Endurance 2014 será estilo tudo junto e misturado
Busca da eficiência energética faz FIA explorar a marca Le Mans e reorganizar o Campeonato de Endurance para 2014. Protótipos de fabricantes e particulares serão equiparados e GTs terão uma única classe a partir de 2015
O Audi R18 vencedor em Interlagos (foto de Luca Bassani) |
Interlagos, de certa forma, parecia ter voltado aos bons tempos da Fórmula 1 no último fim de semana. Uma reflexão mais cuidadosa do ambiente que reinou nas Le Mans 6 Horas de São Paulo – prova vencida pelo Audi R18 e-tron quattro de André Lotterer, Benoit Trévluyer e Marcel Fässler –, reforçava esse viés em uma direção ainda mais romântica: a grande era do Mundial de Construtores, quando grandes marcas de carros esporte e outros nem tanto investiam pesadamente nas corridas de longa duração. Não importa sua idade: se você gosta de automobilismo de verdade certamente já imaginou aquele Chaparral 2F com um enorme aerofólio, o icônico Ford GT 40 e o Ferrari 330 P4, a expressão de beleza mais próxima da unanimidade que um carro de corrida pode ter.
A proposta do regulamento da FIA para o WEC (da sigla em inglês para Campeonato Mundial de Resistência) de 2014 é a de incentivar a pesquisa e o desenvolvimento de novas soluções de energia através do controle de fluxo.
Vale lembrar que dentro deste espírito de promover inovações o Chaparral trouxe ás pistas uma versão eficiente de câmbio automático e aerodinâmica avançada, o Ford GT 40 consolidou a identidade de carros de corrida e o Ferrari 330 P4 simplesmente foi a Ferrari em seus melhores dias.
O Ferrari 330 P4 em Daytona 1967 (foto de arquivo pessoal) |
Para apaixonados por corridas chega a ser pueril a
mensagem subliminar de usar o esporte para aprimorar formas de utilizar novas e
diferentes fontes de energia com combustíveis fósseis, hidrogênio, eletricidade
ou qualquer outra que faça um automóvel andar mais rápido que outro. Após um
longo período de ostracismo da categoria dois fatores ajudaram a tornar mais palatável
essa empreitada: o apelo mercadológico da marca Le Mans e a decisão do atual
presidente da FIA, Jean Todt, comprar essa idéia.
No que diz respeito ao lado político, a julgar pelo que
apurei em conversas com porta-vozes e gente importante no mundo do WEC, nem
mesmo uma troca no comando da Federação Internacional do Automóvel vai afetar o
futuro da categoria. Por que isso preocuparia? Entre vários outros motivos há
de se considerar que a maior fonte de renda da entidade é a Fórmula 1, que
repele, tem ojeriza, sarampo e catapora a qualquer categoria que possa vir a dividir
o palco e as verbas publicitárias com seu mundo de Grandes Prêmios. O antigo
presidente da FIA, Max Mosley, é uma espécie de compadre de Bernie Ecclestone e
tinha mais olhos para a F-1 do que outra coisa. Por isso, a possibilidade de
Jean Todt não ser reeleito para um novo mandado a partir de 2014 poderia criar
uma situação embaraçosa para quem apostou no Endurance. Agrava este cenário o
fato que o adversário de Todt, David Ward, é “brother” de Mosley.
O que põe panos quentes nessa história é o envolvimento
do Automobile Club de L´Ouest, o ACO, proprietário da 24 Horas de Le Mans e dos
direitos sobre esta marca. Não são poucos os que dizem que Le Mans e sua
corrida tem um valor mercadológico – aquela coisa que os marqueteiros de plantão
chamam de “intangíveis” –, superior a qualquer outro evento esportivo,
inclusive os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo de Futebol.
O Toyota TS030 Hybrid usa tração traseira (foto de Luca Bassani) |
Como os valores que essa turma adota são de outro mundo,
não sou eu quem vai pagar para ver se isso é verdade ou história de pescador. O
que eu não vou discutir é que o trabalho iniciado pelo ACO há algum tempo
começa a dar resultado e o mundo das corridas de longa duração voltou a ter a
proeminência. embora ainda não tão exuberante quanto nos anos 1960/70. Verdade que
enquanto Bernie Ecclestone estiver vivo será difícil destituir a F-1 do trono de
queridinha, mas julgando-se o interesse cada vez mais relativo que as novas
gerações nutrem pelo automobilismo, a receita de eficiência energética e o
interesse dos grandes produtores vai naturalmente conduzir mais recursos para o
Endurance.
