Fiquei uma semana com um C4 Pallas Flex manual. Nunca tinha andado nesse carro, somente na Grand C4 Picasso e tinha gostado. Tinha achado muito francês para o meu gosto, mas tinha gostado. Bacaninha.
Aí, na semana passada fui buscar o Pallas. Me emprestaram um champagne. Pensei... "Tinha que ser francês. Por que não faz prata de uma vez. Vai fazer champagne???" Detalhe: o nome da cor é prata.... Mas vamos lá...
Fico uns 10 minutos me ajeitando no banco e não encontro posição legal de dirigir. O pessoal da Citroen achando que eu sou um retardado, mas continuo lá. Fico um pouco constrangido e saio com a posição de guiar em 60% boa. E assim vou... mexendo em todas as regulagens possíveis. Até que consigo uma... Três dias depois. Satisfeito??? Que nada... Descubro que o banco de couro escorrega...
Volto a me concentrar na condução do carro e como o trânsito para, presto atenção no rádio. Vou programar minhas estações prediletas. Faço sem problemas, apesar da demora na resposta do rádio logo depois que se aperta o botão. Feito tudo isso, passo a utilizar os comandos no volante. Eles são formados por botões e por umas bolinhas para girar e selecionar a estação programada. As estações estão numeradas de 1 a 6 em uma lista sequencial e estava sintonizada na 2. Giro a bolinha para cima para sintonizar a estação 1 e o que acontece??? Ela vai para a 3!!!!!! Giro para baixo e a estação volta para a 2!!!!! Como assim??? Esse treco está invertido!!!! Mas será o Benedito???? Não dá para fazer um negócio lógico??? Se desenham uma lista e te propõe que você a utilize girando uma bolinha, faz todo o sentido do mundo que as programações para baixo sejam selecionadas girando a tal bolinha para baixo e as de cima, para cima.... Não na França...
Mas tudo bem... vamos que vamos... Começa a chover. Esse carro tem sensor de chuva, um equipamento que, em qualquer carro, é ruim... No mínimo, estranho, pois quando chove ele não liga e quando tem duas gotas no para-brisa ele liga no máximo... Pensei. "Não quero essa porcaria ligada". Ligo uma varrida, pois a chuva ainda estava fraquinha. Uma garoa. Ele passa uma vez e trinta segundos depois... liga no máximo num movimento frenético.... Hã??? O que está acontecendo com esse carro??? Esses carros franceses. Esses caras só servem para fazer perfume, queijo e vinho mesmo...
No Pallas, ao acionar a função de uma varrida, ele liga o sensor de chuva. Assim, na prática, a função de uma varrida inexiste, pois é acionado o sensor de chuva que para ser desligado, é necessário que você coloque a alavanca na velocidade 1 e retorne para o neutro ou desligado. Uma lógica só compreendida depois de muito vinho.... francês.... Não seria mais simples criar um estágio de posição da alavanca para o automático, como a grande maioria faz??? Ou melhor, como tem no próprio C4 para acionamento do sensor de faróis???? Na minha opinião seria, mas não sou francês....
O carro anda muito bem e gostoso. O motor 2,0-l de 151 cv quando abastecido com álcool forma um belo casal com o câmbio manual de cinco marchas. E nesse aspecto temos que parabenizar a Citroën por acabar com a ditadura do câmbio automático para as versões topo de linha. Não é por que eu quero um carro bem equipado que sou obrigado a levar o câmbio automático. Salvo engano, todos os seus concorrentes fazem isso. Aí, percebo que a direção elétrica é boa na cidade, mas meio chatinha na estrada devido à grande assistência. A progressividade dela deveria ser um pouco maior. Além disso, ele tem algo curioso. No trânsito quando passamos de primeira para segunda, e, depois de engatada a segunda, se a rotação estiver a menos de 2.000 rpm, ele engasga. Em contrapartida, se estico a marcha e tiro o pé em segunda mesmo, mas a uma rotação mais alta, o freio motor dele é quase nulo.... Vai entender... Um saco... tem que toda hora prestar atenção no que o carro vai fazer...
O C4, com todas essas coisas que escrevi aí em cima, com todos esses "defeitos", me cativou. Me conquistou. Por que??? Acho que justamente por causa desse monte de coisa que enche o saco num primeiro momento. O Pallas é um carro que te faz pensar, te deixa acordado, te exige atenção e, em função de tudo isso, interage com você. Te deixa vivo....
É extremamente agradável você perceber que não está sentado em uma máquina apática, robotizada, que faz tudo bonitinho e certinho, que não pede para você olhar no painel do carro de vez em quando, de forma que você precisa pensar para descreves como é o painel do seu carro, pois você mal olha para ele. O do C4 você lembra, não só pela peculiaridade do desenho, mas por que toda hora ele está "falando" com você. "Olha, liguei isso, liguei aquilo, desliguei isso, vou desligar aquilo. Uma chatice.... Mas uma chatice bacana... A chatice que te faz lembrar que o carro ali embaixo está vivo e falando com você. Que mesmo sendo um monte de perfumaria e bobageira que ele tá fazendo e te informando, ele está ali trabalhando e tentando te agradar....
Além disso, na hora de dirigir, ele é bom. Muito bom!!! Se contar que você não dirige no automático. Tem que prestar atenção nele. E isso é bom. Esses carros esterelizados de hoje te fazem sentar no banco e movimentar o pedal direito e só.... Mas vira-se o volante. O Pallas é um pouco diferente. Você quer guiar assim? Vai conseguir, mas vai precisar de mais tempo atrás do volante dele para fazer isso direito, pois o carro vai exigir mais de você. E quando você chegar nesse estágio, não vai querer mais, pois vai descobrir que é bacana guiar prestando atenção e que é muito melhor do que parecer que está brincando de videogame ou de carro elétrico.
