Mais uma vez os paulistanos tiveram a oportunidade de ver de perto as incríveis máquinas de Le Mans. Os mais sofisticados carros de corridas de longa duração estiveram em Interlagos no fim de semana 31/8-1/9 para a segunda edição da "6 Horas de São Paulo", corrida que é parte do calendário oficial do WEC (World Endurance Championship – Campeonato Mundial de Longa Duração), uma parceria da FIA (Federação Internacional do Automóvel) e do ACO (Automobile Club de L'Ouest), esta a entidade promotora e detentora dos direitos da 24 Horas de Le Mans.
Émerson Fittipaldi foi novamente o promotor do evento, uma alternativa aos costumeiros eventos do nosso automobilismo como Stock Car e Fórmula Truck, os únicos que atraem algum público. A estrutura montada foi maior que a do ano passado, com mais atrações para quem não estava muito focado com o que acontecia na pista. Le Mans possui um grande parque para entretenimento durante todo o evento. É tradicional e faz parte da corrida, e foi tentado fazer algo parecido em Interlagos.
As corridas preliminares de motovelocidade e da Porsche Cup completaram a gama de atrações na pista. Infelizmente alguns acidentes nestas duas categorias deixaram pilotos feridos. Já na 6 Horas, a corrida não teve acidentes sérios, mesmo tendo sido necessárias diversas intervenções do carro de segurança.
O Audi R-18 e-tron, destaque da prova pela velocidade e silêncio |
A Audi conseguiu a vitória com o incrível R-18 e-tron, que teve uma corrida tranqüila depois do Toyota, seu principal rival, bater com um Lotus que tomava uma volta e ficar fora da corrida. Este ano, a Audi participou com dois modelos e-tron, os "Fantasmas de Ingolstadt", que com sua pintura branca e prata e rodar silencioso, destoam do que estamos acostumados a ver e ouvir.
Alguns detalhes dos carros da categoria chamam a atenção, se comparados com os modelos do ano passado. Vemos claramente a evolução dos conceitos, principalmente de aerodinâmica, em todos os carros, de todas as categorias.
Ano passado a Toyota conseguiu a vitória em Interlagos, como mostramos aqui no AE. A diferença do sistema de tração híbrido entre os dois carros dava uma pequena vantagem ao bólido japonês, uma vez que a potência extra do sistema elétrico podia ser despejada nas rodas a qualquer momento, e nos Audis, apenas acima de 120 km/h. Esta diferenciação foi imposta por regulamento. O Audi, ao utilizar o sistema de motorização elétrico, tornava-se um carro com tração integral, enquanto que o Toyota era sempre tracionado pelas rodas traseiras exclusivamente.
Formação de largada, parte da categoria LMP2 e GTE |
Também em Interlagos, no ano passado, o Toyota estava correndo com a controversa asa traseira com extensores, que foi provado legítimo pelos comissários técnicos. Qual o “pulo do gato”? Os japoneses conseguiram enquadrar as extensões da asa traseira como sendo, na verdade, parte da caixa de roda. Contamos também aqui no AE. Já este ano, o número de adeptos a este recurso aumentou significativamente.
A Audi fez uso dos extensores, bem como a Toyota e a Rebellion. Este recurso é extremamente eficiente, pois amplia a capacidade de geração de força aerodinâmica consideravelmente, uma vez que a parte posterior do carro recebe grande fluxo de ar. Em termos absolutos, a força gerada não é grande se comparada com a asa propriamente dita, mas considerando o tamanho e o peso destes complementos, é um ganho considerável.
Audi R-18 de 2012, sem os extensores da asa traseira |
Asa traseira do R-18 deste ano, detalhe do extensor da asa traseira |
A parte dianteira do Audi não teve grandes alterações em relação ao ano passado. Pequenos ajustes nas aletas e no formato do defletor dianteiro já foram suficientes para melhorar o comportamento do carro.
Dianteira do R-18 em 2012 |
Dianteira do R-18 de 2013, quase sem alterações |
A Audi ainda fez alterações na parte inferior do carro, melhorando o fluxo de ar sob o carro e ganhando em downforce (força vertical descendente) e reduzindo o arrasto aerodinâmico. Como o regulamento atual restringe bastante o tamanho das asas, a solução é usar a carroceria do carro todo para ganhar o máximo possível em eficiência. A quantidade de ressaltos, aletas e direcionadores de fluxo de ar ao redor do habitáculo é algo impressionante.
Detalhe da traseira do Audi, pequenas alterações no extrator de ar |
Não é uma novidade para 2013, mas ainda assim é curioso, os pára-lamas dos carros da LMP estão com a parte de cima abertas. É possível ver o pneu pela abertura. Isto serve para melhor trabalhar com a região de pressão que se forma dentro da caixa de roda e sua influência no resto do carro.
