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MIRAGE, DO M2 AO M6, O LEGADO DO GT40 M1


Uma das grandes qualidades do esporte conhecido como automobilismo é a evolução dos projetos, as histórias e lendas que nascem, seus sucessos e fracassos. Como uma revolução geralmente é menos garantida que uma evolução técnica, a seqüência de projetos aumenta as chances de uma equipe chegar ao sucesso.

Já contamos aqui a saga do herói francês de Le Mans, Jean Rondeau e seus carros, e também a história do GT40 e dos Mirage M1, em especial o carro que foi o primeiro vencedor nas cores da Gulf Oil e também foi o camera-car do filme "Le Mans", de Steve McQueen, aqui.

A história dos Mirage e da J.W. Engineering não parou nos GT40 modificados. Após alguns anos de trabalho nos carros da linha M1 e as mudanças de regulamento que restringiram a cilindrada dos motores, John Wyer focou seus esforços em novos projetos na categoria dos protótipos.


O Mirage M2 com o seu antecessor M1 ao fundo
O regulamento do Grupo 4 (carros esporte, produção mínima 50 unidades, 2 lugares), onde os GT40 se enquadravam, ainda permitia grandes motores de até 5 litros, mas já não eram os carros mais rápidos. O Grupo 6 era destinado aos protótipos exclusivamente de corrida, e mesmo com a limitação de motores até 3 litros, eram mais rápidos. Essa limitação de cilindrada era a mesma aplicada na F-1, assim diversas equipes utilizavam os mesmos motores nas duas categorias, com suas devidas adaptações.


Gulf Mirage M2 em uma de suas primeiras aparições
John Wyer partiu então para o M2, um protótipo que visualmente até poderia ser confundido como uma continuação do M1, e que lembra bastante um Lola T70 por conta da traseira com linhas retas. O M2 seria um carro para competir no Grupo 6 (protótipos de carros esporte, sem produção mínima, 2 lugares), logo um motor 3-litros era necessário.

Como o contato com a Ford ainda era bem próximo, Wyer tentou adotar o Cosworth DFV V-8, o mesmo motor dos F-1 da época e de incontestável sucesso. O único problema era a disponibilidade, pois toda a produção já estava destinada para as equipes de F-1 e alguns outros poucos carros esporte, como o Ford F3L, que recebeu bastante apoio do fabricante de motores. O Cosworth seria a solução ideal para o carro, pois era um motor compacto e potente, nascido com concepção de ser um membro estrutural do chassis.


A opção de motor V-12 pesou contra a confiabilidade do conjunto
A falta de motores disponíveis para os Mirage faria com que o projeto fosse modificado. Outras opções eram o V-12 Weslake, o V-12 BRM e o V-8 Repco, todos conceituados e com suas características próprias, tanto boas como ruins. O V-12 de 3-litros da BRM foi escolhido, pois o Weslake era conhecidamente frágil e o Repco tinha uma potência inferior aos demais. Mesmo sendo um pouco mais pesado que o Cosworth, o BRM era de concepção mais simples, com cabeçotes de duas válvulas por cilindro mas com duplo comando. A potência de 400 cv parecia ser adequada para o carro.

O chassis de aluminio com reforços localizados de aço era todo colado e rebitado para formar um monocoque rígido que suportasse os esforços criados pelo motor. Com o V-12 no lugar do V-8 Cosworth, uma sub-estrutura traseira de aço teve que ser criada, pois o motor estrutural não suportaria toda a carga da suspensão, como havia sido planejado no V-8. O mesmo transeixo ZF usado nos GT40 seria montado no M2.


O motor V-12 do M2
O M2 era ligeiramente mais curto que o M1, o que o deixaria um pouco mais ágil em teoria, e a suspensão independente nas quatro rodas com braços sobrepostos e barras de controle traseiras, similar ao conceito do BRM de F-1 que o projetista Len Terry criara para o carro, prometia bom comportamento dinâmico.