A política de recuperação do WEC passa pelo modelo de
entretenimento que as etapas do certame oferecem e que incluem atrações típicas
de parques de diversões e custos mais acessíveis ao grande público – pelo menos
nesta fase de recuperação de mercado. Agregar o nome Le Mans às provas também
ajuda e nos Estados Unidos a IMSA e categorias semelhantes deram lugar à American
Le Mans Series. Coincidentemente, Emerson Fittipaldi tenta se estabelecer como
promotor de corridas num nicho semelhante ao explorado pelo seu pai: foram
Wilson Fittipaldi – o Velho Barão –, e Eloy Gogliano, os idealizadores da Mil
Milhas Brasileiras, evento mais próximo de Le Mans que o automobilismo
brasileiro já teve.
Porsche testa novo carro em Weissach (Foto Porsche Media) |
Embora a Toyota também esteja envolvida no WEC, tudo
indica que no ano que vem a briga de cachorro grande será entre a Audi e a
Porsche, o que naturalmente faz lembrar a rivalidade entre a marca das quatro
argolas (Auto Union) e a da estrela de três pontas (Mercedes-Benz) durante a década de 1930,
quando Adolf Hitler custeou a participação das duas fábricas nos grandes prêmios internacionais num exercício promocional para divulgar a superioridade
germânica nas pistas mundiais. Oito décadas mais tarde a rivalidade tedesca é
ainda mais concentrada: Audi e Porsche fazem parte do conglomerado liderado
pela VW...
Espera-se que essa rivalidade doméstica traga soluções mecânicas
distintas sob o capô de suas respectivas máquinas. O regulamento da classe LMP
1, a mais importante da categoria, é propício para isso: a única limitação para
os motores será o fluxo de energia, solução encontrada para prestigiar a eficiência
dinâmica, e algo que será medido em joules. Um equipamento padrão e de
propriedade da FIA, será o ponto comum a todos os concorrentes oficiais e já
está sendo usado no desenvolvimento dos motores de 2014. Esta central
eletrônica terá também a incumbência de que ajustar o volume de combustível fóssil
usado ao volume de energia produzida pelo sistema híbrido. Segundo um
engenheiro consultado “é aí que está o nó da questão, já que será algo difícil
de ser equalizado”. A F-1 já usa uma central eletrônica padrão criada e desenvolvida
pela McLaren, mas a FIA esconde a sete chaves quem criou e produziu a caixa
preta para a categoria Endurance.
Tanto a Porsche quanto a Audi e a Toyota, três marcas que
já anunciaram participação na temporada de 2014, não revelam detalhes técnicos de
suas próximas máquinas, mas há rumores que a Porsche virá com um motor de cilindros
em linha, já que seu protótipo tem apenas uma saída de escapamento no capô
traseiro. Pelas fotos divulgadas esta semana, a dimensão semelhante dos pneus
traseiros e dianteiros indicam que se trata de um carro com tração nas quatro
rodas, tal qual o rival alemão. A Toyota deve manter o uso de gasolina enquanto
a Audi provavelmente continuará colhendo frutos do progresso obtido com a
combinação de motores Diesel, no eixo traseiro, e híbridos (um por roda), no eixo
dianteiro. Externamente os carros serão mais estreitos e mais altos, como já se
pode notar no protótipo que a Porsche testou esta semana em sua pista no campo de provas
de Weissach, Alemanha.
Equipes particulares terão menos restrições (Foto de Luca Bassani) |
Não bastasse essa disputa que também movimenta o mercado
de pilotos, as equipes particulares terão menos restrições, com liberação da
quantidade de combustível para tornar seus carros mais competitivos. Embora essas equipes disputem a mesma categoria nas corridas, para fins de
campeonato estas vão lutar pelo Troféu FIA Endurance para equipes Particulares,
enquanto as equipes oficiais vão concorrer ao titulo dos Construtores do Campeonato
Mundial de Endurance da FIA.