No passado, a caixa de roda era totalmente fechada, depois vieram as aletas de ventilação, que permitiam a ligação do interior da caixa de roda com a parte externa, assim o ar poderia fluir para fora dela. Agora, retiraram as aletas e ficou mesmo uma abertura quadrada. Com o passar dos anos, os conceitos foram sendo aprimorados, e o que anteriormente parecia ser prejudicial à aerodinâmica, torna-se favorável, se bem concebido.
O solitário Toyota branco e azul, único verdadeiro rival à altura dos Audi, começou bem os treinos e na primeira sessão fez o melhor tempo (1:21.881; o melhor tempo do fim de semana foi do Audi de Tom Kristensen com 1:21.177 na corrida).
Algumas alterações na carroceria do Toyota também demonstram a evolução do carro do ano passado para este. A dianteira do carro mudou bastante, com novas coberturas das rodas e faróis mais largos. Este desenho já passou por pistas de alta velocidade e mostrou-se mais eficiente.
Toyota TS030 em Interlagos, 2012 |
Detalhe da dianteira do TS030 deste ano, faróis e caixa de roda mais largos, nova forma das aletas |
Asa traseira do Toyota deste ano, extensores da asa traseira mais altos que o fechamento da asa |
Vista traseira do Toyota em 2012, Interlagos |
Versão 2013 do Toyota, com modificações no extrator, asa traseira e até nos recortes da lateral do carro |
Vimos em Le Mans que tanto a Audi como a Toyota estavam com carro mais longos, ao estilo “long tail” (em inglês) ou "langheck" (em alemão) dos carros dos anos setenta, em menor escala. Como Interlagos é uma pista de média velocidade para estes carros, a configuração convencional de carroceria foi usada pelas duas equipes.
Fora os modelos híbridos, o carro da equipe particular Rebellion, era o mais veloz. O carro utiliza um chassi Lola e motor Toyota, diferente do que o TS030 usa. A Toyota fornece motores para equipes particulares, assim como a Ferrari faz na F-1. Obviamente, não é no mesmo patamar de desempenho dos motores da equipe oficial, tampouco com os mesmos recursos híbridos.
Fora os modelos híbridos, o carro da equipe particular Rebellion, era o mais veloz. O carro utiliza um chassi Lola e motor Toyota, diferente do que o TS030 usa. A Toyota fornece motores para equipes particulares, assim como a Ferrari faz na F-1. Obviamente, não é no mesmo patamar de desempenho dos motores da equipe oficial, tampouco com os mesmos recursos híbridos.
Carro da equipe Rebellion LMP1, chassi Lola e motor Toyota |
Se na categoria principal, a LMP1, os "Fantasmas de Ingolstadt" dominaram, na LMP2 a disputa foi acirrada do começo ao fim. O protótipo Oreca-Nissan da G-Force, número 26, foi o vencedor com uma volta de vantagem sobre o Morgan-Nissan. Mesmo com a diferença de uma volta ao final da corrida, a disputa foi forte ao longo das seis horas.
As diferenças nos modelos LMP2 foram um pouco mais discretas. Algumas alterações em aletas e ângulo de incidência de asa traseira são mais aparentes.
Carro de 2012 da Oreca com motor Nissan, muito similar ao modelo 2013 |
Oreca-Nissan vencedor da LMP2 |
Os carros da Lotus foram novidade por aqui, com o modelo T128. Equipado com motor Judd V-8 3,6-litros com aspiração natural, o Lotus é um dos poucos carros da LMP2 que possuem o habitáculo fechado. O T128 já atende os requerimentos de chassi (dimensões de habitáculo, visibilidade etc) das novas regras que serão usadas em 2014. Desta forma, as mudanças que ainda não estão em vigor, serão mais simples de implementar.
Lotus T128 na categoria LMP2, um dos raros carros da categoria com habitáculo fechado |
Nas duas categorias da GT, a disputa foi grande entre Aston Martin, Porsche e Ferrari. Desta vez, o Corvette ZR-1 de Fernando Rees ficou para trás e apenas foi um coadjuvante. Seu ronco alto e encorpado era inconfundível, mas não fez valer o mérito de vencedor do ZR-1.
Disputa acirrada entre Ferrari e Porsche na GTE-Pro |
O Ferrari 458 de Giancarlo Fisichella e Gianmaria Bruni conseguiu superar os Aston Martin V-8 e os Porsche 911 RSR, vencendo a categoria GTE-Pro. Comparado com o carro de 2012, o 458 teve pequenas modificações na asa traseira, o que melhora o fluxo de passagem de ar. As laterais da asa traseira agora tem um desenho arredondado, antes eram retangulares. Pode parecer um recurso estético, mas é justamente de pouco em pouco que a aerodinâmica se torna o diferenciador entre um carro rápido e um carro vencedor.
