Sem colunas dianteiras, visibilidade perfeita para frente |
Algum tempo atrás a
Ford construiu um carro-conceito com algumas características bastante
futuristas, algumas nunca implementadas em nenhum carro. Era o Techna,
apresentado em 25 de junho de 1967 no
Salão de Los Angeles . O carro era grande e baixo, e com apenas duas portas.
O carro foi feito pela área de tecnologia sob a direção de Harold C. MacDonald, que aparece na foto acima e que tinha convicção de que o carro seria ótimo para analisar o que poderia ou
deveria ser colocado em um carro nos anos vindouros.
Apesar de parecer
absurdo o fato de ter apenas duas portas em um carro de mais de cinco metros de
comprimento, a
porta de 1.830 mm era
movimentada eletricamente através de dobradiças pantográficas, que a abriam de
forma quase paralela à lateral do veículo, não se afastando dela mais que 450 mm, permitindo boa abertura ao interior sem ocupar muito espaço em vagas de estacionamentos.
Para que essas portas gigantescas não fossem por demais pesadas, a
estrutura interna era de honeycomb de alumínio, as colméias de abelha, como
em alguns carros de competição e aviões.
Para fazer grupo com essas portas e facilitar mais ainda o acesso tanto à dianteira quanto para os passageiros do banco traseiro, havia
soleiras mais estreitas que as normais encontradas em carros desse tamanho. Grande
parte do assoalho também tinha esse tipo de construção.
Portas enormes e, mesmo assim, práticas |
Dentro havia seis
lugares, e os ocupantes contavam com os saudosos bancos inteiriços, mas
divididos 1/3 e 2/3, como os bancos traseiros de um carro moderno. O motivo
disso era a assimetria do trem de força, com o motor colocado em posição enviesada,
com a ponta dianteira voltada para a direita, fazendo com que o cardã ficasse mais próximo do motorista em 230 mm para permitir espaço maior aos dois
passageiros ao lado, sem que o do meio ficasse com as pernas separadas pelo
túnel do cardã, já que o carro tinha tração traseira.
Na imagem
abaixo, lado esquerdo, um esquema simples dessa configuração, ilustrado bem
pequeno. Cabe notar aqui que há pouquíssimas imagens desse carro.
Lado esquerdo inferior: note o motor enviesado |
O túnel de transmissão, deslocado para a esquerda |
Os pedais era
reguláveis em 150 mm no sentido longitudinal, e também a coluna de
direção podia afastar ou aproximar o volante do motorista. Isso se devia ao
fato dos bancos serem fixos no assoalho, pois as ancoragens dos cintos dianteiros eram nele, já que não havia
coluna onde pudessem ser fixados devido à porta que ocupava boa parte da lateral
do Techna.
Espaço era algo que não
faltava, já que o entreeixos era de 3.050 mm e o
comprimento total, 5.330 mm. O peso em ordem de marcha era de 2.152 kg.
Havia freios a disco
nas quatro rodas, ainda uma raridade, e mais ainda com válvulas reguladoras de
pressão que faziam um papel de evitar o travamento, evitando derrapagens. Era
um conjunto complexo, com um efeito quase de ABS, mas apenas nas rodas
traseiras, as mais críticas para carros grandes e pesados.
Também na traseira, o
eixo rígido deixava de utilizar tradicionais as molas semi-elípticas e adotava molas de torção, que suplantavam em qualidade de trabalho os feixes
das molas que eram regra em carros de produção.
No desenho é mais fácil notar o espaço para entrar no compartimento traseiro |
Mas uma novidade que
seria interessante mesmo hoje foi a eliminação das colunas dianteiras (colunas A), mediante a adoção de um
tipo de vidro de pára-brisa que tinha
função estrutural. Era um passo arriscado, que se provou exagerado. Permitindo
visibilidade total numa área muito importante, talvez o setor mais crítico no
assunto visibilidade, no Techna esse era um item de segurança muito melhorado.
Mas pelas distâncias que carro rodou, ficou claro que não havia a resistência
necessária, já que o carro torcia demais.
Antes das simulações computacionais era dessa forma que se verificava algo tão fundamental, mas mesmo hoje, com esse recurso, caso alguém propusesse essa solução novamente, seria sempre preciso construir protótipos para se ter certeza do que aconteceria. A diferença é que o aprendizado do mundo virtual seria muito mais completo, e o carro verdadeiro teria um comportamento muito bem previsto.
