Fotos: Bultaco.es
Don Francisco Xavier “Paco” Bultó (abaixo) era um industrial de sucesso por profissão, mas com coração motociclista. Nascido em 1912, em Barcelona, Paco Bultó se tornou um grande empresário do ramo têxtil, químico-farmacêutico e de maquinário pesado, a ponto de se tornar em certo ponto de sua vida o maior empregador da Catalunha. Mas a parte que nos interessa aqui é que era um ávido motociclista, e se interessava muito pelos aspectos técnicos destas máquinas, demonstrando grande aptidão.
Não demora em, junto com o amigo empresário Pedro Permanyer, criar uma fábrica de motocicletas. Em 1944, nascia a Montesa. Inicialmente, Bultó desenhou uma motocicleta muito pequena e simples, de 95 cm³ e sem suspensão traseira, que se chamou Brio 100 (abaixo, numa versão de 1958). No primeiro ano, em meio a grandes dificuldades, se produziram apenas 22 motos, mas logo a Montesa se tornaria a marca mais popular da Espanha. Logo Paco Bultó descobriria o tipo de motocicleta que o faria famoso: eram muito populares em Barcelona as competições de motocicleta fora de estrada, que ocorriam nas montanhas perto da cidade. Era um tipo de competição diferente das de hoje, meio que um misto de enduro, cross e trail, e na verdade o embrião de todos estes tipos de competição. Logo, novas Montesa 125-cm³ dominavam este tipo de competição, freqüentemente com Bultó ao guidão.
E competições eram realmente a praia de Bultó. Montesa se tornaria também uma força nas corridas em asfalto, nas categorias de baixa cilindrada em que participava. Em 1956, Montesas 125 ficaram em segundo, terceiro e quarto no famosíssimo Tourist Trophy da Ilha de Man. Além disso, as ruas da Espanha se enchiam de Montesas, a mais popular sendo a Brio 80, da qual mais de 12 mil foram produzidas.
Mas logo apareciam brigas internas na empresa. Permanyer, que cuidava da administração, se ressentia dos altos custos das competições, e da fama e idolatria que elas traziam à figura de Don Paco. Em 1958, uma recessão na economia espanhola (e o restritivo “Plano de Estabilização Nacional” do ditador Francisco Franco) dá a chance que Permanyer precisava – o departamento de competição e a participação oficial da Montesa em corridas eram cancelados.
Tomando o decreto como ataque passoal, Paco Bultó resolve deixar a empresa. Ao sair, em discurso à sua equipe de engenheiros, cunha sua famosa frase: "El mercado sigue la bandera a cuadros" (O mercado segue a bandeira quadriculada), e parte desiludido. Sua vultosa participação de 30% na Montesa é vendida para Permanyer.
Mas é então que a nossa história fica interessante. Os engenheiros de Don Paco, algumas semanas depois de sua partida, o convidam para um jantar em um restaurante. Lá, pedem a Bultó que os ajude a dar o troco, criando uma empresa com base em competição, que seguiria a risca sua famosa frase. Era a semente de um novo fabricante barcelonês de motocicletas: a Bultaco.
O nome nasceu da junção das quatro primeiras letras do nome Bultó, com as três ultimas de Paco, e era na verdade o endereço telegráfico dele quando na Montesa. O logotipo era simplesmente genial: uma mão fechada com o polegar para cima, o universal símbolo de “Está tudo bem!”. Os engenheiros da Montesa pedem demissão em massa menos de um mês da partida de Paco Bultó e, inicialmente trabalhando em um celeiro na fazenda dele, em apenas 10 meses terminam a primeira moto Bultaco: a Tralla 101. A famosa foto abaixo, da apresentação da moto, é emblemática do entusiasmo dos primeiros dias da marca.
Logo aparece a versão de competição da primeira moto, a Tralla Sport (TS). Já de cara a característica da marca aparecia; livre de qualquer apêndice e magra como uma sílfide, a Bultaco TS (abaixo) é um símbolo de velocidade conseguida por minimalismo e baixo peso. Não é maravilhosa?
Em 1960, para divulgar a jovem marca internacionalmente, é criada a “cazarrecordes” (abaixo com Don Paco de pé), uma versão carenada da TS, com um motor aumentado para 175 cm³. Com ela, cinco recordes de velocidade mundiais são batidos, na pista de Monthléry, na França.
A evolução da TS foi a TSS (Tralla Super Sport), ela sim uma moto para competições dedicada, mas produzida em série para pilotos sem apoio oficial. Teve longa vida, sendo o exemplo abaixo de 1968, com refrigeração líquida, 250 cm³, 40 cv e apenas 96 kg.
Mas foi no fora de estrada que a Bultaco realmente brilhou em competições. Suas levíssimas motos de dois tempos acabaram, durante os anos 60, com a dominação dos ingleses e suas pesadas quatro-tempos nas competições de cross, enduro e Trial. Junto com as Montesa, criaram a moto fora de estrada moderna.
