários motivos. A Hanomag tambem construiu um carro pequeno com esta disposição nos anos 20 e obteve excelentes vendas. O auto era chamado "Komissbrot" (pão de soldado raso) devido a seu desenho. A originalidade só existiu na propaganda pessoal de Josef Ganz. AGB
ExcluirVou repetir minha resposta pois tenho alguns problemas de conexão. Josef Ganz era um marqueteiro de 1a classe. Ele se notabilizou por defender o conceito de um carro popular com motor traseiro mas não foi o 1o a desenvolver essa idéia. O precursor foi Edmund Rumpler, logo após a 1a Guerra. Ganz chegou a desenhar um veículo daquele tipo, construído pela fábrica Gutbrod com o nome de Standard Superior. Não teve sucesso por vários motivos. E durante os anos 20, a Hanomag produziu o modelo 2/10 de motor traseiro com excelentes vendas. Ele foi apelidado "Komissbrot" (pão de soldado raso) devido a suas linhas. Portanto Ganz não inventou o Volkswagen. AGB
ExcluirO Bob bem explicou e acrescento apenas que Ferdinand Porsche ficou na cultura popular como o criador de todo o conceito fusquiano devido à sua grande habilidade em tratar com o governo alemão, além de um poder de síntese de idéias grandioso, sabendo aprender tudo que havia antes e juntar em um projeto, o nosso amado Fusca.
ExcluirIncrível, JJ! É o tipo de carro que gosto.
ResponderExcluirNão lembrei do Fusca ao ver a foto de abertura do post, e sim do Fiat Topolino, embora seja menor, e do Opel Kadett dos anos 30.
Sinceramente eu gostei do carro, principalmente de seu interior simples.
ResponderExcluirMas na época, entre o s dois e mesmo se custassem o mesmo preço, eu ainda ficaria com o Fusca.
Carrinho muito interessante; de fato, muito diferente de tudo que pensamos quando se fala em Mercedes-Benz.
ResponderExcluirBelo post!
Que Mercedinha graciosa!
ResponderExcluirNo decorrer da leitura, imaginei que o único motivo do fracasso seria o preço, mas pelo jeito não foi só isso.
Muito bom o post gostei muito !
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