Nas colunas que seriam
chamadas de B (as traseiras), mas que aqui eram as únicas a sustentar o teto, havia lanternas
verticais adicionais às montadas no pára-choque, funcionando apenas com luz de
freio e indicador de direção. Tratava-se da terceira luz de freio, quase quinze
anos antes da Cadillac colocá-la pela primeira vez em produção. Eram assim quatro unidades de luz de grande
área, em duas alturas diferentes. Não enxergar um Techna à noite seria tarefa
difícil.
No conjunto dianteiro, havia uma abertura no capô para verificar água
e óleo de motor e câmbio, além de ajustes básicos na carburação. O capô basculava inteiro para frente junto com os pára-lamas, permitindo um
acesso facilitado. Um sonho para entusiastas da graxa e dos fios. Não era
novidade, mas usado apenas em carros esportivos, como o Miura e o Jaguar
E-Type.
Bela mistura de luxuoso e esportivo |
Exposição no Salão de Los Angeles de 1967 |
Acesso para manutenção básica |
Um sistema de
diagnóstico a bordo era grande novidade nessa época de eletrônica dos primórdios. A
humanidade estava quase chegando à Lua, mas a Ford já forçava a situação que hoje é
regra geral.
O motor é um V-8 de 460
polegadas cúbicas (7,5 litros) OHV (válvulas no cabeçote), duas válvulas, de 375 cv a 4.700 rpm, acoplado
a uma caixa automática de três marchas e comando por botão giratório elétrico. Esse comando era acoplado por lógica de
controles elétricos às portas e tampa do porta-malas, para que esses não fossem
abertos com o veículo em movimento. O velocímetro não tinha cabo, sendo acionado
por sensores eletrônicos, outro item que hoje é comum. Com esse motor e câmbio,
chegava a 200 km/h.
JJ
Fotos: allcarindex; conceptcarz; ebay
Demais! Não sabia da existência desse carro. Rapaz, pena não ter dezenas de fotos grandes (panorâmicas e de detalhes) em alta resolução, principalmente do interior! Adoraria vê-lo esmiuçado por dentro. De cara, uma coisa já me ganhou: ser monocromático azul. E é sempre muito interessante ver projetos que não chegaram às ruas.
ResponderExcluirIsso ai meu velho!
ExcluirFiquei amarradao na forma desse capo abrir.
Jorjao
Eu gostei!
ResponderExcluirAlias seus dois ultimos posts trouxeram carros muito bonitos!
Acho que o Mercury Cougar 68 , foi inspirado nesse prototipo. Vc nao acha?
Incrivel como eram grandes os motores nessa epoca, 7,5 litros! Os Cadillacs tinham motores de 8,2 litros. Porem a potencia especifica decepciona.
O Mercury Cougar 68, na minha opinião, foi um dos carros mais belos da história automobilística.
ExcluirQuanto ao Techna, é um espetáculo sobre rodas. É uma Típica "barcaça" americana que eu gostaria de ter, ainda mais por ser monocromático azul.
Motorzao desse tamanho so para texano magnata de petroleo
ExcluirTo na lona!
Jorjao
Jorjão, antes de os árabes começarem a valorizar o que eles tinham, gasolina era muito barata, tanto que motores econômicos equipavam apenas veículos de frota.
ExcluirAnônimo,
Excluirpode ser que sim, afinal, o Cougar deve ter sido desenhado mais ou menos na mesma época, talvez antes. Mas sem dúvida um lembra o outro.
Nunca havia ouvido falar desse carro. Pelo visto, mais uma extravagância "pra inglês ver" natimorta da Ford.
ResponderExcluirO futuro em 1967 (ou para ser mais preciso, em 1966), era o Oldsmobile Toronado, que dispensa apresentações, mas que tinha o assoalho plano devido ao uso de tração dianteira, coisa que até hoje os fabricantes parecem não ter aprendido a fazer (com exceção da Honda). O Toronado também introduziu na indústria o raio negativo de rolagem na suspensão dianteira, que fez sua estréia por aqui no Passat B1, possibilitando a adoção de circuitos de freios em diagonal, também um grande legado para o futuro.
Muito bem lembrado o Toronado!
ExcluirAcho um dos carros americanos mais belos e interessantes ja produzidos.
Outro dia, por aqui, vi um Cadillac Eldorado 68 , um tracao dianteira, totalmente inspirado no Toronado.
Vc ja ouviu falar do Toronado do Jay Lenon?
Lobo em pele de cordeiro , com sua aparencia totalmente original e mas com um motor bem especial com aprox 1000hps. ... Depois de uma fucada no youtube.
