Mais um convidado especial para a semana de aniversário é o Juliano "Kowalski" Barata. Entre outras coisas ele tem o site Mulsanne e o Blog do Mulsanne. O Juliano tem pelo menos dois dons facilmente identificáveis: perseverança e sensibilidade. A perseverança se vê na minibiografia que ele preparou a nosso pedido, e a sensibilidade salta aos olhos nos seus textos e fotos - devemos fazer outro post com ele só com fotos.
Sua minibiografia é tão interessante que decidimos colocá-la na íntegra.
Quando decidi trabalhar com jornalismo automotivo, em 2004, eu ainda estava no curso de História, na USP. Não conhecia absolutamente ninguém do ramo. Tudo o que eu tinha à mão era o meu Dodge (na época um Charger) e algum conhecimento técnico. Resolvi me aprofundar naquilo que mais gostava: dinâmica automotiva. Sempre gostei de andar forte, mas principalmente, de entender o que se passava. E para repassar isso aos leitores precisaria aperfeiçoar a minha base. Comprei mais livros, comecei a frequentar o autódromo de Interlagos, fiz um curso de pilotagem e após muitas conversas criei amizades com pilotos, mecânicos e engenheiros. Em 2006, o site Mulsanne estava no ar, com o Blog do Mulsanne ao lado, pouco tempo depois. A meta era fazer algo de nicho, direcionado ao entusiasta com o meu perfil: velocidade e técnica. Também entrei no ramo da fotografia, pois estava sozinho e precisaria de imagens. Mal sabia eu que esta se tornaria uma das grandes paixões, e atualmente briga lado a lado com o meu amor aos textos. Hoje, trabalho na revista que leio desde criança, a Quatro Rodas; e sou colaborador do blog Jalopnik. Devo tudo isso ao Mulsanne e ao conselho de vários amigos, que me ensinaram o valor do arrojo e preparo.
Foto: Quatro Rodas / Marco de Bari
Por Juliano "Kowalski" Barata
Você pode ter guiado centenas de automóveis, do popular de um litro ao superesportivo de 1000 cavalos. No trânsito diário, em uma pista de testes, de maneira ilegal; em um autódromo. Pode ter mil amantes em seu currículo. Biscates, intelectuais, modelos; crentes, junkies, mulheres, molecas. Independentes materialmente, dependentes sentimentalmente - e vice-versa.
Mas ainda assim, algo de misterioso - e portanto, imprevisível - permanece. A cada jogo de chaves que cai em nossas mãos, a cada garota que surge em nossas vidas; resta-nos nada senão a doçura provocante da incerteza. Carregamos pouco mais que algum conhecimento, experiência e uma certa dose de sexto sentido, que nos alimentam uma ideia vaga do que esperar. Mas a verdade está lá fora. Sem forma, sem garantias, sem certezas.
E talvez nisso esteja a graça de tudo.
A receita de um bom tempo de volta é a mesma de um bom relacionamento. Nas palavras de Jackie Stewart - falando sobre pilotagem - "seja dócil, seja gentil, e ele será gentil com você. É sua amiga, sua esposa, vocês em uma paixão fantástica. Tudo é unido, sem a necessidade de bate-bocas".
E se às vezes é necessário se impor, isso deve ser feito com agressividade controlada - quase invisível; como em um carro que subesterça nas entradas de curva. Em outras ocasiões, é melhor soltar as rédeas e deixar a outra parte fazer sozinha aquilo que intenciona; como em um automóvel sutilmente sobre-esterçante em uma saída de curva, deslizando rumo à zebra de fora.
E se às vezes é necessário se impor, isso deve ser feito com agressividade controlada - quase invisível; como em um carro que subesterça nas entradas de curva. Em outras ocasiões, é melhor soltar as rédeas e deixar a outra parte fazer sozinha aquilo que intenciona; como em um automóvel sutilmente sobre-esterçante em uma saída de curva, deslizando rumo à zebra de fora.
E podem haver incompatibilidades entre o que você precisa e o que ela tem a oferecer; porque cada piloto, cada máquina e cada mulher possuem necessidades, vícios e intolerâncias determinadas. Detectá-las e negociá-las nem sempre é fácil.
