Venho lendo estas interessantes considerações dos colegas sobre a "eletrodomesticalização" do automóvel e acho que cabe pôr os pingos em alguns "is".
Será que alguém reclama hoje de: acionar um interruptor e fazer o virabrequim girar para que o motor "pegue"; não precisar descomandar a seta após a curva; ser desnecessário ajustar a folga de embreagem de tempos em tempos para que a folga não suma, vindo a "enforcar" a embreagem; dispensar a dupla-embreagem para uma simples troca de marcha; funcionamento intermitente do limpador de parabrisa; não precisar acionar uma manivela para baixar o vidro ao chegar à uma cabine de pedágio; apertar um botão para fechar vidros, teto solar e trancar portas; não precisar o regular o fluxo de líquido de arrefecimento do motor na fase de funcionamento frio e quente; não ter de acender e apagar a luz interna ao entrar no carro; não ter de ficar ajustando a temperatura interna; o espelho interno escurecer quando recebe luz por trás e outros automatismos? Duvido.
Novidade sempre causa algum tipo de temor: isso se chama misoneísmo (o oposto do misoneísmo é o filoneísmo). O André Dantas falou no post que deu início a essa conversa sobre programar um videocassete, que poucos sabem (ou sabiam) fazer. Entretanto, é uma operação que requer um mínimo de conhecimento e, dominada, nos dá liberdade de, por exemplo, sair e ter gravado o programa que se queria ver, para vê-lo depois. Nunca haverá uma programação de gravação "eletrodoméstica". Será preciso efetuá-la.
Diz-se que George Bush (pai) usava máquina de escrever no Salão Oval e seus assessores estavam incomodados pelo fato de o presidente dos Estados Unidos não usar computador, pegava mal. Depois de muita luta convenceram Bush a partir para o computador, mas este teria lhes dito: "Está bem, vou aprender a usar o computador, mas jamais tentem me ensinar a programar um videocassete".
Voltei do Rio ontem com uma Renault Grand Scénic. Era determinar a velocidade e não precisar ficar acelerando com o pé. Após diminuir ao chegar a um tráfego lento ou a uma curva mais apertada, era apertar o botão R (resume) para voltar à velocidade escolhida. Melhor do que ter de acelerar pelo pedal e ficar de olho no velocímetro para chegar à velocidade desejada. Ou não?
Aliás, esses carros de interruptor de ignição por cartão inserido ou de presença, com botão de partida, são muito bem-vindos. Basta um toque no botão (apertar e soltar logo) para se iniciar o processo de partida. Introduzir a chave no cilindro e girá-la já pertence ao passado.
O automóvel ficará cada vez mais automatizado para ser dirigido e nem por isso o prazer de dirigir diminuirá. Principalmente se os fabricantes foram inteligentes o suficiente para não patrulhar demais e permitir a liberdade de escolha, como desligar um sistema de controle de trajetória, de tração, ABS etc.
BS
Não sei quanto aos demais colegas, mas o que me preocupa na "eletrodomesticalização" do automóvel não são as inovações que trazem benefícios ao conforto e até mesmo segurança, mas sim a tendência crescente que se vê de cada vez mais serem produzidos automóveis puramente úteis, deixando totalmente de lado o prazer ao dirigir.
ResponderExcluirComo havia citado em um dos comentários dos posts anteriores, me assustou (e muito!) ver anos atrás o carro conceito da Mercedes-Benz com joystick no lugar do volante. Até para jogar vídeo game o volante torna os jogos de corrida mais emocionantes. Pode ser questão de costume, mas gosto daquele "aro redondo" para fazer curvas nos automóveis.
A facilidade em se poder usar um automóvel deve sempre ser buscada, e este é o American Way of Drive, o carro ser fácil de manusear por todos, pois não podemos esquecer que uma boa parte dos motoristas apenas encara o automóvel como um meio mais rápido de ligar o ponto A ao ponto B. O ponto da questão é a liberdade de escolha que sempre deve ser dado pelo fabricante ao consumidor. Certamente o Bob já deve ter se perguntado ao testar algum carro: "que motor maravilhoso, pena não haver opção de caixa manual para curti-lo ainda mais".
ResponderExcluirAcredito que o Fábio pegou a linha de discussão.
ResponderExcluirPensem em qualquer eletrodoméstico padrão. Pode ser um liquidificador.
Um suco feito no liquidificador pode ser delicioso, mas qual o prazer em usar esse aparelho? Simples: nenhum.
Quanto mais o automóvel é projetado nas fábricas para ser meramente um utensílio de transportar pessoas e bens pessoais de "A" até "B", mais ele se parece com o liquidificador.
Ele passa a valer por possibilitar alcançar um objetivo final, e não pelo que proporciona até alcançar este objetivo.
E porque as fábricas projetariam carros meramente utilitários? Porque as pessoas querem algo que ofereça soluções imediatas, que dispensem que elas pensem.
O caso do GPS é emblemático nesta questão.
É uma tecnologia maravilhosa, e que pode potencializar um incontável número de aplicações e usos altamente inteligentes, se seu usuário se dispuser a isso. Porém, o que vemos é o acúmulo diário de casos de pessoas que passam a obedecer cegamente as ordens do aparelho, como se o motorista fosse os braços do aparelho para dirigir o carro. Daí segue-se o grande número de fechadas e acidentes que antes não aconteciam.