Lembrando que o Toronado de Jay Leno é uma verdadeira "contra-revolução"... ele botou motor de Corvette (biturbo), túnel e converteu o carro para tração traseira. Coisa de caipira novo-rico, mesmo.
ExcluirLorenzo Frigerio,
Excluirpela qualidade da coleção de Jay Leno, ele tem o direito de fazer algumas extravagâncias.
Lorenzo,
ExcluirEu ja vi por fotos e video a colecao do Jay Leno . Por mais Red-Neck e extravagante ele tem belissimos carros. O cara respira automovel e tem uma cultura automotiva incrivel.
Eu sou do interior , me considero caipira mesmo , e um simples 3# mundista brazuca.
Sim e morro de inveja da colecao do velho Jay.
Mas com certeza voce tem carros bem melhores que os dele. Disso eu nao tenho a menor duvida!
Já falaram dele aqui:
Excluirhttp://autoentusiastas.blogspot.com.br/2012/06/revolucao-de-1966-oldsmobile-toronado.html#more
Aliás, o que a Ford tem de coisas natimortas não está no gibi. No Brasil, as natimortas o foram pela tradição da filial daqui pipocar (por isso nada de Taunus e Sierra). Já nos Estados Unidos, ainda que houvesse doideiras extremas como o Techna, em outros casos houve falta de vontade de tornar viável algo que saísse do convencional, vide deixarem de lado o sistema T-Drive, que consistia em motores transversais com saída de força no meio do bloco, como em uma moto, e transmissões longitudinais, o que facilitaria que uma mesma plataforma pudesse gerar veículos de tração dianteira, traseira ou integral.
ExcluirE a barca ainda era bonita ein ?!
ResponderExcluirUma dúvida, com essa frente quase toda selada, a refrigeração de um motor tão grande não fica comprometida ?
Ou havia algum sistema basculante ali, como há atualmente em carros de categorias superiores ?
Obrigado pelo texto, Juvenal !
Evandro,
Excluirno para-choques dá para ver que há grades.
Não fervia não !
Deveras interessante o Techna, mas a ausência das colunas dianteiras não era novidade, pois em 1956 o "Chrysler Norseman", construído pelo estúdio Ghia, já não as tinha. Infelizmente, o "Norseman" foi perdido quando do naufrágio do transatlântico "Andrea Doria", em 26 de julho de 1956.
ResponderExcluirCarlos
Porto Alegre/RS
Antes do Norseman, contudo, a Ford já eliminara - em 1954 - a coluna A de um veículo, o protótipo Mercury D-528.
ExcluirHá um breve e bom texto sobre ele no BestCars (modéstia à parte), em especial para os fãs do Jerry Lewis e do primeiro filme "De Volta Para o Futuro":
http://bestcars.uol.com.br/prep-inter/conc-91.htm
As formas do painel e o posicionamento do volante lembram muito o Volkswagen XL-1 mostrado há algum tempo.
ResponderExcluirPortas! Porque estes sistemas alternativos não emplacam? Já vi muitos protótipos de portas, mas na vida real é sempre a mesma coisa! CAberia um post sobre o assunto?
ResponderExcluirÉ que é mais barato produzir e manter um carro com portas "normais". Além de que as portas do Ford Techna parece não ter um ângulo grande de abertura...
ExcluirCorsário Viajante,
Excluircabe sim, estou colocando na lista de sugestões dos leitores.
Valeu !
Muito bonito e com belas soluções.
ResponderExcluirMuito interessante esse artigo. Nesse site tem algumas fotos desse carrão em tamanho maior: http://www.carstyling.ru/en/car/1968_ford_techna/
ResponderExcluirLanternas verticais nas colunas e outras no parachoque... Acho que a Ford aproveitou a (excelente) ideia no Focus Hacth em 1998.
ResponderExcluirPara os amantes de automóveis este blog é fantástico. As leituras são fantásticas.
ResponderExcluirParabéns a todos.
Luiz Claudio Basilio
Luiz Claudio Basilio,
Excluirmuito obrigado pelo seu comentário.
Fique ligado, sempre temos muita coisa boa mesmo por aqui, graças à variedade de formações e experiências dos que escrevem.
Um abraço.
Se Oscar Niemeyer projetasse carros, o Techna seria o modelo de sua autoria.
ResponderExcluirAh vá! Nao exagera!
ExcluirVc ja viu algum carro desenhado por Pininfarina?
Esse atuído esta para desenho em automóveis como o Niemeyer para arquitetura
Não.