Estou louco para andar no C4 Hatch. Gosto muito do desenho dele e não vejo por que ele não ser tão bom quanto o Pallas. Definitivamente, o C4 está na minha wish list. Ao lado do Punto que sempre gostei....
Nunca achei que diria isso, mas finalmente um carro francês me conquistou. E estou feliz por isso.

Amor. Estranhamente, esse sentimento nosso por automóveis, claramente compartilhado por leitores e colunistas do AUTOentusiastas, não é uma palavra muito escrita por aqui. Stranger still é o fato de que possamos amar algo que não nos ama de volta. Ou nos ama?
Já escrevi algumas palavras aqui do meu daily-driver. Não ligo muito para ele, é só um meio eficiente e confortável de chegar ao trabalho. Há um ano na minha garagem, acho que só calibrei os pneus umas 3 ou 4 vezes, não faço idéia de onde fica a vareta de óleo, lavo-o uma vez a cada 3 meses (calma, não sou tão porco, o interior é mantido limpo!) e a única coisa que faço para ele é alimentá-lo com boa gasolina. Nada entusiástico sobre ele.
Vejam, isso é uma resposta auto-condicionada minha. Já me apaixonei por daily-drivers antes. Bom, na verdade, tentei transformar paixões em daily-drivers. Custou caro. Dores de cabeça frequentes. Preocupações diversas e coisas e tal, mas can you blame me? Quem nunca raciocinou tentanto por lógica na idéia de usar um hot rod francês no dia-a-dia? Afinal, o que são 70 km diários de trânsito e uns buracos? Fato é que cresci, passei dessa fase, e comprei algo comum. Com alguns luxos e certo potencial (boa relação peso-potência, freio a disco nas 4 rodas, e coisa e tal...), mas algo comum. Ferchristsake, eu comprei-o de uma prima minha!!! Chick-car, I know. O que é uma coisa boa, eu não poderia querer inventar nada com algo comum assim.
Mas depois de um ano, aquilo que nunca foi uma paixão tornou-se um amor. Daqueles duráveis, estáveis, confortáveis. Viajei no final de semana, viagenzinha romântica, com a namorada, para um hotelzinho encravado no topo de uma montanha silenciosa no interior de MG, feita a dois, uma comemoração. Perfeito para ir com a Alfa, ou descolar um conversivelzinho. Mas fui com o daily-driver, para viajar bem tranquilo. De novo, nem calibrei os pneus. Enchi o tanque, o porta-malas e fui. Estradas perfeitas (Ayrton Senna, Dutra), estradas nem tão perfeitas (BR-354) e estrada inexistente (uma estradinha sem nome que cruza o Parque Nacional de Itatiaia). O final de semana perfeito foi coroado com a viagem de volta. Na busca de um atalho, confiei no GPS e segui pela estrada que cruza o Parque Nacional. Inacreditável. Asfalto quase inexistente, buracos imensos, pedras, lama, valas, tudo. E o danado lá, me levando e pedindo mais. Desisti a uns 2.200 m de altitude, quando as pedras se tornaram maiores que os pneus do carro e retornei, descendo uns 10 ou 15 km de estrada esburacada e sem calçamento, em alta (60+km/h) velocidade, num rallye pessoal.
Depois, voltando à BR-354, desci a deliciosa estrada como se não houvesse amanhã, without breaking a sweat. Turn-in imediato, frente colada, sem empurrar, traseira pendurando na medida certa, equilíbrio perfeito. Irregularidades na pista, mesmo em curvas, eram muito bem controladas. Feedback do volante perfeito, em sintonia com tudo. Perfeito. E para coroar, 6,8 l/100 km de consumo. E eu nunca fiz nada por ele. Nunca. Só gasolina. E troquei o óleo uma vez! Makes you think, esse carrinho deve ter algo de especial.
Sim, piegas. Mas acredito que pela primeira vez retribuo o amor de um carro, ao contrário de esperar por retribuição. E com um carro normal!
Será a alma que todo carro tem? Anyway, o ponto é: posso responder o comercial abaixo do belo Caddy CTS.
Sim, ele retribui.

Levei the mrs. junto, pois precisaria de ajuda. Ela queria andar no Mini tanto quanto eu e, mesmo depois da lenta explicação do que teríamos de fazer, ela não recusou. Então fomos, e ela me ajudou, bombando os freios de acordo com meus pedidos. Fluido novo e puro atingindo todas as rodas, colocamos o carro no chão, o lavamos e partimos para o almoço.
Insisti que ela dirigisse um pouco, pois havia ajudado, mas ela recusou. Disse que dirigiria outro dia. Seguimos então comigo ao volante e pude ver que, realmente, o Mini não é nada de mais.
Hora de ir às compras, novos cilindros-mestres para embreagem e freio. E, também, mais uma lição valiosa para o English Automobile Worshipper: never refuse a ride in an English car; it may not be running in a few moments...
Pois, é, o carrinho é um punchline ambulante. Instrumentos Smiths que não funcionam, lanternas Lucas que também não funcionam. Ah, o SU também não alimenta o A-series, e foi substituído por um Solex 30.
Mas o carro também é uma aula de projeto de automóvel (como quase todo carro inglês, peca-se na execução). É impressionante como é natural dirigir o carro, keeping in mind que é um carro desenvolvido durante os anos 1950. Natural no sentido de comum, beirando o sem-graça.