Também as aletas dianteiras estão diferentes, captando melhor o ar, que ainda não sofre interferência da carroceria, e ajudam na geração de força vertical. Um item simples mas de grande função prática. As aletas, por terem um posicionamento em uma região de grande passagem de ar, recebem bastante carga aerodinâmica e modificam o fluxo ao longo do carro todo.
Ferrari 458 de 2012, asa traseira mais "reta" e menores aletas dianteiras
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Modelo 2013, com maiores saídas de ar no capô e nova parte traseira, atrás das rodas |
A parte posterior da carroceria, junto das rodas traseiras, tem um formato novo. Esta região é bem critica, pois influencia na eficiência do extrator e da asa traseira, e sofre muita influência das rodas girando.
Também as saída de ar do capô estão maiores, o que pode ser um indício de que o motor gera mais potência, e conseqüentemente, gera mais calor que precisa ser expulso pelos radiadores.
Falando em 911, um detalhe interessante é a cobertura de polímero dos faróis auxiliares, que deixa a frente do carro mais “lisa”, usada, por exemplo, no carro número 92. Outros 911 presentes na corrida utilizaram a versão convencional da parte dianteira. Este carro 92 da equipe Manthey, entretanto, já é o modelo 991 de entreeixos 100 mm maior e bitola dianteira mais larga.
A equipe representa oficialmente a fábrica de Stuttgart/Zuffenhausen na categoria, e é a primeira a ter o novo carro. Dentro em breve o modelo 991 da Porsche deve estar mais numeroso nas largadas, este mais moderno e rápido que a versão usada pelas equipes particulares.
Porsche 911 RSR geração 991, detalhe para a nova dianteira mais "lisa" |
911 RSR usado pelas demais equipes, ainda uma geração atrás, a 997 |
Já há informações de que a próxima edição da corrida de São Paulo está marcada para o final de agosto do ano que vem. Para quem viu a prova do ano passado e deste ano, as novidades foram poucas, mas vale lembrar que na próxima vez que os carros vieram para cá, já será com o novo regulamento do WEC.
As novas regras devem alterar significativamente o desempenho dos carros, assim como a forma de concepção dos projetos. A Porsche já terá participado de corridas com seu novo LMP1, este mais um fator para animar o campeonato. Isto não significa que a Audi perderá seu posto de carro a ser batido. A competência germânica é incrível, podemos esperar que o nível seja mantido.
A terceira edição da 6 Horas de São Paulo promete.
MB
MB
Fotos: autor, exceto onde informado
Mais algumas fotos
Acidente do Toyota logo na primeira hora de corrida, na Curva do Sol |
Lado esquerdo do Toyota que teve o contato com o carro da Lotus, visíveis marcas de pneu na carroceria |
Ferrari 458 incendiado na Subida do Café (foto: divulgação) |
Boa disputa entre os Aston Martin e Ferrari marcaram a prova |
Carros da LMP2 não utilizam a asa traseira com extensores. |
O ronco dos motores da LMP2 soam diferente dos GTE |
Ótimo post, Milton.
ResponderExcluirSempre muito preciso e detalhista!
Acompanhei essa corrida ao vivo pela internet - assim como as demais etapas da WEC - e foi bastante interessante.
ResponderExcluirSó não foi mais interessante pois a Toyota abandonou logo no início e os dois Audi ficaram bem separados, não havendo muita briga na - cada vez menor - LMP1.
Já os carros da GTE deram show do início ao fim!
Espero que, para as próximas edições, o Emerson consiga convencer a organização a mudar o horário de início para às 14h, como ele afirmara que tentaria fazer. Seria interessante ver a corrida terminar já à noite, às 20h.
Parabéns pelo post. Acho muito interessante eventos desse tipo mas, não me interpretem mal, sou do tempo que seis horas de Interlagos eram com os carros que disputavam os campeonatos regionais e nacionais, nos anos 80, e também eram provas muito bonitas, além de muito mais próximas da nossa realidade automotiva e automobilistica. Acho importante um evento com equipes internacionais, sem dúvida, mas também acho imperdoável o descaminho no qual o automobilismo nacional se meteu. Abraços a todos.
ResponderExcluirInteressante observar que agora as evoluções, não apenas em aerodinâmica, acontecem nos pequenos detalhes, sutilezas que, agrupadas, levam a menor tempo de volta. Para este ano, a Audi conseguiu aprimorar bem o conjunto a ponto de eliminar a desvantagem frente ao Toyota em Interlagos. Tá difícil desbancar a Audi na categoria! Tomara que a Porsche venha botar muito mais lenha na fogueira na competição.
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