Ah, se tivesse competido... |
Muitos carros são
julgados pela sua ficha técnica, números de desempenho, quantidade de unidades
vendidas, índices de satisfação dos consumidores e outras formas de medição de eficiência
ou qualidade de produtos criados dentro de fábricas.
Esses critérios
exatos podem ser muito importantes para a maioria dos carros que a maioria das
pessoas compram, assim como para geladeiras e escovas de dentes, mas não
para uma boa porção dos carros que falam
à alma e coração dos entusiastas. Óbvio que há entusiastas que compram carros
pelas frias fichas técnicas, ou rejeitam outros pelo mesmo motivo, mas acredite,
isso tem apenas interesse acadêmico, ou de mesa de bar, depois de um
tempo de convívio com a máquina.
O importante mesmo
é que o usuário, dono, possuidor ou quem for que esteja com a chave na mão,
goste e se sinta bem dentro dele e também fora, olhando o veículo. Aquele tipo de carro que faz você olhar para trás depois que o fecha e vai se afastando. Que seja uma
máquina que desperte e mantenha acordados os sentidos físicos e as correntes elétricas mentais da
pessoa. Para ficar claro, da pessoa que usa o carro, não das pessoas que comentam o que elas
acham dele, já que agradar a todos não deve ser objetivo de quem quer ter um carro que
lhe entusiasme. Na verdade, para se sentir tranquilo consigo, essas opiniões de
terceiros devem ser sumariamente ignoradas.
Por isso carros com
belas características técnicas podem ser deprimentes no uso diário, uma
situação que poucas vezes poderia acontecer com entusiastas normais a respeito
de Jaguares entusiásticos, que são quase todos diga-se de passagem, menos alguns poucos modelos ou detalhes de
modelos, onde a marca de Coventry pisou na bola. O sedã X-Type, produzido de
2001 a 2009 deve ser o único verdadeiramente desinteressante nesses anos todos
de história, um erro magistralmente corrigido com o seu sucessor, o atual XF.
Que curvas! |
Mesmo tendo sido
feito exclusivamente para corridas, talvez o melhor do XJ13 seja seu estilo.
Isso pode parecer um sacrilégio quando se sabe sua idade, 47 anos completos, e
sua potência, 509 cv vindos de um V12 de liga de alumínio e cinco litros. Mais
de 100 cv por litro em 1966, sem sobrealimentação.
Mas vejam. O carro
foi feito para desafiar os vencedores de LeMans nessa época, Ferrari
principalmente, e a Ford, que estava chegando à linha de frente e já era
sentida como forte competidor desde 1964.
Nunca correu, por
motivos que veremos adiante, mas deixou aquela dúvida que lhe faz mais
importante do que se tivesse vencido alguma vez. Pergunta-se o que seria o
mundo das corridas se ele tivesse sido usado de verdade para o que foi feito.
Sua presença é
inigualável, basta ver algumas fotos, dividí-las com algumas pessoas e concluir
que é difícil alguém não achá-lo muito, mas muito belo. Desesperadoramente belo
para alguns.
Notem que não há aerofólios, spoilers,
defletores, nada para fora de uma superfície cheia de curvas e deliciosa de se
ver. Formas definidas pelo conhecimento de aerodinâmica de um engenheiro inglês
chamado Malcolm Sayer (1916-1970), que foi o responsável por esse desenho impressionante,
assim como do Jaguar C, que é o XK120 de corrida, o D, notável pela limpeza
aerodinâmica, e o mais famoso de todos os Jaguares, o E-Type, aclamado por
muitos como sendo o mais belo automóvel de todos os tempos, mesmo que beleza
seja algo estritamente pessoal.
Além desses, o XJS
de rua também tem muito de suas idéias, sendo lançado apenas após seu
falecimento. Hoje, Sayer deve estar ajudando a desenvolver melhores perfis de
asas para os anjos, no mínimo.
Escapando da
tendência de se dizer que todos os grandes criadores de automóveis faziam quase
tudo sozinhos, devemos saber que, na verdade, havia uma grande coordenação
entre Sayer e Sir William Lyons, o grande chefe da Jaguar (saiba mais sobre a
história da marca e Sir Lyons aqui ).
Dessa forma, o desenho de cada carro é muitas
vezes atribuído a Lyons. Mas sem Sayer a dar forma eficiente a eles, nenhum
desses modelos citados teria sido o que se tornaram.
Imagine-se como
sendo o idealizador de carrocerias como os do C e D, que nas 24 horas de LeMans
entre 1951 e 1957 só não venceram em dois anos. Claro que com um currículo
desses seria um pouco difícil a direção da empresa não lhe dar créditos quando
Sayer iniciou o trabalho em um carro para retornar às vitórias. O resultado
desse crédito é o XJ13.
Para tristeza dos
entusiastas de carros de corrida, carros ingleses ou apenas carros
aerodinâmicos, o único exemplar está em um museu, e não nas provas para carros
antigos que acontecem em boa freqüência em diversos países. Esse nível de
raridade fez com que uma oferta feita em 1996 fosse recusada pelos
proprietários, na época o Jaguar Heritage, museu da fábrica hoje desativado, no valor de 7 milhões de libras esterlinas (R$ 23 milhões).