A mais longeva e popular delas foi a Bultaco Pursang (acima). Criada quando o acordo com o inglês Don Rickman, que produzia na França motos de competição com motores de Bultaco Sherpa acabou, deve seu nome a outra frase famosa de Don Paco. Como as motos de Rickman tinham o nome de Metisse (mestiça em francês), disse Bultó: “Bultaco no hará una mestiza, sino una purasangre!” (Bultaco não fará uma mestiça, e sim uma puro-sangue!) Quinze modelos diferentes da Pursang seriam criados (Mk1 a Mk15), e sempre foram cobiçadas montarias em competições de motocross.
Nos EUA, as Bultaco Matador (cross), Sherpa (trial), e a já mencionada Metralla faziam grande sucesso, apoiadas por propagandas geniais que realçavam o foco em competição e qualidade superior que eram o lema da empresa. Em comum em todas elas, a potência fenomenal, e o baixo peso.
Mas os anos 70 não seriam tão bons como os 60 para a marca catalã. Apesar do contínuo sucesso em competições, e das altas vendas da popular Streaker 125 (acima) na Espanha, o país passa por uma fase de intensa e profunda mudança com o fim do governo fascista de Franco, e muita instabilidade. Em 1977, greves terríveis estouram, e Don Paco chega a encontrar um boneco com seu boné e bigode enforcado bem no meio da fábrica. Um de seus filhos (José Maria Bultó) é assassinado por um grupo separatista catalão.
Logo a família abandona a empresa e acaba a longa tradição das motos catalãs de Don Paco Bultó. Mas nossa história não tem um final triste. Don Paco se retira para uma aposentadoria confortável, onde podia aproveitar a companhia de seus 10 filhos e incontáveis netos. Um deles manteve o nome de seu avô vivo nas competições motociclísticas em nosso século: Manoel “Sete” Gibernau Bultó, piloto de MotoGP.
“Uma Bultaco não tem partida elétrica, pára-lamas cromados, pára-barros, 12 luzes, bagageiro, descanso central, carenagem, pára-brisa, nem mata-cachorro. Tudo que ela tem é um coração, uma alma, e é só o que ela precisa!” – Francisco Xavier "Paco" Bultó
MAO
Uma bonita história, com a teimosia típica espanhola de fazer algo mesmo com gente contra.
ResponderExcluirLegal mesmo.
Que história de vida, hein? Perseverança... E a foto dele com o neto (presumo que seja o neto) sobre o tanque é emocionante tambem.
ResponderExcluirBelíssima história!
ResponderExcluirMais uma prova que uma máquina sem história é só um eletrodoméstico!
ResponderExcluircoisa linda.
ResponderExcluirNo Brasil, tirando e gurgel e mais uns dois, o que temos?
Este homem corria atrás de seus sonhos, realmente. Um EXEMPLO para todos nós, sejamos apaixonados por motocicletas ou não
ResponderExcluirEle com o neto remetem à lembrança da história da motocicleta Brough Superior,história que começou entre pai e filho,aliás outra lembrança fascinante a desta moto,que era o xodó do Lawrence da Arábia,inclusive tendo morrido em uma delas.
ResponderExcluirMAO,
ResponderExcluirDescobri aqui uma TSS 250 de pista que foi usada na decada de 70 em Interlagos. Após pesquisas "entendi" a bela preciosidade que tinha em mãos, mas infelizmente o motor tinha se perdido no tempo pois segundo reza a lenda, apos um problema eletrico, o motor rodou por varias oficinas aqui em BH até que um iluminado decidiu colocar o motor desmontado numa caixa e mandar tudo para o lixo... Tinha entao no seu lugar um motor Yamaha 100 cm3. Mas o quadro, rodas de aluminio, tanque e carenagem eram originais. Fazem uns 3 anos que mudou de maos e foi para Sao Paulo. Procurei por meses um motor destes na Internet mas nem o cheiro apareceu. Tambem, pudera: 250 mono 2 tempos com refrigeração liquida. Sobraram só as fotos para reelembra-la com este belo Post.
Fernando RD
Faltou comentar sobre o fim de Permanyer e sua Montesa.
ResponderExcluirQue fim teve a empresa e em que ano a última foi fabricada?
Quando li sobe a Metralla, eu ia comentar sobre Sete Gibernau.
ResponderExcluirComo já disseram, belíssima história. São coisas assim que sinto falta hoje em dia. Atualmente é tudo pasteurizado, novas marcas surgem (nem isso tem acontecido mais...) e simplesmente se misturam no meio da multidão.
ResponderExcluirNunca tinha ouvido falar desas motos.
ResponderExcluirDon Paco era um baita entusiasta mesmo.
Tem marca nova sim, a jac!!!!
ResponderExcluirLegal essa história, MAO!
ResponderExcluirQue história apaixonante, obrigado por compartilhar MAO, não acredito que nunca tinha ouvido falar desse fabricante de motos, nem no super trunfo elas apareceram... :D
ResponderExcluirPena que me parece que essa história teve um fim por culpa politica...
ao Anônimo 01/09 22:20
ResponderExcluirA JAC vende carros normais a preços normais. Nada de revolucionário ou especial.
Quem foi assassinado foi o irmão de Bultó em 1977 e não um dos seus filhos
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