Uma das grandes qualidades do esporte conhecido como automobilismo é a evolução dos projetos, as histórias e lendas que nascem, seus sucessos e fracassos. Como uma revolução geralmente é menos garantida que uma evolução técnica, a seqüência de projetos aumenta as chances de uma equipe chegar ao sucesso.
Já contamos aqui a saga do herói francês de Le Mans, Jean Rondeau e seus carros, e também a história do GT40 e dos Mirage M1, em especial o carro que foi o primeiro vencedor nas cores da Gulf Oil e também foi o camera-car do filme "Le Mans", de Steve McQueen, aqui.
A história dos Mirage e da J.W. Engineering não parou nos GT40 modificados. Após alguns anos de trabalho nos carros da linha M1 e as mudanças de regulamento que restringiram a cilindrada dos motores, John Wyer focou seus esforços em novos projetos na categoria dos protótipos.
O Mirage M2 com o seu antecessor M1 ao fundo |
Gulf Mirage M2 em uma de suas primeiras aparições |
Como o contato com a Ford ainda era bem próximo, Wyer tentou adotar o Cosworth DFV V-8, o mesmo motor dos F-1 da época e de incontestável sucesso. O único problema era a disponibilidade, pois toda a produção já estava destinada para as equipes de F-1 e alguns outros poucos carros esporte, como o Ford F3L, que recebeu bastante apoio do fabricante de motores. O Cosworth seria a solução ideal para o carro, pois era um motor compacto e potente, nascido com concepção de ser um membro estrutural do chassis.
A opção de motor V-12 pesou contra a confiabilidade do conjunto |
O chassis de aluminio com reforços localizados de aço era todo colado e rebitado para formar um monocoque rígido que suportasse os esforços criados pelo motor. Com o V-12 no lugar do V-8 Cosworth, uma sub-estrutura traseira de aço teve que ser criada, pois o motor estrutural não suportaria toda a carga da suspensão, como havia sido planejado no V-8. O mesmo transeixo ZF usado nos GT40 seria montado no M2.
O motor V-12 do M2 |
O M2 foi utilizado na temporada de 1969 sem muito sucesso. O carro tinha problemas de aquecimento e confiabilidade. Os seus pilotos, Jackie Oliver e Jacky Ickx, não conseguiam acompanhar os competidores de ponta. O Porsche 908 e os Lola eram fortes concorrentes, e a disputa estava sendo perdida por muito. A BRM havia disponibilizado uma nova versão do motor, agora com cabeçotes multiválvulas e mais de 430 cv, mas o V-12 ainda perdia em rendimento se comparado ao Cosworth; obviamente não era este o único ponto fraco do carro, e assim novas alterações foram feitas no conjunto todo.
A carroceria tinha um perfil aerodinâmico similar ao do Lola T70 que viria a ser criado |
O modelo M3, agora na versão de habitáculo aberto. |
No final de 1969, o regulamento mudou novamente e as novas regras não ajudaram o M3 a ser competitivo. Os motores para o Grupo 4 e o número de carros necessários para homologação baixou para 25, e os carros do Grupo 6 deixaram de ser os mais rápidos.
O motor V-8 Cosworth vibrava demais e prejudicava o chassis |
Esta foi a abertura necessária que a Porsche precisou para entrar no campeonato com seu novo projeto, o 917 de doze cilindros. A equipe de Wyer foi contatada para ajudar no desenvolvimento do 917 em função da experiência vencedora em Le Mans, onde conquistaram a vitória na classificação geral em 1968 e 1969 com os GT40 especiais, e então o programa Mirage foi colocado em espera. Essa é uma outra história.