A carroceria de
chapa de alumínio foi desenhada por Sayer, e definida de acordo com o tamanho
do motor V-12 de duplo comando de válvulas, que foi pensado pela primeira vez em
1950, idealizado a partir de dois XK de seis cilindros em linha unidos. Desse motor que funcionou em bancada pela
primeira vez em 1964 é que veio a versão de comando único que foi
posteriormente adotada em modelos de rua, estreando no E-Type de terceira série
em 1971.
Chamado em alguns
lugares de XJ12, sem ser uma denominação aceita por todos os historiadores da
marca, o motor apresentava a notável potência de 509 cv atingida a 8.300 rpm, e
o torque máximo de 53,4 m·kgf a 7.600 rpm. A alimentação era feita por injeção
Lucas, com doze dutos independentes, o bloco era de alumínio, os pistões tinham
cabeça hemisférica e a taxa de compressão era de 10:1.
E já que o
motor existia e mostrava esperanças, em 3 de junho de 1965 foi emitido o
documento que autorizava a engenharia da empresa a fazer um carro para ele, e o
trabalho começou de forma oficial.
A carroceria foi definida com três partes principais, a dianteira, onde a suspensão do E-Type Lightweight deveria ser montada, mas com molas helicoidais em vez de barras de torção, uma área central com o habitáculo e tanques de combustivel e óleo, e a traseira, onde ficaria acomodado todo o trem de força. Phil Weaver e Robert Blake foram os engenheiros que trabalharam com Malcolm Sayer para a efetivação do projeto, já que este tinha como especialidade a aerodinâmica, e não estruturas. Sayer tinha experiência prática em aviação, como quase todo grande aerodinamicista até antes dessa disciplina passar a ser considerada de forma mais séria pelos fabricantes de grande produção, e foi ele o responsável por definir um sistema de refrigeração de motores radiais inovador quando trabalhou na Bristol, a fábrica de aviões, durante a Segunda Guerra Mundial. Para auxiliá-los, Peter Dodds, George Mason e Hector Warrington completavam o pequeno grupo.
Parte da pequena equipe criadora |
O carro andou pela primeira vez em março de 1966, e logo depois as regras para os carros esporte em corridas mudaram, sendo permitidos apenas motor de até 3 litros de cilindrada para protótipos de carro esporte.. Motores maiores que isso, apenas para carros produzidos em mínimo de 50 unidades. Essa decisão já prejudicava a Jaguar, que nunca planejara mais que algumas unidades do XJ13, principalmente pelos altos custos envolvidos.
Além disso, logo no ano seguinte a Jaguar passara a ser controlada pela BMH (British Motor Holding), um grupo industrial enorme, que já existia antes com o nome de BMC (British Motor Corporation), criado pelo governo trabalhista britânico que se instalara em 1964 e que vira como solução para a crise da indústria de automóveis a fusão de várias empresas, entre elas a Austin, MG, Wolseley e Morris. Obviamente, um projeto de carro de corrida, caríssimo, não seria levado adiante quando as verbas não abundavam e quando a interferência do governo era grande.
Malcolm Sayer tinha
absoluta certeza de que aerodinâmica era fundamental para carros, e isso é
ilustrado pelo modo como a forma externa do XJ13 foi definida. A partir de
estudos de túnel de vento em Farnborough, no Royal Aircraft Establishment
(RAE), um centro de pesquisas aeronáutico do ministério da defesa britânico, foi
definido um modelo a partir do qual foi feito o protótipo. Esse carro foi
levado às pistas da MIRA (Motor Industry Research Association, usada por todos os fabricantes) e com fios de lã
colados com fita, Sayer observava e anotava o que acontecia, acomodado no banco
traseiro de outro carro, com o XJ13 sendo dirigido por Norman Dewis, o piloto
de testes da fábrica.
Com sinais de mão
combinados previamente, Sayer pedia manobras e velocidades diversas, para que
suas observações abrangessem várias faixas de uso. Essa divertida atividade
serviu para que algumas áreas onde houvesse
turbulência prejudicial fossem modificadas com base prática.
Essa magnífica obra
aerodinâmica rendeu, logo nos primeiros testes, velocidade máxima de 267 km/h,
quando o carro ainda estava muito longe das melhorias que seriam feitas caso fosse
em frente o programa de voltar a competir em provas de longa duração.
Nessa época, a Ford
já tinha o GT40 com motor de 7 litros, o último carro verdadeiramente de
corrida que podia ser usado nas ruas, e o XJ13 já estava obsoleto, mesmo antes
de nascer. Foi colocado de lado, guardado em um canto na empresa, para apenas
ser chamado a atuar novamente em 1971, quando a fábrica estava para lançar no
mercado o E-Type série III, com o motor V-12 de comando de válvulas único, o
motor do XJ13 sem as maravilhas pensadas para corridas.