Mas eu - como muitos por aqui - sou viciado neste jogo. Tenho à mão pouco mais que algum conhecimento, experiência e uma certa dose de sexto sentido. E gosto de ir lá fora e experimentar for real - sem garantias, sem certezas. Nisso, descobri que o Smart é como aquela garota estilosa, que o seduz pela suas excentricidades, inspirando confiança e paixão. Mas na hora H, dá pra trás: a agilidade de seu baixo peso mais motor turbinado chocam-se de frente com um câmbio lento e uma irritante - e talvez perigosa - saída de frente; que não dá o mesmo teor de aviso e possibilidades de brincadeiras de um... Fiat Uno! Confesso que não sei se este comportamento é induzido por calibragem de suspensão ou monitoramento das rodas.
Sim, é verdade que o Smart, com entre-eixos de carrinho de supermercado e CG nas alturas, não foi projetado para direção inspirada; por outro lado não podemos negar que os pneus de perfil baixo e o motor turbo tentam os seus motoristas a todo instante. É aquela garota cheia de bagagem cultural, com um carisma natural que chama a atenção de todos em público, conhece os lugares mais descolados da cidade, e que brinca com o seu desejo. Mas entre quatro paredes impõe os seus limites e é cheia de manias: com ela, você não vai à loucura. Contudo, você teima em fazê-lo de novo e de novo, achando que desta vez vai ser diferente.
Mas a vida é cheia de surpresas, e nossos preconceitos podem estragar muitas delas - se não estivermos com a guarda baixa e a mente aberta para mudarmos a nossa opinião como um Caterham aponta em uma curva de média. A primeira vez que vi o Audi R8 V10, fiquei impressionado com a elegância e sofisticação do design. Colado ao chão e com uma silhueta que me fazia pensar no Murciélago, resmunguei em segredo "esse é daqueles de quebrar a bacia e trincar as costelas". E quando soube que a tração era integral, sabia que estava em uma roubada para fazer a foto que precisávamos - colocar o bicho de lado. E sem pedal de embreagem para destracionar e chamar o drifting.
Estava contrariado.
Desliguei todas as assistências necessárias, ainda crente que seria um fracasso. Qual nada. Na segunda tentativa, a traseira já abria um leque - embora difícil de ser mantido, pela falta do pedal de embreagem. Comunicativo, dócil e apimentado ao mesmo tempo, o R8 V10 e seu ronco rouco e grave calou a minha boca em um instante. E mudou a minha cabeça sobre o teor de diversão de um carro com tração integral. Em pouquíssimas passagens, alternadas com muita água para não causarmos danos aos pneus, já tínhamos a foto. Que felicidade!
Foto: Quatro Rodas / Marco de Bari
Algumas semanas depois, pude guiar um R8 V8 de um conhecido, no trânsito paulista. Já sabia que suas reações eram gostosas, mas queria ver o quanto ele iria nos maltratar nos nojentos pavimentos urbanos. Pensava em batidas secas, pancadas na coluna e na consciência a cada batente de suspensão atingido, aquela dor de cortar aos ossos a cada raspão em qualquer coisa no chão. Mas... esqueçam. Deste tipo de carro, o R8 é o mais confortável que eu já guiei. Não, não é um Rolls-Royce flutuando sobre o asfalto - mas nossas costas não doem ao passar sobre bitucas de cigarro, como acontece com alguns superesportivos.
Ele me fez pensar em um certo tipo de garota: muito bonita, alta, charmosa e com uma expressão que intimida todos os homens que não tiveram a ousadia de quebrar o gelo. Por um impulso, você arrisca e se aproxima de mente aberta; para descobrir que ela é divertida, de bem com a vida, sem complicações nem estrelismos. Você pode levá-la aos limites entre quatro paredes, visitar uma exposição de artes ou simplesmente passear em uma manhã de domingo - sem palavras, acompanhados apenas de uma pacata cumplicidade. Se é difícil encontrar uma mulher assim, ao menos já sei que a contraparte mecânica existe.
E o jogo continua...
Juliano,
ResponderExcluirConcordo com vc em no. e grau.