Usado desta forma errada, o GPS é mal usado. E é mal usado porque muitos motoristas querem algo que pensem por eles em como ir de "A" a até "B".
E como as fábricas vivem de lucro, vender qualquer produto que exija a inteligência do usuário tem menor poder de venda que um produto que pense pelo usuário. Portanto, são produtos de resposta imediata (e geralmente pouco inteligente e flexível) que serão fabricados no lugar daqueles que exigem mais da inteligência humana para oferecer maior potencial de uso.
O cerne da discussão nunca foi a tecnologia em si.
Nenhuma tecnologia é boa ou ruim. Toda tecnologia é ou não adequada para cada situação.
O cerne da discussão é o que fazemos com a tecnologia.
Quando a tecnologia extende o potencial humano, ela é maravilhosa.
Porém, quando ela, imperfeitamente, é usada para substituir parte da capacidade humana por mera comodidade, isso passa a ser preocupante, porque passamos a deixar de lado um pouco da nossa própria humanidade.
Acho que pelos motivos apresentados no texto e talvez uma pitada grande de amor pelo passado, gosto tanto dos carros nacionais da década de 70. É uma fuga momentânea a essas características modernas, "eletrodomésticas", que as vezes não tem calor, mas que no dia a dia tem indiscutível utilidade, ou talvez, comodidade. Andar de vez em quando em um Opala 1979, por exemplo, me faz admirar ao mesmo tempo a falta de tantos automatismos, como enxergá-los como melhores olhos nos carros modernos.
ResponderExcluirLuís F.
Antônio,
ResponderExcluirIsso é o que mata hoje em dia no Brasil. A liberdade de escolha está muito limitada. Comprar um carro 0km que não seja preto ou prata, requer espera indefinida e paga-se a mais por isso, devido aos descontos menores em relação aos preto/prata em estoque. Senti isso na pele no final do ano passado, ao procurar concessionárias GM e Ford.
André,
Ainda neste final de semana que passou estava conversando com meu justamente o que você comentou, o efeito danoso das pessoas deixarem de usar o cérebro devido aos equipamentos "inteligentes" que vêm sendo lançados. Isso porque, no programa Auto Esporte da TV Globo do domingo, uma das reportagens era mostrar "quando tomar a difícil decisão de parar de dirigir com o avanço da idade". Meu pai achou isso um absurdo, pois é primordial que cada um de nós tenha consciência de que, um dia, (infelizmente) seremos obrigados a andar somente no banco do carona...
Luís,
Também acho maravilhosos os carros dos anos 70 (os Opala 1975 a 1979 são meus preferidos, seguidos pelos Dodge Charger R/T 1973 a 1978). Foi o final da era "romântica" dos automóveis, quando tudo era projetado visando o prazer ao dirigir, embora na Europa muitos automóveis já vinham sendo projetados mais para a praticidade do uso, desde a crise do pós-guerra. Mesmo assim, eram em sua maioria úteis, mas ainda bastante agradáveis ao dirigir.
Realmente o grande mal das pessoas é o de se condicionarem à função de meros "apertadores de botões", querendo que o equipamento (seja ele qual for) até "leia mentes" para descobrir a intenção do usuário. Isso não é nada saudável!
ResponderExcluirConcordo com a opinião dos colegas sobre o limiar existente entre a "tecnologia útil" e a "tecnologia automatizadora". Imaginem, hoje, se precisássemos “tocar manivela” para dar partida no motor... Outro problema é o condicionamento da compra de um carro a partir de alguns mimos e certos itens de conveniência que podem ser dispensados, ignorando a qualidade, prazer de dirigir ou qualquer outro aspecto benéfico do carro em questão. Certa vez conversei com uma pessoa que deixou de comprar o carro, pois este não oferecia acionamento automático dos limpadores de pára-brisa após o jato do lavador. Isso sem contar aqueles que exigem certos itens mesmo sabendo que nunca vão usar ou não farão diferença, apenas para “impressionar” os amigos ou parentes que venham ser transportados no auto.
Um outra coisa sobre a qual eu sempre me perguntei é o que se passa na cabeça de uma pessoa abastada que possui, por exemplo, um Bentley ou Rolls-Royce e o "põe" integralmente na mão de um motorista. Compreendo que tais pessoas são atarefadas e, geralmente, tratam de negócios mesmo durante o percurso de carro. Mas, é incompreensível o por quê destas pessoas dispensarem o prazer de guiar um carro desta estirpe mesmo quando não estão ocupados (ou preocupados com alguma coisa).
ResponderExcluirQual o prazer de dirigir um Rolls Royce enorme, ruim de manobrar, e mole como um pudim?
ResponderExcluirUma solução fantástica foi a caixa CVT, o máximo em conforto para quem o deseja. Mas ai vieram alguns "entusiastas" que insistiram reclamando da falta de "prazer ao dirigir". E daí, que comprem outro carro, ou o mesmo com caixa manual. Agora, nunca vi coisa mais inútil do que carro automático sendo dirigido de modo manual, no famoso "reduzir antes da curva".
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