O M2 foi utilizado na temporada de 1969 sem muito sucesso. O carro tinha problemas de aquecimento e confiabilidade. Os seus pilotos, Jackie Oliver e Jacky Ickx, não conseguiam acompanhar os competidores de ponta. O Porsche 908 e os Lola eram fortes concorrentes, e a disputa estava sendo perdida por muito. A BRM havia disponibilizado uma nova versão do motor, agora com cabeçotes multiválvulas e mais de 430 cv, mas o V-12 ainda perdia em rendimento se comparado ao Cosworth; obviamente não era este o único ponto fraco do carro, e assim novas alterações foram feitas no conjunto todo. 

A carroceria tinha um perfil aerodinâmico similar ao do Lola T70 que viria a ser criado
Como o peso do carro era um fator critico, como solução extrema o teto foi removido durante a construção de um novo carro. Finalmente foi possivel adquirir o V-8 Cosworth, que foi utilizado junto com um transeixo Hewland. O novo conceito foi batizado de M3, e sua carroceria tipo spyder (sem teto) o diferenciava dos demais carros da Mirage, mas sempre nas cores da Gulf Oil, forte parceira da equipe.


O modelo M3, agora na versão de habitáculo aberto.
Na sua primeira corrida, o M3 já se mostrou bem superior, mas uma falha na suspensão deixou Ickx na mão. O novo motor melhorou consideravelmente o desempenho do carro, mas também acentuou os problemas de projeto. Dificuldades direcionais no carro eram constantes, e o consumo de pneus era muito alto. Na segunda corrida, em Zeltweg, o M3 conseguiu a pole nos treinos, mas uma nova quebra forçou o abandono do carro. A terceira corrida, entretanto, consagrou o M3, com a vitória de Ickx em Imola.

No final de 1969, o regulamento mudou novamente e as novas regras não ajudaram o M3 a ser competitivo. Os motores para o Grupo 4 e o número de carros necessários para homologação baixou para 25, e os carros do Grupo 6 deixaram de ser os mais rápidos.


O motor V-8 Cosworth vibrava demais e prejudicava o chassis
Esta foi a abertura necessária que a Porsche precisou para entrar no campeonato com seu novo projeto, o 917 de doze cilindros. A equipe de Wyer foi contatada para ajudar no desenvolvimento do 917 em função da experiência vencedora em Le Mans, onde conquistaram a vitória na classificação geral em 1968 e 1969 com os GT40 especiais, e então o programa Mirage foi colocado em espera. Essa é uma outra história.


Detalhe do fechamento do chassi, em chapas de alumínio rebitadas
Os Mirage voltaram a ser o centro das atenções em 1972 quando os 917 já não eram mais competitivos pelo regulamento e os motores 3-litros voltavam a ser a bola da vez. O então M3 da JWA foi reformulado e assim veio o M6, com um conceito de carroceria diferente, com um grande aerofólio traseiro na parte posterior da carroceria, uma tendência da época que começava a ser difundida. Len Bailey foi o responsável pelo projeto do carro. Nesta época, John Wyer estava se preparando para a aposentadoria das operações corriqueiras da JWA, e John Horsmam assumiu o controle, mas sempre com Wyes supervisionando. A JWA também foi rebatizada de Gulf Research Racing Company.


O Mirage M6 em Daytona, 1973
Novamente o Cosworth V-8 de 3 litros seria utilizado no Mirage, juntamente com a caixa Hewland. O chassi de alumínio com reforços em aço receberia o motor como membro estrutural, uma vez que o V-8 não tinha os problemas de resistência do V-12 que foi utilizado anteriormente. Já bem usado na Formula-1 como membro estrutural do carro, o motor ainda teria que suportar grandes esforços, e alguns pontos de reforço foram criados, como braços de auxilio na fixação de componentes de carroceria.


