Um estilo de agradar a vista. Note as rodas desse modelo estático |
Muitos carros desenhados pela casa Bertone ficam apenas na condição de conceito, carros de sonhos. Talvez o caso mais notável seja o Alfa Romeo Carabo.
Alguns chegam às
produções de fábricas, e normalmente são espetaculares, como o mais memorável
de todos, o Lamborghini Miura, um dos mais clássicos e belos desenhos de todos,
ou o Lancia Stratos, inusitado para dizer o mínimo.
Deveria haver uma taxa
de aproveitamento maior nos produtos do estúdio, dado os desenhos que aparecem
vez ou outra, e essa falta de mais carros de produção aparenta ser resultado de
problemas de administração, e não apenas técnicos-automobilísticos. Até mesmo a
Porsche encomendou aos italianos um quatro lugares, que foi batizado de
Karisma, mas nunca saiu do estágio de conceito. Poderia ser o Panamera hoje.
O Lancia Kayak foi mais
um desses carros que apesar das previsões e promessas, não foi
produzido em série.
Elegância é uma boa palavra para um carro assim |
Este duas-portas foi
fabricado a partir de componentes do monobloco e mecânica do Lancia Kappa, que
substituiu o Thema. O problema aqui foi a empresa-mãe, a Fiat, que tinha planos
para um cupê do modelo Kappa em 1996, e assim, o Kayak estaria no caminho,
disputando clientes e fazendo os números de produção da Lancia, sempre
pequenos, menores ainda.
Mesmo assim, o programa
foi em frente, e em março de 1995 o Kayak foi mostrado em Genebra como modelo
estático. Daí para o protótipo funcional, apenas as rodas eram diferentes, já
que o chefe e herdeiro do estúdio que seu pai criara, Giuseppe “Nuccio” Bertone
não gostou das primeiras. O estranho aqui é que uma roda de desenho exclusivo
foi substituída por um modelo da marca Fondmetal, de mercado de acessórios, com um desenho sem
a mesma classe do carro como um todo.
O protótipo funcional, com rodas do mercado de acessórios |
O Kayak tem quatro
lugares e porta-malas de razoável capacidade. A posição de dirigir é muito
similar à do Kappa, e a visibilidade, excepcional, com poucos ângulos cegos, já
que não há colunas excessivamente largas.
O motor era um cinco-cilindros de 2,4 litros, vinte válvulas, com 175 cv a 6.100 rpm e 23,5 m·kgf a 3.750
rpm. Muito similar ao do Fiat Marea aqui no Brasil. Haveria também a
possibilidade de montar o V-6 de 3 litros do Alfa Romeo 164, um motor que
dispensa apresentações. Pelo desejo de Nuccio Bertone, o V-6 estaria na medida
certa para o Kayak, já que ele idealizara fazer uma versão moderna do Aurelia GT,
chassis tipo B20, que utilizava um V-6 de dois litros.
Lancia Aurelia GT (B20) |
O protótipo era bem
fabricado, apesar de ainda não perfeito como um carro deve ser para venda, em
parte devido à necessidade de usar componentes já existentes de outros Lancias
de produção. É como uma reforma de uma casa ou mesmo de um carro. Muitas vezes
é melhor derrubar e começar do zero, o resultado é melhor.
Um dos problemas comuns de
carros feitos dessa forma é o ruído de vento, já que os ajustes finos de guarnições e até
mesmo pequenas alterações nos desenhos dessas peças acabam sendo feitos apenas após um
bom número de carros ser fabricado na fase de protótipo.
Junto com um ABS do
Kappa, o Kayak trazia também o desagradável sistema de direção com assistência elétrica do grupo Fiat, chamado
de Servotronic, um conjunto que pode ser bom pelo fato de não ter uma bomba hidráulica roubando potência do motor, mas que faz a direção leve demais e sem retorno
de informação entre rodas e volante, algo sempre anti-entusiástico,
desagradável e hoje em dia cada vez mais comum, atendendo a pedidos da massa compradora.
Mas apesar de ser um
carro chamativo, e que não pode ser chamado de forma alguma de feio, Nuccio Bertone
acreditava que a dianteira era um pouco volumosa demais, e o balanço dianteiro
muito longo, fato notável nas curvas dos para-lamas, nos cantos dianteiros. Poderia
ser uma vantagem do ponto de vista de segurança, com um volume de absorção de
energia, mas isso só se saberia se o projeto fosse em frente e tivesse que
passar pelos testes de impacto normais para homologação.