ExcluirO carro mais "candidato" a ter sido desenhado por Niemeyer, sem dúvida teria sido o DKW Fissore. Linhas limpas, equilibradas, sem nada a esconder. Áreas envidraçadas verticalizadas e largas. É a cara do auge do modernismo, é cara dele. É a época da arquitetura de Oscar e a época do carro.
JJ e Bob: que tal fazer um post comparando alguns modelos memoráveis de automóveis com arquiteturas também memoráveis?
Anônimo 02/07/13 21:10
ExcluirUma das características niemeyeranas era o combate às chamadas "florestas de pilares". Como bem sabemos, o arquiteto conseguia fazer prédios fortes com poucos pilares de sustentação, de maneira a conseguir um ambiente mais livre no rês do chão (vide os amplos vãos inferiores de seus edifícios comerciais e residenciais). Tendo o Techna só duas colunas, na prática ele niemeyerizava, ainda que não tivesse recursos para pôr isso em prática (assim como Niemeyer só conseguiu fazer o que fez devido ao advento do concreto armado).
Aliás, se pensarmos que os carros atuais estão se tornando "florestas de pilares", seria excelente que alguém os niemeyerizasse um pouco que fosse. Não precisaria de só duas colunas e poderiam ser até mesmo as seis costumeiras, mas elas poderiam ser mais pensadas para não atrapalharem a visão, não gerarem janelas pequenas e também serem conciliadas a linhas de cintura mais baixas sem que se comprometesse a segurança em batidas laterais (pense aí no tal lance dos prédios fortes com poucas colunas).
CSS 02/07/13 21:40
Ainda que o Fissore fosse um veículo de extremo bom gosto, não acho que chegava ao nível de doideira que as obras de Niemeyer têm. O Fissore combatia as "florestas de pilares" automotivas com suas seis colunas finas e linha de cintura baixa, mas isso por si só é muito convencional.
Vendo o Techna, não temos apenas o teto sobre duas colunas como único aspecto. Temos também o vidro traseiro em bico, as lanternas montadas nas colunas em um carro de três volumes (isso é solução que só vimos em série em três volumes nos piscas elevados do DS, com lanternas completas nas colunas estando apenas em carrocerias de um ou dois volumes), o motor propositadamente torto, as portas deslizantes e as linhas gerais com muitas curvas (lembremos que Nieymeyer abominava a linha reta e sempre metia curvas em suas obras).
Boas informações, caro Anônimo Arquitetônico.
ExcluirObrigado.
Hoje em dia seria possível fazer parte das loucuras do Techna em produção seria. O para-brisa teria de ser de alumínio transparente, bem como o resto da estrutura teria de ser feito de algum tipo de aço especial (ou mesmo alumínio comum). Com o alumínio transparente daria para dispensar as colunas.
ExcluirPensando no princípio de que vidros passaram a ser colados à carroceria não só para facilitar a montagem na fábrica como também para fazer uma trapaça de engenharia em ganho de rigidez à torção, também poderíamos pensar no vidro traseiro em bico sendo substituído por uma peça de alumínio transparente.
Claro que alumínio transparente é bem mais caro que vidro convencional, ainda mais pensando no grau de extensão que essas peças atingem em um carro, mas poderia ser pensado para uso, ainda mais que já está sendo usado, por exemplo, em latinhas de bebida.
boa anonimo do Niemeyer!
ResponderExcluirJuvenal, grata surpresa esse modelo, bem que os designers automotivos podiam dar uma revisitada nesses conceitos antigos para melhorar a inspiracao geral, chega de carros pasteurizados!!!
abracos
RT
Obrigado RT,
Excluirum carro de desenho muito interessante mesmo, o Techna.
Pasteurizados e todos iguais, isso é o que incomoda.
Abraço
[OT] Aproveito para parabenizar - desde que se concretize - a intenção de o governo do Estado de São Paulo punir os baderneiros (que grande parte da mídia chama de "manifestantes") que provocaram grave acidente na rodovia Anhanguera:
ResponderExcluirhttp://g1.globo.com/sao-paulo/sorocaba-jundiai/noticia/2013/07/policia-quer-identificar-grupo-que-provocou-acidente-em-jundiai-sp.html
Gostaria de alertar à polícia de Jundiaí que também foi caracterizada a ocorrência de crime de periclitação da vida e da saúde, a que se refere o art. 132 do Código Penal (Perigo para a Vida ou Saúde de Outrem).
Vejam o vídeo e imaginem quantas mortes ocorreriam se, em vez de uma carreta, fosse uma Kombi lotada de trabalhadores ir ao encontro da "guilhotina" da plataforma...