O motor Cosworth V-8 novamente era usado nos Mirage M6, em paralelo ao desenvolvimento do V-12
As cores da Gulf já eram fortes referências de que o carro era um competidor de porte. Desde os tempos dos Porsche 917, a marca é associada a carros de ponta. Para a primeira corrida, em Sebring, com os pilotos Derek Bell e Gijs van Lennep, qualificou-se em sétimo lugar, atrás dos italianos da Alfa Romeo e Ferrari. Durante a corrida, diversos problemas forçaram o carro a não completar a prova. Durante a temporada toda, os problemas não seriam simples.


O modelo M6 teve diversas alterações de carroceria, como a posição da asa traseira para cada tipo de pista
O motor Cosworth era mais confiável que o antigo V-12, porém ele gerava um novo problema, a vibração excessiva. O Cosworth era concebido com a árvores de manivelas de plano único, ou seja, todas as bielas estavam fixas com defasagem entre elas de 0 ou 180°. Este arranjo fazia o motor vibrar de tal forma que a estrutura do carro não suportava. O segundo carro teve o mesmo problema, e então no terceiro chassis, a equipe passou a usar o V-12 Weslake para sanar os problemas de vibração.

Derek Bell testou o V-12 exaustivamente até o final de 1972, mas a confiabilidade e o desempenho ainda não eram constantes. No ano seguinte, os dois motores foram usados, mas os resultados melhores vieram mesmo com o Cosworth V-8. Em Spa, a equipe conseguiu um genial primeiro e segundo lugares com o carro V-8.
O M6 Coupe feito para Le Mans
O próximo passo para os Mirage M6 era Le Mans, onde uma carroceria especial fechada foi desenvolvida para melhor explorar a enorme reta Mulsanne (6 km), mas este fica para a segunda parte.


MB


Fotos: ultimatecarpage.com, GTCMirage, autor.

8 comentários :

  1. Belli,
    ótimo você nos contar essa história, eu realmente não conhecia nada sobre os Mirage.
    Aguardamos a segunda parte.

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  2. Sensacional!

    Destaque para esse revolucionário motor Ford; eram bom para praticamente tudo!

    MFF

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  3. Carrão porreta.
    Bicho bruto!
    Jorjao

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  4. Milton,uma dúvida:havia uma razão para o Cosworth provocar trepidação no Mirage e funcionar sem problemas nos Fórmula-1?
    Parabéns pelo post!

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    Respostas
    1. Daniel, como o motor era fixado diretamente na estrutura do carro, a frequência de vibração do conjunto como um todo depende de diversos fatores, entre eles a massa total do conjunto.
      Entre um F1 e um carro esporte deste tipo, a massa é muito diferente, e como o motor foi criado para F1 basicamente, era mais fácil de se acertar.

      Outros fatores como pequenos detalhes de como o motor era fixado também podem influenciar.

      Outro detalhe é que para a F1, o motor era mais potente, provavelmente com uma faixa de rotação mais elevada, enquanto que nos Mirage, era um pouco menos potente e com uma rotação menor, pois o motor precisava ser mais durável em função do tempo das corridas de endurance ser bem maior.

      abs,

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  5. MB, se fossem de mesma "arquitetura" e litragem, porém v8 e v12. Qual seria o mais indicado para corridas? Ou pra que tipo de corridas/traçados? JBE

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    Respostas
    1. Anônimo, essa comparação é dificil, pois cada um tem seus pontos altos e baixos, mas acho que podemos generalizar dizendo que o V-8 seria mais adequado, por ser menor, mais leve e ter menos componentes móveis.

      A questão da vibração pode ser contornada, assim como questões de aquecimento. O que temos que ter em mente é que para um mesmo volume deslocado, quanto mais cilindros, menor é a área de cada pistão, e todo o cálculo de eficiência deve ser ajustado para esta condição.

      Vale lembrar que no passado era comum motores V-12 e até mesmo V-16 de 1,5-litros, porém a complexidade sempre pesa contra.

      abs

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  6. Muito legal a história dos Mirage. Conhecia muito pouco sobre eles, nem imaginava que o desenvolvimento havia sido bem complicado ao longo dos anos. E, realmente, os motores Cosworth foram uma marco único nas competições dos anos 60 e 70.

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