Classe LMP 2 terá preço limitado (foto de José Mário Dias) |
Para o pessoal que escolhe carros menos potentes, nem por
isso menos exóticos, a FIA pretende estipular o preço máximo de € 440 mil para
um chassi completo e controlar os custos de manutenção e peças de reposição. A
preocupação se justifica pela leitura dos grids da categoria, que segundo a
entidade “dobraram em três anos e devem seguir crescendo”.
No aspecto comercial mais perto dos carros de rua, as diversas classes que compõem a categoria GT deverão ser unificadas por questões puramente ligadas à produção: uma fábrica vende anualmente entre 10 a 15 unidades com especificação GTE – os mais sofisticados tecnicamente –, contra até 150 da classe GT3. Ao unificar a especificação espera-se obter alguma economia de escala e um GT3 mais eficiente, mas esta alteração só é esperada para entrar em vigor em 2015.
FIA quer unificação da classe GT (Foto de José Mário Dias) |
A coluna "Conversa de Pista" é de total responsabilidade do seu autor e não reflete necessariamente a opinião do AUTOentusiastas.
Considero simplesmente absurda essa mania do "Tio Bernie" dar atenção total única e exclusivamente à Fórmula 1, deixando de lado outras competições que considero mais empolgantes e competitivas, caso do Mundial de Endurance e o Mundial de Rali. Ainda bem que, no caso do WEC, apareceu outra entidade de peso para promover a imagem das competições.
ResponderExcluirInteressante texto, Wagner. Várias informações que eu não conhecia.
ResponderExcluirO que me intriga atualmente é a atual situação da classe LMP1. Atualmente só há quatro carros competindo nessa classe - a saber, dois carros da Audi, um da Toyota e um da Rebellion. E, com essa segregação entre equipes privadas e equipes de fábrica, significa que a Rebellion está disputando sozinha, sem concorrentes, nessa segunda metade da temporada. Creio que isso tire um pouco o brilho da classe mais interessante da WEC.
Também vejo com bons olhos essa unificação das classes. Colocar todos os carros da LMP1 em um só campeonato, além de deixar a disputa mais interessante, facilita o entendimento do público em geral. E unificar as classes GTE e GT3 é brilhante, pois permitirá que mais equipes e fabricantes participem da categoria. Seria muito interessante ver Audis, Mercedes, McLarens e BMWs se juntando a essa classe.
Jean Todt tem feito um ótimo trabalho como presidente da FIA, pois conseguiu mostrar que automobilismo não se resume somente à Formula 1 e conseguiu trazer mais destaque para as demais categorias. Tomara que o seu sucessor seja capaz de continuar esse belíssimo trabalho.
Ha alguns posts atrás se eu não me engano fiz um comentário questionando o Bob sobre as tais classes, venho aqui deixar novamente a ideia de um post sobre isso para os mais novos como eu tentarem entender isso.
ResponderExcluirÉ meio estranho para mim ouvir classe X, Y, categoria tal, que quando tal classe foi extinta o automobilismo mudou...enfim... se possível gostaria que fosse detalhada essa salada de fruta que a FIA e sua antecessora fazem/fizeram tanto nos rallys como no automobilismo em geral.
Carlos - Arapongas/PR
Se me permitem, serei apenas um pouco romântico.Sempre (desde criança) os protótipos, na época Matras, Porsches, ferraris etc... ocuparam a maior parte da minha paixão por corridas. Concordo quando o Wagner diz que a 330 P4 é o mais lindo carro de corridas jamais construido e lembrar dos demais carros como o Lola T222 - nosso Avallone D4 -, pensar no clima de uma corrida como Le mans, onde as pessoas vão preparadas para aguentarem firmes até o fim, tendo para isso toda uma estrutura de entretenimento e conforto e saber que isso está voltando é sem dúvida a melhor notícia dos últimos anos para, quem como nós, gosta deste esporte
ResponderExcluirWG, dá para comentar o motogp também? A categoria anda emocionante com a chegada do estreante Marc Marquez.
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