Apesar do grande chefe
não gostar, a dianteira ficou como estava, já que a data do Salão de Genebra em
março de 1995 se aproximava, numa prova
de que se faziam carros com “defeitos” e carronalidade com mais frequência
antigamente.
Os faróis fixos
escondidos atrás da grade preocupavam pela eficiência, mas o problema não se
concretizou, e poderia sim ser fabricado em série dessa forma, assim como o
notável Alfa Romeo Montreal – também obra de Bertone – que tinha parte dos
faróis escondidos por persianas, porém na horizontal, mas que é até hoje idolatrado
como um dos mais belos carros produzidos.
Seria ótimo ter carros assim nas ruas |
Haviam detalhes
interessantes, como o emblemas integrados às lanternas traseiras e a grade
encobrindo os faróis e ocupando toda a largura da dianteira. Por dentro, os
bancos estavam num padrão poltrona, muito grandes e aparentemente confortáveis,
com as costuras do couro formando um belo desenho, mais moderno do que o padrão
daqueles anos. Carros-conceito são mesmo para isso, puxar os padrões para
caminhos a serem desbravados.
Emblemas nas lanternas |
Interior funcional, com componentes de prateleira |
O objetivo do Kayak foi
atingido, ao menos na aparência. Um carro com classe e elegância, nada
escandaloso nem apelativo. Pena não ter sido produzido e vendido de fato.
Apenas dois anos depois, em 1997, Giuseppe “Nuccio” Bertone faleceria aos 83
anos, sem ver uma de suas melhores obras a caminho da produção em série. Não se
pode vencer sempre.
JJ
JJ
Fotos: favcars.com, netcarshow.com, omniauto.it, noticias.coches.com, lanciastory.pl, Pava, via Wikimedia e ftpmirror.you.org
Chupinhadaço do Lincoln Continental Mark VIII, com alguns toques de Lexus SC400, mas certamente inferior a ambos, inclusive na parte mecânica e interior. A grade de Holden também não passa despercebida.
ResponderExcluirGostei! Não conhecia, e assim que vi a primeira foto, pensei tratar-se de um carro americano, notadamente um Lincoln.
ResponderExcluirBonito carro! Mas me fez lembrar vagamente o Lincoln Mark VIII 1993–97
ResponderExcluirlindo carro. a Lancia bem que podia ser melhor tratada dentro do grupo Fiat e ter uma linha de topo à altura dos Aurelia e Flaminia de antigamente (o Flaminia cupê é um dos meus carros preferidos de todos os tempos, acho que vale um post a história dos três cupês).
ResponderExcluirobrigado, JJ!
Parece o antigo Peugeot Coupê, também dos anos noventa (1997 creio).
ResponderExcluirAs rodas nas fotos seguintes são realmente muito feias (para um carro lindo!)
MFF
Que desenho maravilhoso! Elegância extrema e bom gosto em todos os detalhes. Com pequenas adaptações seria um carro atual mesmo hoje, quase 20 anos depois.
ResponderExcluirAtemporalidade é provavelmente a principal evidência da genialidade no que tange a desenho.
Agradeço pela oportunidade de conhecer este carro.
E ai pessoal acompanho o blog ha um tempo e estou começando nos comentários agora ! Achei esse carro muito parecido com o omega australiano...
ResponderExcluirSim parece com o Lincoln, mas acho o desenho desse Lancia bem melhor resolvido. Numa rápida pesquisa não descobri se o Lincoln também foi desenhado por italianos, mas creio que não. E considero que os dois demonstram bem a diferença entre o design dos dois países, sendo o Lancia mais belo e o Lincoln mais rebuscado e imponente. Prefiro o design de Bertone. Pena que não foi fabricado. Seria um para marcar época. Bom eu sou fã do design italiano e dos carros dos anos 90 deste país, principalmente as Alfas e Lancias (e que hoje mantém um design maravilhoso, uma pena não vê-las em nossas ruas).
ResponderExcluirGustavo Soares
Persianas sobre os faróis, rodas à la Thunderbird, volante à Crown Victoria... Interior misturando marrom, preto e bege claro. Um italiano bem americano, não?
ResponderExcluirMuito bom JJ!!
ResponderExcluirabs
Para mim um dos melhores desenhos de Bertone e a Alfa GTV
ResponderExcluirhonestamente, bem esquisito!!!!
ResponderExcluirRT
Tem mais um carro que foi chupinhado: a BMW 850i. Reparem no vinco da lateral, que some na porta, e o paralama traseiro abaulado.
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