Lindo carro. A industria as vezes vai até o passado e faz um retrô-moderno, mas nunca reedita algo belo, por medo de algum marqueteiro dizer: "Parece velho ou não vai vender". Um simples exemplo são as colunas do carro. Fazer colunas finas para melhorar a visibilidade, ao olhar dos designers, vai fazer o carro parecer velho, frágil, assim como linha de cintura baixa (vide Santana, é só olhá-lo e ver como os desenhos modernos o fizeram ficar velho, com suas colunas finas e linha de cintura baixa). Parabéns pelo texto!!
ResponderExcluirDaniel Libardi
Podem me tirar uma duvida ? O que quer dizer com OHV (válvulas no cabeçote) ? As válvulas não são no cabeçote em qualquer carro ?
ResponderExcluirAss Lucas.
Lucas,
ResponderExcluirQuando se diz OHV é que apenas as válvulas estão no cabeçote; o comando de válvulas, não.
Na história dos motores, quando as válvulas eram no bloco, também chamado de válvulas laterais, ao passarem para o cabeçote melhorando consideravelmente o fluxo, criou-se a expressão "válvulas no cabeçote", overhead valves, ou OHV.
Depois foi a vez do comando de válvulas sair do bloco e ir para o cabeçote, eliminando a transmissão de movimento dos ressaltos para o cabeçote por meio das varetas ou hastes de válvulas e dos balancins, itens de movimento alternativo que constituem dificuldade à medida que a rotação do motor se torna maior. Para definir esses motores o nome foi criada a expressão "árvore de comando (de válvulas) no cabeçote", overhead camshaft, OHC.
Finalmente, quando os comandos de válvulas passaram a ser dois, um para admissão e outro para escapamento, a expressão foi "duplo comando (de válvulas) no cabeçote", double overhead camshaft, DOHC. Muitos escrevem também SOHC, single overhead camshaft, árvore de comando (de válvulas) única no cabeçote. SOHC é o mesmo que OHC.
Para completar o seu entendimento, com o ou os comandos no cabeçote a atuação das válvulas pode ser direta ou indireta.
Direta é quando o ressalto do comando aciona a válvula diretamente, por meio de um tucho tipo copo de cabeça para baixo. É assim nos motores Alfa Romeo mais antigos, Volkswagen AP 1/2xxx, Fiat Fiasa, Corolla, Porsche 911 atuais.
Indireta é quando o ressalto do comando aciona uma alavanca-dedo e esta, a válvula propriamente dita. Começou no motor do Chevette, depois no Ford OHC 2300 e atualmente é bastante utilizado, com nos Renault 8-válvulas, Volkswagen EA111 (e no recente EA211 de 3 cilindros).
A evolução da alavanca-dedo foi colocar na extremidade de apoio, oposta à da válvula, um pistão de funcionamento hidráulico, que serve para compensar dilatações e desgastes do conjunto, mantendo-o sem folga (folga zero) durante toda a vida do motor. Tecnicamente é um compensador de folga de válvula.
A evolução continuou com a colocação de um rolamento na alavanca-dedo, de modo que o ressalto tocasse o rolamento e não a alavanca propriamente dita, reduzindo o atrito e, como efeito colateral, permitindo rampas dos ressaltos mais abruptas, otimizando a abertura das válvulas. Um bom exemplo é o motor Ford Rocam,um dos primeiros, senão o primeiro, a trazer a solução, hoje adotada universalmente nos sistemas de alavanca-dedo.
Finalmente, por que digo alavanca-dedo enquanto muitos dizem 'balancins'. Balancim é uma alavanca interfixa, o apoio fica no centro, o braço de potência fica numa extremidade e o braço de resistência, na outra. É o caso dos balancins do motor Volkswagen arrefecido a ar, de Corcel/Escort CTH, Dodge 1800. O melhor exemplo de alavanca interfixa é a nossa conhecida tesoura.
A alavanca-dedo é uma alavanca interpotente, ela se apóia numa das extremidades, o braço de resistência é a própria válvula e o braço de potência, a própria alavanca. É por isso que não pode ser chamada de balancim. Tanto que em inglês é chamado de rocker, de balanço: as cadeiras de balanço chamam-se rocker chair.
O melhor exemplo de alavanca interpotente é a pinça.
Há ainda um terceiro tipo de alavanca, mas que não é usada nos motores, a inter-resistente, caso dos carrinhos de mão usados na construção civil para transportar material. A resistência fica no meio da "alavanca", com o braço de potência (mãos e braços da pessoa) numa extremidade e o ponto de apoio, em outra, as roda do carrinho.