Para fazer um
marketing bonito, o XJ13 e o novo carro foram levados à pista circular da MIRA
para fotos e filmes publicitários em janeiro de 1971. Como um filho renegado e
malcuidado, o belo carro de corrida fugiu do controle de Norman Dewis devido a
um pneu traseiro furado, que já havia sido arrumado, pois estava vazando, vejam
só, e foi bastante danificado em uma capotagem, por sorte na
área interna da pista, sobre terra solta e bastante fofa. O carro ficou mais
sujo do que um trator em época de plantio, todo torto, mas sem machucar
seriamente Dewis.
Minutos antes do desastre, Dewis na foto |
Triste de se ver |
Guardado, esperando a ressurreição |
Mais uma vez a obra
abandonada foi encostada em um canto, com sua dignidade manchada, para ser
resgatado por sugestão de Edward Loades, o dono da empresa Abbey Panels que desde muito
tempo efetuava trabalhos de fabricação de componentes protótipos de carrocerias
para a Jaguar – e continua até hoje, depois de mais de meio século de parceria – que
se ofereceu para reconstruir o carro em 1974. A proposta foi aceita, com custo
de apenas 1.000 libras esterlinas para a Jaguar. Dispositivos de montagem usados
originalmente foram reativados para que o conserto fosse feito, e o que faltava
foi refeito o mais próximo possível do original. Dessa forma, nem todo o carro
hoje é exatamente como antes do acidente, mas a fidelidade do serviço é
suficiente para que o carro não perca seu valor.
Durante a reconstrução, em 1974 |
Mesmo com esse
pequeno detalhe, a beleza suave e brutal do 13 permanece, para sorte de quem já
o viu de perto (coisa que pretendo fazer um dia), seja em eventos como o Goodwood
Festival of Speed, ou no Heritage Motor
Centre Museum, em Gaydon, sua casa permanente.
Há alguns
fabricantes de réplicas do XJ13, que fazem carros apenas sob encomenda e a
custo altíssimo, utilizando componentes Jaguar sempre que possível. A mais bem
detalhada, ao menos no site do fabricante, é esse aqui, e algumas fotos e ilustrações dessa réplica estão abaixo.
Chassis principal da recriação |
Num pátio de leilão |
JJ
Fotos: xj13.eu; Wikimedia, ConceptCarz. Piston Heads, Automotive Set, ruiamaraljr.blogspot.com
Felino nervoso!
ResponderExcluirJorjao
Incrível como decisões burocráticas podem pôr a perder um projeto espetacular como esse. Fico imaginando que se esse carro tivesse competido,a Ferrari se veria em sérios apuros e o GT-40 não teria vida tão fácil.
ResponderExcluirInacreditável também como o carro permanece belíssimo até hoje,fazendo muitos carros de hoje parecerem feios. E eu que pensava que não havia algo mais belo do que o E-Type. Esse XJ-13 parece em movimento mesmo parado!
Belo e abrangente post sobre esse carrão. Nada como um Jaguar, JJ!
ResponderExcluirLuiz Leitão,
ExcluirJaguares são mesmo especiais.
Obrigado pelo elogio.
Legal, nunca tinha ouvido falar. Creio que uma réplica de fibra com um V6 Alloytec ficaria bem razoável, consideravelmente barata e provavelmente teria um comportamento dinâmico melhor que o original.
ResponderExcluirNão esqueçam do Iso Grifo/Bizzarrini 5300 GT!
Lorenzo Frigerio,
Excluirsugestão já anotada. O tempo está escasso meu caro.
Que desenho maravilhoso ,que rodas lindas e 590 cv,minha nossa!
ResponderExcluirParabéns pelo post JJ, foi uma delícia a leitura, suave, contínua e me senti na época, vendo os eventos conforme aconteciam. Parabéns e obrigado!
ResponderExcluirHugo,
ResponderExcluirmuito agradecido pelo comentário.
JJ,
ResponderExcluirGrande post, parabéns!
O carro é realmente bonito, de uma forma que não se vê mais...
MAO
Pra machucar corações...
ResponderExcluirhttp://www.youtube.com/watch?v=S3IbF5bJSEU&feature=youtu.be&t=39m3s
Interessante, a alavanca de cambio do lado direito mesmo com a direção desse lado
ResponderExcluirMais uma delicia de post do JJ
ResponderExcluirCaro Juvenal, bom dia! Só pude ler agora, domingo de manhã, este seu texto espetacular. Já alegrou meu dia, cinzento hoje aqui no Rio, e até com um friozinho. Gosto muito da forma que vc escreve, dando os detalhes das pessoas que se envolveram, quem eram , de onde vieram, o que faziam, de que forma e quando.Impressionante o que acaba acontecendo quando um gênio talentoso encontra a oportunidade, ambiente, época e lugar certo e é apoiado pelas pessoas e equipe certa. Estes jaguares são obras primas e pode passar mil anos que continuarão sendo. Filhos de um período único, feitos por uma família unica e que vão nos fazer suspirar a cada vez que lermos os detalhes de como foram gerados ou simplesmente observarmos suas formas. Abs e bom domingo para vc. MAC.
ResponderExcluirExcelente JJ!
ResponderExcluirEste é talvez um dos carros mais bonitos de todos os tempos, e merecia ter sido finalizado e entregue ao público.
abs