Detalhe do fechamento do chassi, em chapas de alumínio rebitadas |
O Mirage M6 em Daytona, 1973 |
O motor Cosworth V-8 novamente era usado nos Mirage M6, em paralelo ao desenvolvimento do V-12 |
As cores da Gulf já eram fortes referências de que o carro era um competidor de porte. Desde os tempos dos Porsche 917, a marca é associada a carros de ponta. Para a primeira corrida, em Sebring, com os pilotos Derek Bell e Gijs van Lennep, qualificou-se em sétimo lugar, atrás dos italianos da Alfa Romeo e Ferrari. Durante a corrida, diversos problemas forçaram o carro a não completar a prova. Durante a temporada toda, os problemas não seriam simples.
O modelo M6 teve diversas alterações de carroceria, como a posição da asa traseira para cada tipo de pista |
O motor Cosworth era mais confiável que o antigo V-12, porém ele gerava um novo problema, a vibração excessiva. O Cosworth era concebido com a árvores de manivelas de plano único, ou seja, todas as bielas estavam fixas com defasagem entre elas de 0 ou 180°. Este arranjo fazia o motor vibrar de tal forma que a estrutura do carro não suportava. O segundo carro teve o mesmo problema, e então no terceiro chassis, a equipe passou a usar o V-12 Weslake para sanar os problemas de vibração.
Derek Bell testou o V-12 exaustivamente até o final de 1972, mas a confiabilidade e o desempenho ainda não eram constantes. No ano seguinte, os dois motores foram usados, mas os resultados melhores vieram mesmo com o Cosworth V-8. Em Spa, a equipe conseguiu um genial primeiro e segundo lugares com o carro V-8.
O M6 Coupe feito para Le Mans |
O próximo passo para os Mirage M6 era Le Mans, onde uma carroceria especial fechada foi desenvolvida para melhor explorar a enorme reta Mulsanne (6 km), mas este fica para a segunda parte.
MB
Belli,
ResponderExcluirótimo você nos contar essa história, eu realmente não conhecia nada sobre os Mirage.
Aguardamos a segunda parte.
Sensacional!
ResponderExcluirDestaque para esse revolucionário motor Ford; eram bom para praticamente tudo!
MFF
Carrão porreta.
ResponderExcluirBicho bruto!
Jorjao
Milton,uma dúvida:havia uma razão para o Cosworth provocar trepidação no Mirage e funcionar sem problemas nos Fórmula-1?
ResponderExcluirParabéns pelo post!
Daniel, como o motor era fixado diretamente na estrutura do carro, a frequência de vibração do conjunto como um todo depende de diversos fatores, entre eles a massa total do conjunto.
ExcluirEntre um F1 e um carro esporte deste tipo, a massa é muito diferente, e como o motor foi criado para F1 basicamente, era mais fácil de se acertar.
Outros fatores como pequenos detalhes de como o motor era fixado também podem influenciar.
Outro detalhe é que para a F1, o motor era mais potente, provavelmente com uma faixa de rotação mais elevada, enquanto que nos Mirage, era um pouco menos potente e com uma rotação menor, pois o motor precisava ser mais durável em função do tempo das corridas de endurance ser bem maior.
abs,
MB, se fossem de mesma "arquitetura" e litragem, porém v8 e v12. Qual seria o mais indicado para corridas? Ou pra que tipo de corridas/traçados? JBE
ResponderExcluirAnônimo, essa comparação é dificil, pois cada um tem seus pontos altos e baixos, mas acho que podemos generalizar dizendo que o V-8 seria mais adequado, por ser menor, mais leve e ter menos componentes móveis.
ExcluirA questão da vibração pode ser contornada, assim como questões de aquecimento. O que temos que ter em mente é que para um mesmo volume deslocado, quanto mais cilindros, menor é a área de cada pistão, e todo o cálculo de eficiência deve ser ajustado para esta condição.
Vale lembrar que no passado era comum motores V-12 e até mesmo V-16 de 1,5-litros, porém a complexidade sempre pesa contra.
abs
Muito legal a história dos Mirage. Conhecia muito pouco sobre eles, nem imaginava que o desenvolvimento havia sido bem complicado ao longo dos anos. E, realmente, os motores Cosworth foram uma marco único nas competições dos anos 60 e 70.
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