Temos que tirar da nossa mente o pré-conceito e o pré-julgamento para podermos nos surpreender com a vida.
As vezes nada é o que parece.
Parabens pelo excelente texto.
Abs,
Roberto
O Barata é um barato!
ResponderExcluirSabe se apaixonar pelo que vale a pena e em seus textos e fotos sabe mostrar essa paixão.
Obrigado, Juliano!
"nos surpreender com a vida" e acima de tudo se divertir.
ResponderExcluirabs
O Juliano escreve muito bem, sua paixão pela parte técnica da pilotagem - e seu projeto do Charger Stock - são coisas que devem ser muito bem observadas.
ResponderExcluirTalento verdadeiro...
Trajetória interessantíssima!
ResponderExcluirDevo dizer que o mulsanne e o jalopnik são uns dos melhores conteúdos sobre veículos do brasil.
Espero que continue nos proporcionando textos incríveis e cada vez mais interessantes!
Grandíssimo texto!. O trabalho do Kowalski é fantástico!..qualidade dos textos, fotografia, a abordagem dos temas como mecânica,dinâmica automotiva, direção ofensiva, clássicos..enfim! Nota-se a paixão, uma simbiose! ( Homem x Máquina )para as mentes mais fechadas e desprovidas de sensibilidade, é algo realmente inexplicável!
ResponderExcluir''..Jackie Stewart - falando sobre pilotagem - "seja dócil, seja gentil, e ele será gentil com você...''
Preste muita atenção neste vídeo
http://www.youtube.com/watch?v=6aDLDoU-X-A
Já que o nosso amigo Juliano lembrou do Mestre...!
Henrique
Obrigado a todos os meu amigos e colaboradores por este momento lindo que eu estou vivendo.
ResponderExcluirUm beijo a todos!
Realmente, o Juliano escreve e fotografa muito bem mesmo. E ainda escreve sobre comportamento dinâmico, coisa que me interessa muito! Bom trabalho, "El Cucaracha"!
ResponderExcluirAmiguinho Juliano "Kowalski" Barata,
ResponderExcluirConfesso que criei certa antipatia da vossa cara, depois do "Bugatti Veyron: Dispenso!!!".
Não que você tenha obrigação de gostar de algum carro. Mas naquele texto, eu não consegui enxergar o apaixonado por carros, e mulheres que é.
Já me peguei inumeras vezes fazendo algumas das comparações que fez, e acho q um verdadeixo entusiasta também tem essa capacidade de captar as minucias e a personalidade da maquina.
Excelente texto!
Grande abraço,
Mais uma ótima escolha!
ResponderExcluirSeja bem vindo Kowalski!
É um homem ou uma mulher guiando aquele bmw conversivel da foto? parace uma mulher....
ResponderExcluirQue belo texto! Ótima comparação!
ResponderExcluirSó para constar, o comentário do "El Cucaracha" acima não foi feito por mim...
ResponderExcluirO agradecimento permanece, contudo. E sim, estou vivendo uma ótima fase. Mas sem beijinhos, por favor. rs
Guilherme, fico feliz que tenha compreendido o meu ponto de vista. Talvez o texto do Veyron tenha pego muita gente de calças curtas porque optei por seguir uma linha mais inglesa, cheia de ironias e comentários ácidos. Mas é preciso filtrar isso e não levar tanto a sério. Pense no Jeremy Clarkson fazendo as comparações esdrúxulas que escrevi, e talvez a coisa fique mais light.
ResponderExcluirTenho grande respeito pela equipe de engenharia que desenvolveu o Veyron, e imagino que seja um carro fantástico e peculiar de guiar. Mas não, ele não entra na minha lista de sonhos impossíveis de consumo.
abs!
Kowalski,
ResponderExcluirParabéns pela grande fase que vive e que bom que existe um entusiasta de verdade na veneranda 4 rodas!
Abraço, felicidades, e obrigado pela contribuição!
MAO
Gostei muito do texto!!
ResponderExcluirSerá que finalmente apareceu alguém jovem trabalhando no mercado editorial brasileiro com a filosofia da EVO inglesa?
Acompanharei seu blog a partir de hoje. Apenas me perdoe por não ler a 4R, isso já seria demais! :-)